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Janus 1997



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Portugal no Mundo sob o Ponto de Vista Demográfico

Maria Luís Rocha Pinto e Maria João Valente Rosa *

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Entender, numa óptica demográfica, Portugal como parte de um conjunto mais amplo, significa considerar as duas principais vertentes caracterizadoras da dimensão bifacetada da realidade demográfica actual: dinâmica populacional e estrutura etária. Neste sentido, a abordagem da dinâmica global e das estruturas etárias da população portuguesa será feita em função deste enquadramento mais amplo, apreciando-se as distâncias e proximidades demográficas entre o nosso país e outros espaços.

Dinâmica demográfica

Em termos globais, grande parte dos países que têm contribuído e vão continuar a contribuir para a explosão demográfica mundial têm também vindo a registar alguma desaceleração dos seus ritmos de crescimento (nomeadamente a China que representa cerca de um quinto da população mundial). Continuam, no entanto, a existir diferenças acentuadas entre as dinâmicas populacionais das diversas regiões. Encontramo-nos perante um mundo com diferentes velocidades de crescimento demográfico, e antevêem-se significativas alterações em termos dos equilíbrios actualmente existentes.

É no continente africano, correspondendo actualmente a 12,6% da população mundial, que se esperam maiores ganhos populacionais: prevê-se que em 2025 representem, segundo estimativas das Nações Unidas, 18,2% daquele total. Em contrapartida, a Europa é uma das regiões que perderá peso relativo. Segundo a mesma fonte, em 1995, o continente europeu (sem a Federação Russa) representava 10,2 % da população mundial e passará, em 2025, a constituir apenas 7,1% desse total.

Aproximando-nos um pouco mais da nossa realidade, verificamos que o conjunto dos 15 países da União Europeia, que em 1995 representavam 6,5% da população mundial, passarão a representar, em 2025, apenas 4,4% desse total. Portugal também não deixará de perder relevância demográfica. Com aproximadamente 10 milhões de habitantes, representava, em 1995, uma pequena fatia (0,2%) dos 5,7 milhares de milhões de seres humanos do planeta. Até 2025, espera-se que a população continue a apresentar um crescimento praticamente nulo o que implicará que, naquela data, o seu peso relativo a nível mundial seja ínfimo (0,1%).

Esta tendência também pode ser observada na comparação com outras regiões que, por razões de ordem geográfica, cultural, histórica ou outras lhe são próximas. Assim, enquanto que o nosso país deverá continuar a rondar os 10 milhões de habitantes até 2025, Angola, país que segundo a mesma fonte contava em 1995 com 11,5 milhões de habitantes, poderá vir a contar, em 2025, com 24,7 milhões, mais do dobro da população portuguesa. O mesmo raciocínio pode aplicar-se à região do Magrebe (Marrocos, Argélia, Líbia e Tunísia) que em 1995 tinha uma população sete vezes superior à portuguesa e, em 2025, poderá atingir um volume cerca de doze vezes superior ao nosso. Estas diferenças, assinaláveis, sob o ponto de vista das dinâmicas e pesos populacionais são, em larga medida, fruto de distintos processos de evolução da mortalidade e fundamentalmente da fecundidade. Com efeito, e ainda segundo a ONU, em 1995 o índice sintético de fecundidade (ISF) era, em África, de 5,8 filhos por mulher e, na Europa, de apenas 1,5 (inferior ao valor mínimo que garante a substituição de gerações); a taxa de mortalidade infantil (TMI, óbitos de crianças de menos de 1 ano por mil nascimentos) era, em África, de 90 por mil e, na Europa, de 10 por mil; a esperança de vida à nascença era em África de 53 anos para os homens e 56 para as mulheres, e de 70 e 77 anos, respectivamente, para homens e mulheres europeus.

Analisando mais de perto a realidade portuguesa e outros países "próximos" do nosso, podemos começar por afirmar que Portugal se insere, perfeitamente, nos valores da UE ao registar um ISF de 1,5, uma taxa de mortalidade infantil de 9 por mil e uma esperança de vida à nascença de 71 e 78 anos para os homens e para as mulheres, respectivamente.

A dinâmica natural, gerada apenas nos equilíbrios e desequilíbrios entre os nascimentos e os óbitos, é uma componente fundamental para se compreender o que observámos sobre o crescimento cada vez mais ténue da população portuguesa. A ilustrá-lo está a evolução dos saldos naturais (diferença entre os totais de nascimentos e de óbitos) que se têm vindo a observar ao longo do tempo: em 1970 o saldo foi de 80 mil indivíduos, em 1980 foi de 63 mil, em 1990 foi de 13 mil e, em 1994 já se cifrou em apenas cerca de 10 mil.

