Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 1997 > Índice de artigos > dossier Portugal-Espanha > [De Lisboa a Madrid Via Bruxelas]  
- JANUS 1997 -

Janus 1997



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

De Lisboa a Madrid Via Bruxelas

Teresa de Sousa *

separador

O "fantasma espanhol" será certamente o último dos "mitos" a tombar no pensamento estratégico e político português. Hoje, dez anos depois da adesão dos dois países à Comunidade, agora União, Lisboa e Madrid aprenderam, todavia, a procurar os seus interesses comuns no novo quadro multilateral das instituições a que pertencem. E a desconfiança de séculos vai-se diluindo, entre avanços e recuos, melhores e piores momentos.

Portugal "como uma revolta contra a geografia" e a "ameaça" espanhola como uma constante e uma condicionante — a mais forte condicionante durante séculos — da política externa e de segurança nacional não desapareceram nem com a "opção" europeia, nem com o extraordinário paralelismo da evolução dos dois países ibéricos para a democracia e para a Europa ao longo dos últimos 20 anos, nem com a estreita convivência nos dois principais sistemas de alianças internacionais de que fazem parte — a União Europeia e a NATO.

Portugal e Espanha apresentam no mesmo ano o pedido de adesão à Comunidade Europeia, em Bruxelas (1977); fazem-no com base nas mesmas motivações políticas de consolidação democrática e de inserção num espaço europeu solidário; aderem no mesmo dia à Comunidade (1 de Janeiro de 1986). Quatro anos antes, a Espanha passara a integrar a estrutura política da Aliança Atlântica, ainda que sem participar na sua estrutura militar (o que deverá fazer a curto prazo, acompanhando o caminho de regresso que Paris já empreendeu).

Mas a questão das relações com o país vizinho continua a ser encarada, ao longo dos últimos dez anos, como algo de particularmente sensível. Em Lisboa, a Comunidade Europeia passa a ser apresentada como o quadro mais favorável e mais vantajoso para as relações entre os dois Estados ibéricos. E Bruxelas como que passa a ocupar o antigo papel da "potência marítima" na salvaguarda dos difíceis equilíbrios na Península.

A Espanha é encarada pelos sucessivos governos de Lisboa que lideram o processo de integração europeia, não como um parceiro privilegiado e próximo de Portugal, mas como "um entre muitos outros países" que fazem parte das mesmas instituições europeias. É a chamada estratégia de "chegar a Madrid via Bruxelas", que todos os governos constitucionais vão acentuar. As relações bilaterais entre os dois países tinham sido normalizadas, mesmo antes da integração. Em 1977, Lisboa e Madrid assinam um Tratado de Amizade e Cooperação que é mais um acto simbólico e uma declaração de boas intenções do que o início de uma prática diferente.

E, no entanto, a integração simultânea na CE vai provocar uma verdadeira revolução no relacionamento entre Portugal e Espanha. O distanciamento político, económico e cultural que sempre caracterizou as relações ibéricas — mesmo nas décadas em que, em Lisboa e em Madrid, dominaram dois regimes autoritários da mesma família política — já não é sustentável. Portugal e Espanha deixam de poder continuar a viver "de costas", porque passam a ser "vizinhos mas também parceiros" (Maria João Seabra, "Portugal e Espanha na Europa", IEEI, 1993).

 

Os primeiros anos

Antes mesmo da adesão simultânea, inicia-se o processo de aproximação entre os dois países, a partir da primeira Cimeira luso-espanhola, que se realiza em Novembro de 1983, quando dois primeiros-ministros socialistas — Mário Soares e Felipe González — lideram os respectivos governos. A segunda cimeira tem lugar apenas ano e meio depois, em Maio de 1985, e tem na agenda, para além dos problemas típicos de dois países que partilham o mesmo espaço geográfico e os mesmos recursos naturais, a preparação da adesão.

