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Direitos de autor: um indicador «subterrâneo» das relações culturais

José Júlio Lopes *

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O movimento de direitos de autor entre Portugal e os outros países é um indicador subterrâneo do tipo de trocas culturais e do tipo de relações preferenciais com o exterior no sector da cultura, do entretenimento e da criação artística e literária em geral. Os dados, como sempre, falam por si. Embora a categorização apresentada não possua a minúcia necessária a um entendimento absolutamente esclarecedor, permitem, no entanto, uma primeira ideia: os fluxos de reciprocidade mais vigorosos fazem-se com os países europeus (Espanha e França em primeiro lugar); nas Américas só parecem ter expressão as trocas com o Brasil e os EUA. Este aspecto pode porém necessitar de algum esclarecimento que os números não dão. Pensaríamos que a nossa cultura estaria mais ligada à indústria da cultura e do entretenimento americana; afinal, aparentemente, parece que mantemos a nossa tradicional relação com a cultura europeia (nomeadamente a francesa, mesmo por via de Espanha). Alguns aspectos curiosos merecem destaque.

Em primeiro lugar, o que diz respeito aos direitos de representação em relação ao teatro. Em 1996 foram distribuídos a autores portugueses cerca de 93 mil contos de direitos contra cerca de 14 mil a autores estrangeiros. Poderíamos concluir por aqui que o nosso teatro vive um momento de grande vigor e de independência criativa relativamente ao exterior? Talvez não. Há que considerar que a cada texto de uma peça estrangeira produzida em Portugal correspondem os direitos de uma vasta equipa de criadores nacionais (que começa no tradutor, desde logo).

Em segundo lugar, o que diz respeito à publicidade. Os números demonstram (no caso da reprodução mecânica) 60 mil contos distribuídos a nacionais contra 10 mil a estrangeiros. Não estamos a falar aqui de criatividade (visto que ainda é mal esclarecido o funcionamento dos direitos de autor relativamente aos criativos publicitários — que geralmente não cobram os seus direitos), mas de reprodução de obras fixadas em suportes mecânicos (uma designação que não corresponde em absoluto à realidade tecnológica dos sistemas actuais de reprodução), como, por exemplo, filmes, jingles, etc. Significa que a publicidade portuguesa utiliza mais obras nacionais (geralmente por encomenda) do que estrangeiras (geralmente obras gravadas em disco, nomeadamente das chamadas «livrarias» de sons e músicas).

Em terceiro lugar: os novos sectores em ascensão, como a edição gráfica, artes-plásticas e fotografia, demonstram que a utilização de obras de nacionais suplanta claramente a utilização de obras de estrangeiros (24 mil contos contra 524 contos). É importante não esquecer que os direitos de autor se encontram profundamente relacionados com aquilo a que desde há alguns anos (nomeadamente com Adorno e Marcuse) chamamos a «indústria da cultura» que, nalguns casos, é também uma «indústria do entretenimento» (veja-se o caso do cinema e da televisão, entre outros). Os interesses da indústria nem sempre são coincidentes com os dos autores das obras que a indústria reproduz para o mercado dos bens culturais.

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Informação Complementar

O autor: uma invenção da modernidade

Numa era marcada por inúmeras e profundas convulsões no campo da arte e da criação, reflectir sobre direitos de autor parece uma tarefa quase paradoxal. Por um lado, no fosso acentuado na modernidade pelas vanguardas e pelo pensamento crítico, foram os próprios autores que questionaram o seu lugar de enunciação e a sua relação à obra: pensemos nas experiências modernas e contemporâneas de criação cujo programa prevê que o autor se ausenta da obra. Por outro lado, não é possível ignorar os novos meios da tecnologia digital que levantam novas questões à fixação da categoria autoral e à estabilização de um quadro jurídico adequado, ao mesmo tempo que parecem criar a possibilidade de obras realmente sem autor ou com autores disseminados nas novas possibilidades de uma hiperescrita ou de uma hipercriação, ao mesmo tempo com autorias partilháveis e obras cujos limites se expandem para além dos géneros convencionais (os problemas levantados pelos novos meios de difusão e distribuição — por exemplo, a TV Cabo ou a Internet — dizem mais respeito à possibilidade de cobrança desses direitos e à constituição de legislação). Em todo o caso, a noção de autor está inevitavelmente ligada à ideia de obra e à ideia de arte (ou de criação artística), três ideias problemáticas na nossa cultura. De facto, falar modernamente de autor implica falar da autonomia do campo da arte e da criação artística. Michel Foucault, num texto de 1969 ("O que é um autor?"), reflecte sobre essa categoria moderna que é o autor, pessoa com direitos de propriedade sobre a sua obra; e avança a ideia de que o modelo da racionalidade científica dos séculos XVII e XVIII e o seu discurso começaram a apresentar-se, diz Foucault, no «anonimato de uma verdade estabelecida ou constantemente demonstrável» e não mais como referência ao indivíduo que os produziu.

Aparentemente, a emergência da ciência moderna empurrou o seu discurso para fora da ordem do autor como forma de constituição de uma verdade (universal, precisamente porque não é anónima e não é reclamável por nenhum autor, ou porque é atribuível a um autor transcendente, que não é um indivíduo, como a natureza, o cosmos, ou Deus) — de facto as leis da física não possuem autores... É também no âmbito deste iluminismo moderno que o discurso literário e artístico foi empurrado para a validação através de um nome de autor— de facto, perante um romance ou um soneto perguntar-se-á imediatamente o nome do seu autor, a sua ausência não é suportável. E é assim que o direito dos autores à propriedade das suas obras (e, por consequência, à justa remuneração pela sua utilização) ficou consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.° 27°), declaração que é um dos corolários dos Direitos Humanos, de toda uma tradição humanista e jurídico-política inaugurada talvez com os ideais de fraternidade, igualdade e liberdade proclamados na Revolução Francesa. Constituiu-se como um direito indiscutível e básico dos cidadãos, traduzido em lei, nem sempre reconhecido pelo senso-comum e por interesses ligados à industrialização e à comercialização dos bens culturais.

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* José Júlio Lopes

Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Docente na UAL.

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