Também a dinâmica migratória tem desempenhado um papel crucial na evolução demográfica portuguesa. Tomando os valores entre censos, houve, no século XX, apenas dois períodos em que o saldo migratório foi positivo, isto é, em que o número total de entradas foi superior ao das saídas: a década de 30 e a década de 70. Nesta última, o saldo migratório positivo cifrou-se em mais de meio milhão de indivíduos, valor não negligenciável em termos nacionais, para o qual contribuíram uma série de factores, nomeadamente a descolonização e o consequente retorno de indivíduos das ex-colónias. Quanto aos saldos migratórios negativos, que caracterizaram todos os outros períodos intercensitários do século XX, momentos houve em que o seu valor foi bastante significativo — na década de 60, o número de saídas terá superado o das entradas em cerca de 1.350 mil indivíduos — e outros em que foi pouco expressivo (como é o caso da década de 80, em que se estima um saldo migratório próximo das 320 mil pessoas).

 

Estruturas Etárias

Vários são os estudos que já alertam para uma generalização do processo de envelhecimento demográfico à escala mundial. O Relatório sobre a Situação Demográfica da União Europeia (CE -1994), refere: "Enquanto processo, o envelhecimento das estruturas etárias da população da União Europeia é inelutável (...). Mesmo os países em vias de desenvolvimento estão actualmente em plena transição demográfica ou devem entrar a breve trecho, iniciando, assim, o seu processo de envelhecimento." Apesar da generalização do processo de envelhecimento à escala mundial, ainda coexistem populações com estruturas etárias radicalmente distintas. Em termos globais as duas situações extremas correspondem a África e à Europa. Segundo os dados da ONU para 1995, as percentagens de jovens (população com menos de 15 anos) e de idosos (com mais de 65 anos), em relação ao total da população, são em África de 45% e de 3%, respectivamente, enquanto que na Europa estes valores são apenas de 19% para os jovens e já de 14% para os idosos.

Existem naturalmente diferenças entre os níveis de envelhecimento no interior de cada um dos continentes considerados. Em África as diferenças existentes, especialmente sensíveis a nível das percentagens de jovens de menos de 15 anos (variando entre os 30% nas ilhas Maurícias e os 50% na Zâmbia), são fundamentalmente devidas aos diferentes níveis e ritmos de declínio da fecundidade e mortalidade. De uma maneira geral, é na África Austral e Setentrional que encontramos os países com estruturas etárias menos jovens, mas mesmo assim, longe dos menos envelhecidos países europeus.

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A região magrebina, que temos vindo a referir dada a sua proximidade, vê os países que a integram a registar os valores de menor envelhecimento na Líbia (48% de jovens e 3% de idosos) e os de maior envelhecimento na Tunísia (37% de jovens e 5% de idosos), como os indicadores de fecundidade e mortalidade tornavam inevitável. A distância em relação ao nosso país é mais do que assinalável, o mesmo acontecendo com Angola onde se verificam valores de jovens e idosos próximos dos da Líbia.

Na Europa, continente bastante envelhecido, o conjunto de países que constituem a UE revela níveis de envelhecimento demográfico particularmente significativos. Os valores que possuímos para 1993 (da Eurostat) registam a existência de 66 milhões de jovens (18% do total da população) e 55 milhões de idosos (15% do total). Neste contexto de uma Europa muito envelhecida, Portugal é cada vez mais um país à medida da UE, embora ainda revele uma estrutura etária um pouco menos envelhecida (19% de jovens e 14% de idosos) que a média comunitária.

A dinâmica da evolução da estrutura etária da população portuguesa, que a coloca cada vez mais próxima da de outros países europeus tradicionalmente muito envelhecidos, como a Alemanha ou a Dinamarca, pode, em traços gerais, ser apreciada com base na observação de alguns indicadores sobre a estrutura etária, registados no passado recente (1981-1991) e prospectivados para o futuro próximo (até 2010). Entre 1981 e 1991, enquanto que o número de indivíduos com menos de 15 anos passou de 2 509 mil para 1 972 mil, o número dos de mais de 65 anos passou de 1125 mil para 1 342 mil. Também no subgrupo dos indivíduos com mais de 75 anos o aumento foi significativo, tendo passado de 385 mil em 1981 a 528 mil em 1991.

Como, em termos totais, o volume da população portuguesa praticamente não se alterou — o aumento na década foi de apenas 0,3% —, o peso relativo dos grupos de idade considerados alterou-se. A percentagem do grupo etário dos 0-14 anos diminuiu, passando de 26% para 20%, enquanto que os de 65 anos e mais viram o seu peso aumentar de 11% para 14%. Dentro deste último grupo, as pessoas com mais de 75 anos representavam em 1981 34%, e em 1991 passaram a representar 39%.

No futuro, bem próximo, se considerarmos Portugal como um país fechado aos fluxos migratórios e mesmo admitindo um ligeiro aumento dos níveis de fecundidade (ISF de 1,7 em 2010) e ainda um pequeno declínio da mortalidade (esperança de vida à nascença de 74 anos para os homens e 81 anos para as mulheres, também em 2010), a estrutura etária da população portuguesa poderá, naquela data, revelar as seguintes características: o número de pessoas no grupo etário 0-14 anos (de cerca de 1 758 mil) será suplantado pelo total do grupo de pessoas com 65 e mais anos (que poderá contar com cerca de 1 763 mil). O total de pessoas com mais de 75 anos poderá atingir os 854 mil e representar, em relação ao total do grupo de 65 e mais anos, cerca de 48%; por fim, o número de indivíduos dos 15 aos 64 anos por idoso (65 e mais anos) deverá já ser inferior a 4.

