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Portugal e os Organismos Intergovernamentais

Luís Madeira*

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Para os pequenos Estados, isto é, para os países cuja política externa, devido a debilidades geográficas, demográficas, económicas ou outras, não tem possibilidade de, unilateralmente, produzir qualquer impacto relevante no contexto internacional em que se encontram inseridos, a cooperação intergovernamental multilateral e, designadamente, a plena participação nas actividades das organizações intergovernamentais (OIGs), sejam elas de natureza técnica, política ou militar, reveste-se de uma importância capital.

Paradoxalmente, apesar de Portugal, nesta matéria, dever ser concebido como um pequeno Estado, a sua regular integração nos trabalhos das OIGs de que é membro ou mesmo a adesão a OIGs, que se têm revelado, nas últimas duas décadas, uma prioridade da diplomacia portuguesa, é um fenómeno relativamente recente.

Com eleito, a participação de Portugal em OIGs, na segunda metade do século XX, conheceu duas fases distintas, cujo marco temporal de separação é, incontestavelmente, o 25 de Abril de 1974. Enquanto a fase que se iniciou com a democratização da sociedade portuguesa tem sido marcada por um crescente envolvimento de Portugal no quadro das OIGs em cujas actividades participa, o período anterior a Abril de 1974 teve como característica mais relevante um progressivo e constrangedor isolamento da diplomacia portuguesa.

No que concerne ao período anterior a 1974, o autoritarismo e o colonialismo podem ser considerados como os aspectos da política do Estado Novo que mais condicionaram a política externa em matéria de OIGs. Excepção feita da participação nos trabalhos de organizações de natureza puramente técnica, dado que a natureza autoritária do regime implicava a renúncia ao vector europeu da acção externa, a diplomacia multilateral portuguesa foi-se progressivamente restringindo à OTAN, um bloco político-militar que reunia os aliados de Portugal no quadro do conflito Este-Oeste, e à ONU, que, tendo-se afirmado, progressivamente, como um instrumento multilateral da luta contra o colonialismo, se transformou num dos principais problemas da política externa portuguesa.

Na origem do grave conflito que opôs Portugal e a ONU, um litígio que o Estado Novo se mostraria incapaz de solucionar, está o não cumprimento, por parte de Portugal, do Capítulo XI da Carta das Nações Unidas, relativo aos territórios não autónomos, segundo o qual os Estados que administrassem territórios que não se autogovernassem integralmente tinham a obrigação, nomeadamente, de criar condições favoráveis à autodeterminação política dos povos sob sua administração.

Ora, a perspectiva do Estado Novo era a de que o Capítulo XI da Carta não seria aplicável a Portugal, tendo mesmo o governo português declarado, em carta enviada, em Novembro de 1956, ao Secretário-Geral, que Portugal não administrava territórios que entrassem na categoria de não autónomos. Não sendo essa, obviamente, a realidade da presença portuguesa em África, a Assembleia Geral da ONU, após ter definido o conceito de território não autónomo e especificado os territórios que se encontravam sob administração portuguesa, a partir de 1960, passou a considerar as colónias portuguesas uma das suas prioridades. Quanto ao Conselho de Segurança, a primeira de muitas resoluções condenatórias da política colonial de Portugal foi aprovada em Março de 1961, na sequência dos acontecimentos que marcaram o início da luta de libertação angolana.

Numa fase inicial, as resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança limitavam-se a exigir o reconhecimento português dos direitos dos povos dos seus territórios não autónomos à autodeterminação, a cessação dos actos de repressão desses povos, a retirada das forças militares e o início de negociações com representantes dos movimentos de libertação destinadas a transferir poderes para instituições representativas e livremente eleitas, sendo ainda recomendado aos Estados-membros que pressionassem Portugal, no sentido do cumprimento das resoluções, e que se abstivessem de prestar ao nosso país auxílios passíveis de ser utilizados na repressão dos povos das colónias.

Dado que Portugal não dava qualquer execução às resoluções da ONU e que a situação nas colónias não cessava de se agravar, tanto a Assembleia Geral como o Conselho de Segurança optaram por aumentar a pressão sobre Portugal, num processo de isolamento diplomático progressivo.

Assim, em 1963, enquanto que, na sequência do início, em 23 de Janeiro, da luta armada de libertação na Guiné-Bissau, o Conselho de Segurança classificaria, pela primeira vez, a atitude portuguesa como uma séria perturbação à paz e à segurança, uma classificação que, não sendo suficientemente grave para que medidas coercivas fossem decretadas, anunciava a possibilidade da sua futura aplicação, em 1965, a Comissão de Descolonização recomendava às instituições especializadas, nomeadamente ao BIRD e ao FMI, a não concessão a Portugal de assistência financeira ou técnica. Esta política, que já se encontrava em curso de execução com a exclusão de Portugal, em 1963, da Comissão Económica para África e, em 1964, da União Internacional de Telecomunicações, será reforçada em 1966, ano em que Portugal deixou de ser convidado para as conferências regionais e reuniões técnicas da FAO e da OMS para África.

