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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Identidades e conflitos na América do Norte

Bárbara Reise Natália Oliveira*

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Consideremos primeiro os EUA: com 255 milhões de habitantes, dezenas de raças e religiões e uma área de 9,4 milhões quilómetros quadrados, os Estados Unidos da América têm, apesar desta dimensão e diversidade, e de profundas contradições, um extraordinário grau de coesão e adesão internas. De Nova Iorque, na costa atlântica, a São Francisco, diante do Pacífico (uma viagem de seis horas de avião ou de três dias de autocarro), os americanos tomam um pequeno-almoço quase igual, celebram com pompa o fim da escola secundária e da universidade, usam o mesmo tipo de vestuário, atravessam o país em grandes carros, com grandes copos de refrigerante junto ao volante, param para comer grandes hambúrgueres com ketchup e dormem em motéis de estrada. Vivem em casas semelhantes, normalmente de madeira e com pequenos jardins, ou em casas móveis (o produto de massa americano por excelência) e têm apenas duas semanas de férias anuais.

A língua, o inglês ("americano" ou "inglês bárbaro"), não está estipulada como língua dominante na Constituição, mas é dominante. Num país de maioria protestante mas com uma crescente percentagem de católicos (mais de 60 milhões), uma grande comunidade de judeus (cerca de três milhões, quase tantos quantos os que vivem em Israel) e cada vez mais muçulmanos e mórmones, há até uma festa nacional, o Thanksgiving, que, se já não é um feriado religioso, mantém uma forte componente de comunhão espiritual e familiar. Sendo uma federação, os Estados Unidos têm um Governo federal, na capital, Washington D.C., mas, além dos tribunais locais, existe um Governo, uma Assembleia Geral e um Senado em cada um dos 50 Estados, e quase 90 mil governos locais a nível das cidades e condados. Esta descentralização faz com que exista uma grande independência e com que cada Estado, dentro de certos limites, tenha poder para estabelecer os seus próprios impostos e as suas leis sobre comércio, saúde, educação, serviços sociais ou mesmo o sistema judicial criminal.

Assim, há 37 Estados que ainda aplicam a pena de morte (através de vários métodos, incluindo o enforcamento e o pelotão de execução) e 13 onde não foi restaurada; em alguns Estados não se pode fumar em nenhum espaço público (de restaurantes a estádios de basebol) e noutros quase não há restrições; há Estados que praticamente proibiram o divórcio e outros onde os homossexuais se casam pelo civil na Câmara Municipal. Um Estado, a Califórnia, cobra 11 por cento de impostos sobre o rendimento e outro, a Florida, cobra zero. E há também, naturalmente, profundos contrastes dentro de um mesmo Estado. Em metade dos 80 condados do Mississipi, por exemplo, a venda de bebidas alcoólicas é ilegal. Estas são contradições que alargam o fosso entre as comunidades, as regiões e a chamada América liberal e a América conservadora.

 

Informação Complementar

A questão racial

O conflito interno mais complexo é, para muitos, nos E.U.A., a relação entre as raças. A reconciliação racial, entre brancos e negros sobretudo, mas cada vez mais entre a população branca e todas as etnias em geral, é hoje uma verdadeira obsessão nacional, tão intensa (embora a outro nível) como nos anos em que a segregação era institucional. A população branca está a diminuir — de 89,4 por cento em 1950 desceu para 84 em 1990, ano do último censo — e a população negra e de todas as outras raças está a aumentar, sobretudo a hispânica. Em 1950, 9,9 por cento dos americanos eram negros e 0,7 por cento de "outras raças”. Hoje, os negros são 12,5 por cento e os "outros" 3,5.

Para aumentar a ansiedade do grupo maioritário, tudo indica que a tendência para a "subversão demográfico-racial" se vai manter nas próximas décadas. As previsões do Centre do recenseamento indicam, por exemplo, que no ano de 2025 a percentagem de negros será de 14,5, a dos hispânicos de 16,2 e a das outras raças de 8,8 — o que significa que, na mesma data, os americanos brancos já só serão 60,5 por cento da população. As projecções oficiais prevêem também que, já em 2010, a maioria da população da Califórnia e do Texas será hispânica. O facto é que o Conselho Escolar de Dallas, no Texas, entrou em 1997 em guerra pública, quando a cidade percebeu que o delicado equilíbrio de poder se invertera: de repente, eram os hispânicos (neste caso mexicanos) que tinham passado a maioria (45 por cento, contra 42 por cento de brancos).

O racismo continua a ser, para muitos observadores (e para o presidente democrata William Clinton), o maior e mais complexo problema da sociedade norte-americana. O futuro da união e da manutenção do actual estatuto de única super-potência mundial (política, militar e económica) depende, repete Clinton com frequência, da forma como os americanos se entenderem uns com os outros.

Deve o Governo federal pedir desculpas pelo passado esclavagista? Deve o Governo pedir desculpas pelas famosas "leis Jim Crow" (do nome de um personagem negro de uma canção de 1830, com que se baptizaram as leis dos estados do Sul que obrigavam à separação de serviços para brancos e negros, nos restaurantes como nos autocarros, nas casas de banho como nas Bíblias de tribunal)? No Verão de 1997, o presidente criou o Conselho Racial, junta de especialistas que, durante doze meses, tentará dar resposta a estas e outras questões.

Paradoxalmente, porém, há também hoje uma resistência a discutir as questões raciais. Sobretudo entre os jovens, que tendem a sentir o racismo como "coisa do passado", dos anos 50 e 60, da geração dos que viveram a luta pelos direitos cívicos. Ser-se americano, hoje, é cada vez menos ser-se WASP (White-Anglo Saxon Protestam) e cada vez mais ser-se mexicano, russo, coreano ou português.

