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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! É assim possível compreender a importância vital que esta questão assume para Portugal e a preocupação que constituiu o Plano Hidrológico Nacional Espanhol (PHNE), na versão tornada pública no início de 1993. O PHNE veio somar-se a outros sinais preocupantes em matéria de recursos hídricos transfronteiriços, como sejam o acentuado aumento da utilização da água em Espanha nos últimos anos, as irregularidades climáticas próprias desta região da Europa agravadas por períodos prolongados de seca, as incertezas sobre os impactes das alterações climáticas nos sistemas hídricos, a gravidade dos problemas de qualidade da água originados pelas práticas agrícolas e as reservas crescentes quanto à sustentabilidade dos modelos de gestão da água que têm sido adoptados por Espanha em várias regiões.
Plano Hidrológico Nacional Espanhol Não é fácil dizer em que consiste o Plano Hidrológico Nacional Espanhol (PHNE) pois não existe nenhum documento reconhecido oficialmente como tal. No entanto, a proposta divulgada em 1993 continua a ser o único quadro de referência disponível. Este documento pretendia promover aquilo que eufemisticamente era designado por reequilíbrio hidráulico, transferindo grandes volumes de recursos do Norte húmido para o Sul seco. O PHNE propunha-se construir perto de 200 novas barragens e aumentar a capacidade total de transvasamento entre bacias dos actuais 1.000 hm3 para cerca de 4.000 hm 3 dos quais 1.000 hm 3 a partir de bacias Luso-Espanholas (1 hm 3 é equivalente a um milhão de metros cúbicos e 1.000 hm 3 correspondem a um quilómetro cúbico — o consumo anual da cidade de Lisboa é da ordem dos 100 hm 3 e a capacidade total da albufeira do Castelo do Bode é cerca de 1.000 hm 3 ). O objectivo primordial da proposta de PHNE consistia em fazer face às ingentes necessidades do regadio. Apesar da escassez já existente, o plano propunha-se expandir ainda mais as áreas regadas especialmente nas regiões já afectadas por défices crónicos de água e procurava satisfazer as necessidades de consumo doméstico nas regiões de carência, especialmente nas zonas litorais sujeitas a grandes pressões urbanísticas e turísticas. As críticas internas ao PNHE — oriundas, nomeadamente, das regiões que cederiam água para realizar os transvasamentos — incidiam sobre um modelo de desenvolvimento questionável, com um crescimento muito acentuado e pouco fundamentado do regadio; na degradação e baixa eficiência de alguns dos sistemas existentes, onde ocorrem grandes desperdícios de água; no facto de os aspectos económicos associados à utilização da água terem sido muito insuficientemente considerados, conduzindo a uma situação de subsídio do desperdício de água; e no facto de as questões ambientais terem sido muito insuficientemente consideradas, quer no que diz respeito aos transvasamentos, quer no que se refere à manutenção de caudais ambientais adequados em todos os sistemas fluviais. A estas críticas vieram juntar-se a indignação da opinião pública em Portugal e as posições oficiais do Governo português nesta matéria. O essencial destas posições centra-se nos seguintes aspectos: necessidade absoluta de ter em conta as consequências no nosso País de qualquer acção empreendida nos rios internacionais; exigência de assegurar a satisfação das necessidades presentes e futuras de água em Portugal; importância conferida aos aspectos ambientais que se colocam não apenas nos rios mas também nos estuários e na plataforma continental; importância de adoptar uma atitude de prudência relativamente a uma utilização excessiva dos recursos, inspirada no princípio da precaucionaridade; exigência de respeito integral pelos Convénios assinados entre os dois países, pelo normativo comunitário e pelas Convenções e recomendações existentes no quadro das Nações Unidas. Poder-se-ia pensar que a inexistência de um PHNE oficial seria benéfica para Portugal. Não é evidente que assim seja porque a inexistência desse documento faz com que os contornos do diálogo possam ficar demasiado fluidos, permanecendo incertas as reais intenções do vizinho de montante. Esta indefinição é agravada pela circunstância de não cessarem as iniciativas espanholas no terreno. Com ou sem plano aprovado, Espanha continua a construir sistemas hidráulicos que afectam significativamente o regime dos rios transfronteiriços. O Plano surge essencialmente como um documento político que sistematiza e sanciona uma política que está já a ser prosseguida há largas décadas, sem descontinuidades significativas apesar das alterações de quadro político. Pode-se afirmar que o Plano está a ser "escrito em betão" antes de ser escrito no papel. Existem vários factores que tornam plausível que o actual Governo espanhol não realize alterações significativas nas orientações estabelecidas pelo anterior Governo. Olhando para a história das relações dos dois países em matéria de recursos hídricos não pode deixar de se notar uma grande consistência das posições espanholas ao longo do tempo, independente das alterações económicas, sociais e políticas que aquele país atravessou. O peso que a indústria da construção assume em todo o processo, em grande sintonia com as associações de regantes — que em Espanha têm uma influência política muito significativa — podem contribuir para uma continuidade. Este cenário é, contudo, incerto porque as críticas feitas publicamente à versão original do PHNE puseram em evidência as concepções limitadas e ultrapassadas em que ele se baseava.
Condições para uma negociação Por razões óbvias, cabe a Portugal impulsionar o processo negocial e pressionar Espanha no sentido de assumir compromissos escritos relativamente às bacias internacionais. Portugal, até agora, tem encarado as instâncias comunitárias como instância de recurso, tentando resolver os problemas numa base bilateral. Esta atitude afigura-se acertada num plano político-diplomático mas só produzirá resultados práticos se for acompanhada de um esforço permanente de informação e sensibilização de todas as instâncias comunitárias. A Conferência Inter-Governamental, iniciada em Março de 1996, por exemplo, pode contribuir para a forma como os problemas de ambiente e de recursos hídricos são abordados na União Europeia. Seria de uma extrema importância que Portugal não se limitasse a acompanhar a realização desta conferência apenas nos seus aspectos políticos gerais, mas tomasse consciência de que é nestes momentos que se consagram as disposições jurídicas básicas que vão ser essenciais para que o País possa assegurar a defesa dos seus direitos e dos seus interesses. No processo negocial que tem de levar a cabo com Espanha, Portugal tem de garantir a satisfação das necessidades de água no presente e no futuro, promover uma gestão e um planeamento coordenados da utilização dos recursos hídricos nos dois países, assegurar que eventuais transferências de água entre bacias hidrográficas realizadas em Espanha não tenham consequências negativas em Portugal, assegurar caudais ambientais adequados e níveis adequados de qualidade de água nos rios internacionais e promover critérios de gestão prudentes de forma a não aumentar a vulnerabilidade face a possíveis alterações climáticas.
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