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A etapa seguinte neste processo seria, logicamente, o reconhecimento, pela ONU, dos movimentos de libertação nacional, acto que teve lugar em Novembro de 1972, em resoluções da Assembleia e do Conselho. Nessa ocasião a Assembleia Geral recomendou tanto às instituições especializadas como aos Estados-membros que, sempre que tratassem de assuntos relativos a colónias portuguesas, fossem consultados os movimentos de libertação.

Mais espectacular foi, no entanto, o reconhecimento, pela Assembleia Geral, em Novembro de 1973, da independência da República da Guiné-Bissau, a qual fora declarada unilateralmente em 24 de Setembro. A República da Guiné-Bissau seria, assim, convidada para participar na Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, enquanto os poderes da delegação portuguesa a essa conferência seriam limitados aos que decorrem das fronteiras europeias de Portugal, não sendo englobados nem os territórios de Angola e Moçambique, nem a República da Guiné-Bissau.

No que concerne à OTAN, apesar de se tratar de uma organização vocacionada para a clivagem Este-Oeste e não para a Norte-Sul, também a participação de Portugal, a partir do início dos anos 60, seria negativamente afectada pela política colonial do Estado Novo. Enquanto que os Estados Unidos, em 1962, sob pressão da ONU, cortaram a ajuda militar a Portugal para evitar que o material de guerra atribuído ao exército português, no quadro da OTAN, fosse utilizado nos teatros de operações coloniais, Portugal, dadas as exigências da manutenção de uma guerra colonial, a partir de 1961, viu-se obrigado a reduzir a níveis insignificantes os seus compromissos militares com a OTAN.

A exclusão de Portugal das actividades das principais OIGs de que era membro só foi possível de ultrapassar na sequência dos processos de democratização e de descolonizaçao que resultaram da revolução de Abril de 1974. O caso mais impressionante das transformações provocadas pelo processo de democratização na estratégia de participação de Portugal nas OIGs manifestou-se na emergência de uma política de integração no espaço europeu. Com efeito, a adesão de Portugal ao Conselho da Europa, em 1976, às Comunidades Europeias, em 1986, e à União da Europa Ocidental, em 1988, da qual viria a assumir a Presidência durante o primeiro semestre de 1992, revelou-se o motor das mais profundas transformações estruturais que Portugal realizou durante a segunda metade do século XX.

No que concerne ao vector atlântico da política externa portuguesa, também a participação na OTAN, na sequência do processo de descolonização, conheceu melhorias assinaláveis. Enquanto que a nível do exército, a capacidade de reassumir compromissos militares, levou à constituição, em 1978, da Brigada Mista Independente, actualmente designada por Brigada Mecanizada Independente, a qual foi concebida para desempenhar missões no flanco sul da Aliança, a nível da Marinha e da Força Aérea, o CINCIBERLANT que, em 1982, substituiu o IBERLANT, teve como primeiro comandante um oficial português.

Também no quadro da ONU se alterou radicalmente a natureza da intervenção portuguesa. Tendo sido membro não permanente do Conselho de Segurança, em 1979 e 1980, presidente do Conselho de Segurança, entre Maio de 1979 e Agosto de 1980, e presidente da Assembleia Geral, de Setembro de 1995 a Setembro de 1996, Portugal assumiu cargos electivos para os quais, antes de Abril de 1974, a eleição seria absolutamente inconcebível.

Encontrando-se, portanto, Portugal perfeitamente integrado nas OIGs de que é membro, a questão actual consiste em determinar em que medida a participação portuguesa é adequada à defesa e promoção dos interesses nacionais. Partindo do princípio que o aparelho diplomático português é apto à prossecução dos objectivos que lhe são fixados pelo governo, a eficácia da acção externa do Estado depende, em grande medida, da sua capacidade de fixar objectivos de política externa adequados à satisfação dos interesses dos seus cidadãos. Deste ponto de vista, ser capaz de determinar, em cada assunto específico, o conteúdo socialmente útil do "interesse nacional" constitui a chave do sucesso da acção diplomática do Estado moderno.

Para tanto seria certamente útil que a Administração Pública seguisse uma política transparente e regular de consulta às diferentes organizações não governamentais com interesses na acção externa, criando ainda o hábito de promover a investigação, o estudo e a reflexão sobre os múltiplos sectores da vida social nacional cujos interesses se joguem ou devam jogar além-fronteiras, em matéria de determinação do interesse nacional. Dessa maneira, a política externa portuguesa estaria em melhores condições para articular os imperativos sociais e os objectivos da acção diplomática.

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* Luís Madeira

Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade de Lovaina. Doutorando pela School of Oriental and African Studies – Universidade de Londres. Docente na UAL.

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