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A pobreza

Depois das relações inter-raciais, o segundo grande problema interno dos Estados Unidos é a pobreza. Apesar de 92 por cento dos americanos (segundo a famosa sondagem do "Wall Street Journal") dizer que pertence à classe média, as estatísticas oficiais mostram que mais de 32 milhões de americanos são pobres, dos quais um terço são crianças. Nos EUA, uma em cada cinco crianças é pobre, e 50 por cento das crianças negras vivem abaixo do limiar de pobreza (em termos absolutos, porém, há mais brancos pobres, 21,4 milhões, do que negros, 9.7 milhões).

A economia, no entanto, está forte, em níveis que, em certos casos, não se viam há mais de dez anos. A inflação continua baixa e o desemprego continua a descer, estando no final de 1997 em 4,8 por cento (valor recorde desde 1973, sob a presidência de Richard Nixon). E, pela primeira vez desde o fim do séc. XIX, o déficit federal foi reduzido durante quatro anos consecutivos (era de 290 mil milhões de dólares em 1992 e os cálculos eram de que, no fim de 1997, tivesse descido para 80 milhões).

 

A imigração ilegal

A entrada de imigrantes ilegais nos EUA (mais de um milhão de pessoas por ano), em particular mexicanos que atravessam a fronteira terrestre com o Texas, Novo México, Arizona e Califórnia, é hoje, sem dúvida, um dos principais conflitos internos da Federação. Há hoje mais de 13 milhões de pessoas que se declaram mexicanas (o que inclui cidadãos americanos de ascendência mexicana), e o número cresce diariamente. Muitos analistas admitem que, num futuro próximo, surjam movimentos e campanhas na Califórnia e no Texas a favor de uma reintegração no México (em total contraste está o outro grande vizinho dos EUA, o Canadá: nos mais de cinco mil quilómetros de fronteira terrestre comum aos dois países quase não existe vigilância).

A potencial influência política da comunidade hispânica, que, para já, se traduz sobretudo em poder económico, assusta muitos sectores da sociedade americana, que adoptaram a postura defensiva predominante do "ou nós ou eles". A ideia de "one America" é provavelmente, hoje, tão fantasista como o famoso meltingpot foi uma utopia irrealizada.

 

Um perfil do Canadá

O Canadá situa-se na parte norte da América do Norte (excluindo o Alaska) e é o segundo maior país do globo, com uma área total de 9 958 319 quilómetros quadrados. O seu território estende-se do Atlântico ao Pacífico fazendo fronteira com os EUA a sul, o Alaska a noroeste e a Gronelândia a nordeste. É um estado federal parlamentar com capital em Otava.

Segundo o Constitution Act de 1982, o poder executivo é investido na Rainha de Inglaterra que é, simbolicamente, o chefe de Estado. O monarca britânico é representado por um Governador Geral a nível federal, aconselhado pelo primeiro-ministro canadiano. A sua população era de 29 248 000 habitantes em 1994 (Statistics Canada, Ottawa). É composto por dez províncias e dois territórios. Cada província tem um Premier, um líder de governo e Ministro do Executivo, no caso dos territórios.

A maioria da população descende de britânicos e franceses (74%). São as seguintes as minorias mais em destaque: alemães 6%, italianos 3%, ucranianos 3%, e holandeses 2%. Os restantes são sobretudo portugueses e latino-americanos. Mas a população canadiana inclui também 200 000 índios e 12 000 inuits (como os esquimós chamam a si próprios). O francês e o inglês são as duas línguas oficiais do país: 60,5% dos canadianos são anglófonos e 23,8% francófonos. Mas mais de 98% dos nacionais são bilingues (censo de 1991).

É na província do Québec, que o general De Gaulle chegou a instigar à independência, com o seu célebre "Vive le Québec libre!", que 4/5 da população têm o francês como primeira língua. De facto, os "québecois" insistem em manter a sua identidade cultural, e a questão linguística tem sido a alavanca de um sentimento permanente a favor da autodeterminação política da província. O Partido Québecois tem desde 1976, data em que chegou localmente ao poder, reivindicado a soberania da região. Em 1997, promoveu o francês a língua oficial na educação, negócios e governo. O separatismo "québecois" reacendeu-se com a vitória, em eleições provinciais, de Jacques Parizeau, líder do partido.

Nos últimos 25 anos, a exportação do petróleo e minérios, fontes tradicionais de riqueza do país, foi perdendo importância: de 40% do total das exportações em 1963, passou para 20% actualmente. O sector terciário passou a liderar, como na maioria dos países industrializados, e a indústria dos serviços ocupa hoje cerca de 2/3 da mão-de-obra canadiana. A economia do Canadá — que ocupa o oitavo lugar entre os países mais industrializados — é uma das mais prósperas do mundo. O país atrai os investimentos pela estabilidade, pela qualificação da mão-de-obra e pela sua alta tecnologia, associada à importância dada pelo Estado à investigação e pesquisa. Tem os impostos mais baixos sobre os lucros das sociedades comerciais e industriais entre todos os membros do Grupo dos Sete (G-7). Os principais investidores directos em território canadiano são os EUA, o Reino Unido, o Japão e a Alemanha. Entre 1989 e 1993, quase 64% dos investimentos externos vieram dos EUA. Também a nível de trocas comerciais, os EUA são o maior parceiro do Canadá. (Natália Oliveira)

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* Bárbara Reis

Jornalista do PÚBLICO. Correspondente em Nova Iorque.

* Natália Oliveira

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estudos Internacionais pela Universidade de Birmingham, Inglaterra.

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