Mas a extrema sensibilidade portuguesa em relação ao seu único e grande vizinho continua a manifestar-se até nos mais curiosos pormenores. Em 1983, Lisboa recusa enfaticamente a designação de "cimeira ibérica" para as reuniões ao mais alto nível que institucionaliza com a Espanha. Para o Governo socialista (e para os que se lhe vão seguir), as cimeiras terão de ser "luso-espanholas", acentuando a diferença entre dois Estados soberanos e rejeitando a sua união geográfica.

Nesta altura, a sensibilidade portuguesa é, de resto, exacerbada por um outro factor crucial: a entrada da Espanha na NATO vem ameaçar a valorização e a autonomia estratégica do território nacional, e o próprio mito da relação "especial" com os EUA, já um pouco abalado pela assinatura, em 1976, do Tratado de Cooperação Hispano-Americano. É, pois, com enorme desconfiança que Lisboa vê este passo dado por Madrid em 1992: Portugal e Espanha partilham, pela primeira vez, a mesma organização de defesa colectiva, quando os meios militares e diplomáticos portugueses continuam a olhar para Espanha como o maior "inimigo" da segurança nacional.

A revolução nas relações entre os dois países é, no entanto, imparável a nível económico. Até então, Portugal funciona quase como uma "ilha" relativamente à Península Ibérica. As relações comerciais com os países europeus fazem-se quase exclusivamente por mar. As transacções comerciais entre os dois países ibéricos são quase inexistentes, sobretudo se se tiver em consideração que Portugal apenas tem fronteira terrestre com a Espanha.

A partir de 1986 tudo começa a mudar a uma tamanha velocidade que, em 1992, a Espanha é já o nosso principal parceiro comercial, representando 22,7 por cento do total das importações (contra qualquer coisa como 2,5 em 1980) e ultrapassando os três maiores parceiros tradicionais (Alemanha, Reino Unido e França). Quanto às exportações, a Espanha ocupa o segundo lugar, nesse mesmo ano, praticamente colada à Alemanha.

Topo Seta de topo

Com o Mercado Único e a liberdade de circulação de mercadorias, capitais, serviços e pessoas, consolida-se esta situação de parceiro económico privilegiado. Os dados disponíveis referentes a 1995 confirmam uma tendência que, no entanto, é menos favorável para Lisboa do que para Madrid. Portugal exportou para Espanha 503 milhões de contos, tendo importado 1015,8 milhões de contos — respectivamente, 14,7 por cento do total das exportações e 20,8 por cento do total das importações. A taxa de cobertura é sensivelmente inferior (50 por cento) à que se verifica para o conjunto das trocas comerciais com o exterior (68 por cento). No quadro das instituições comunitárias, os primeiros cinco anos da adesão marcam, todavia, um período de divergência estratégica. À desconfiança com que Lisboa vê ainda o avanço do processo de integração europeia e às reticências com que encara uma união política que surge como resposta aos novos desafios do pós-guerra fria — a imagem de Lisboa continua a ser a do "aliado de Londres" —, Madrid contrapõe uma política fortemente europeísta, aberta à união política e mesmo a um desígnio federal, seguindo os trilhos do eixo Paris-Bona.

Lisboa mantém uma visão economicista da sua participação na CE — assente no objectivo de tirar o máximo de vantagem económica, dando em troca o menos possível. Madrid tem uma visão política do processo e uma estratégia destinada a maximizar politicamente a sua pertença à Comunidade. Cavaco Silva é (ainda) o aliado de Margaret Thatcher, enquanto Felipe González é já o amigo de Helmut Kohl.

 

Divergências e convergências

É ainda nesta perspectiva divergente que os dois países abordam Maastricht e a consagração da União Europeia — dotada de uma nova dimensão política. Mas a luta pela inscrição do "Fundo de Coesão" para os quatro países mais pobres no Tratado e a dura batalha pelo "Pacote Delors II" e pela duplicação dos fundos comunitários, que Felipe González lidera, vão irmanar os dois países ibéricos. A vitória dos fundos ganha em Edimburgo, no Conselho Europeu de Dezembro de 1993, é ainda anunciada em Lisboa como uma "vitória comum" — dos países "pobres" contra os "ricos". E Lisboa vai perceber finalmente que apenas pode continuar a exigir solidariedade económica se se dispuser a apoiar a solidariedade política.