 

Fechar as portas da Europa?

Tal como evidenciámos, o mundo assemelha-se, em termos demográficos, a uma moeda com duas faces: de um lado, estagnação demográfica e estruturas etárias bastante envelhecidas; do outro, dinamismo demográfico e estruturas etárias jovens.

Frequentemente nos esquecemos, em termos das reflexões sobre esta dupla realidade demográfica, de que elas fazem parte de uma mesma moeda.

O tema do "cinzentismo" da Europa tem vindo a merecer crescente atenção, aumentando o número dos que, directa ou indirectamente, são levados a reflectir sobre as formas de adaptação da organização da sociedade ao curso deste processo demográfico. A nível da UE, a convergência de estruturas etárias no seu interior, inscritas num processo de envelhecimento que continuará no futuro, resulta numa convergência de preocupações sobre o futuro equilíbrio (nomeadamente económico e social) da sociedade europeia: a população em idade activa será cada vez mais envelhecida; a população nas idades estatutariamente marginais ao mercado de trabalho (65 e mais anos) terá cada vez mais peso; a população nas idades em que se agudizam as necessidades de cuidados de saúde (75 e mais anos) continuará a aumentar; a população na fase de escolaridade obrigatória perderá relevância estatística...

Inúmeras propostas de orientação de políticas futuras, visando a "domesticação" do envelhecimento demográfico pela sociedade, têm sido avançadas nestes últimos anos. Por exemplo, o já citado relatório da Comissão Europeia propõe a este respeito: «supressão das barreiras etárias (no exercício da actividade laboral), a rejeição do modelo de carreira linear de três etapas sucessivas em proveito da instauração da alternância na organização dos ciclos de vida entre o trabalho, a formação e o lazer, a liberalização da vida profissional e da vida inactiva, mediante o abandono da reforma 'cutelo' a favor da reforma flexível e da valorização do capital humano, encorajando os reformados a abraçar "segundas carreiras" nos sectores de utilidade social.»

Por outro lado, também é frequente encontrarmos referências ao dinamismo populacional manifestado "fora" deste espaço europeu. Contudo, em grande parte destas referências, o forte dinamismo demográfico manifestado em populações em vias de desenvolvimento é apreciado como se se tratasse ora de um problema dos "outros" ora de uma ameaça às populações europeias. Ignorar ou considerar os problemas de crescimento demográfico acelerado, que outras populações manifestam, como "exógenos" ao equilíbrio da sociedade europeia (de que Portugal faz parte), tentando evitar, a todo o custo, as entradas de outras populações, nomeadamente do Mediterrâneo Sul, no espaço da UE, é, em nosso entender, uma forma parcial e não satisfatória de encarar a realidade. Os efeitos desse alheamento, poderão não ser menos preocupantes que aqueles que advêm do envelhecimento demográfico.

Isto porque, embora alguns possam não o desejar, o aumento da pressão populacional sobre a Europa, com pouca vitalidade demográfica, mas que continua a ocupar um lugar central em termos económicos e tecnológicos no jogo de forças mundial, e a intensificação das movimentações populacionais para a Europa, poderão implicar, a prazo, uma "africanização" e uma "islamização" da sua população. A confirmar-se este cenário, todo o perfil da população residente na Europa será diferente. Estas modificações podem acarretar custos económicos e sociais preocupantes para o equilíbrio da sociedade, caso os processos de adaptação ao curso dos factos não levem em conta esta dimensão global dos fenómenos demográficos.

"Fechar as portas da Europa" — resposta um pouco "malthusiana", no sentido de evitar que os problemas que afectam os países em desenvolvimento se alastrem ao mundo "desenvolvido" — e concentrar as atenções sobre aquilo que é específico das populações europeias é uma forma tão parcial quanto insatisfatória de encarar a realidade. Não levar em conta o curso dos factos demográficos na sua dupla dimensão, e tentar separar aquilo que se afigura inseparável — crescimento demográfico e envelhecimento da população — pode ter efeitos perversos. Pensar que, através de um olhar "egocêntrico", podemos encontrar resposta para certos problemas que afectam apenas uma parcela do todo, pode levar a hipotecar o equilíbrio e o bem-estar futuro da sociedade.

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* Maria Luís Rocha Pinto

Doutorada na especialidade de Demografia. Professora Auxiliar no Departamento de Sociologia da FCSH da Universidade Nova de Lisboa.

* Maria João Valente Rosa

Doutorada na especialidade de Demografia. Professora Auxiliar no Departamento de Sociologia da FCSH da Universidade Nova de Lisboa.

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