Do mesmo modo, a convergência dos interesses dos dois países relativamente ao flanco sul da Europa e a defesa conjunta de uma política europeia de estabilização face ao Magrebe, de importância idêntica à que a União dedica aos países do Centro e do Leste da Europa, vão forjando laços e hábitos mais consistentes. Lisboa e Madrid trazem também para a UE um interesse maior pela América Latina, incentivando políticas de aproximação com as organizações regionais que começam a nascer no subcontinente que fala português e castelhano. Este clima torna-se propício à diluição das velhas desconfianças e a uma maior abertura social e cultural entre os dois países vizinhos.

De Espanha chegam-nos as omnipresentes "Zaras" e os bens alimentares de boa qualidade, mas também as impressionantes imagens de um país grandioso, próspero e influente, transmitidas dos Jogos Olímpicos de Barcelona, da Feira de Sevilha ou das comemorações de Colombo. Os portugueses percebem que a Espanha soube mudar mais depressa e melhor do que nós, que está ávida de protagonismo internacional e que só se dará por satisfeita quando conseguir o lugar de "quinto grande" à mesa da União Europeia.

Passado Edimburgo e a repartição dos fundos comunitários, abre-se um novo ciclo no relacionamento dos dois países, marcado agora por duas componentes: as ambições espanholas no quadro europeu; o expansionismo económico de Espanha. É este o ponto de partida para a nova fase do relacionamento entre os dois países no quadro da União — a fase pós-Maastricht. De aliada na luta pelos fundos, de "país da coesão", a Espanha passa a adversária na batalha pela reforma do Tratado de Maastricht, actualmente em curso na Conferência Intergovernamental (CIG).

Na delicada questão da reforma institucional — na realidade, a luta pela repartição do poder e da influência dentro das instituições comunitárias —, Portugal está de um lado da barricada, o dos pequenos países de forte tradição nacional, e a Espanha, do outro, do lado dos países grandes que exigem o reforço do seu peso específico. As elites nacionais reagem asperamente — quase em cruzada anti-espanhola — quando, em 1994, a proposta de um Directório dos cinco grandes surgiu justamente de Espanha — o país que, sendo o mais pequeno dos grandes, será sempre, do ponto de vista de Lisboa, "o maior".

A maior visibilidade dos investimentos espanhóis em Portugal ajuda a fomentar velhos medos, ainda que injustificados. A sólida e secular identidade nacional e cultural portuguesa afasta qualquer fantasma de, por via económica, o país se tornar um dia numa província ibérica. De resto, se compararmos as relações económicas entre os dois países com outros exemplos de vizinhança idêntica, facilmente se verifica que o grau de integração das duas economias ainda é inferior ao que se regista entre a Alemanha e a Áustria ou entre a Alemanha e a Holanda. E que ele resulta não apenas da participação conjunta na União mas também do próprio processo de liberalização e de globalização da economia mundial.

A aposta conjunta dos dois países na moeda única, a nova atitude de Lisboa, mais ousada e mais confiante, no avanço da união política europeia e o maior protagonismo português no quadro europeu fazem com que, para além das evidentes e normais divergências de interesses, prevaleçam as zonas de convergência entre os dois países. Com avanços e recuos, com piores e melhores momentos, as relações entre Portugal e Espanha tenderão inexoravelmente a desenvolver-se, a consolidar-se e a eliminar as desconfianças e os receios que durante séculos afastaram e opuseram os dois países ibéricos.

separador

* Teresa de Sousa

Jornalista do PÚBLICO.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela De Lisboa a Madrid via Bruxelas

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2004)
_____________

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores