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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Relações Político-Diplomáticas

João Gomes Cravinho*

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Com a importante excepção da África do Sul, o empenho político-diplomático português na África subsariana concentra-se quase exclusivamente nos países de língua portuguesa. Do ponto de vista formal, Portugal tem laços diplomáticos com todos os países da África subsariana, e mantém dezasseis embaixadas residentes, mas o intercâmbio político-diplomático é meramente residual ou pontual com a grande maioria desses países. Da análise das relações com os países africanos sobressai a natureza pontual, esporádica e casual desse relacionamento, mesmo com os seis países com os quais Portugal tem um relacionamento mais intenso. É igualmente notória a desvalorização relativa das relações com África que aconteceu com a mudança de governo em finais de 1995.

No caso de Angola, Portugal mantém alguma actividade diplomática no âmbito da Troika de observadores do processo de paz (ver Informação Complementar). A importante presença portuguesa na cerimónia de tomada de posse do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional em Abril de 1997, liderada pelo presidente Sampaio, reflecte a importância que se atribui a Angola, mas o clima de instabilidade e incerteza que se mantém torna difícil o desenvolvimento de uma intensificação das relações político-diplomáticas. O presidente Sampaio visitou também Moçambique em Abril de 1997, desta feita numa visita de Estado que representou uma importante contribuição para o desanuviamento de algumas dificuldades psicológicas no relacionamento entre Moçambique e a antiga potência colonial.

As graves dificuldades económicas de Moçambique, e as limitadas capacidades de cooperação de Portugal, levam a que o relacionamento entre os dois países tenha um grau de prioridade intermédio aos olhos das diplomacias de Lisboa e de Maputo. A adesão de Moçambique à Commonwealth, interpretada por alguns como uma grave derrota da política externa portuguesa, deve apenas ser considerada como natural para um país que se esforça por diversificar os seus apoios internacionais. Ao contrário daquilo que sugerem algumas vozes catastrofistas, a língua portuguesa, língua de unidade nacional em Moçambique, não corre nenhum risco de ser secundarizada em relação ao inglês durante as próximas décadas, apesar de não haver uma política de apoio à língua portuguesa no estrangeiro.

Cabo Verde foi o único país africano visitado por António Guterres nos primeiros vinte e dois meses do seu mandato, e foi também escolhido por Jorge Sampaio para a sua primeira visita de Estado enquanto presidente da República, factos que comprovam o bom relacionamento entre os dois países. O caso das relações com a Guiné-Bissau é bastante mais complicado, principalmente devido a dois factores. Por um lado o processo de democratização em curso nesse país tem registado vários retrocessos, resultando numa atitude menos calorosa por parte de Lisboa. Por outro lado a Guiné-Bissau assinou em Dezembro de 1996, pouco depois da atribuição do Prémio Nobel a Ximenes Belo e a José Ramos Horta, um acordo de cooperação com a Indonésia. Bissau propôs também o nome de Manuel Macedo, presidente da Associação de Amizade Portugal-Indonésia, como cônsul honorário em Coimbra. Este pedido de acreditação não mereceu nenhuma resposta de Lisboa, o que é uma forma diplomática de transmitir desacordo e indeferimento.

Para São Tomé e Príncipe, Portugal é um país de referência, uma posição reforçada com a mediação discreta mas eficiente do embaixador António Franco na altura da tentativa de golpe de Estado em São Tomé em Agosto de 1995. O ministro de Negócios Estrangeiros Jaime Gama assistiu em Setembro de 1996 à cerimónia de tomada de posse do presidente reeleito, Miguel Trovoada, e em Abril de 1997 o primeiro ministro são tomense, Raul Bragança, visitou Portugal e manteve conversações com António Guterres e outras entidades portuguesas.

As relações entre Portugal e a África do Sul são multifacetadas, prendendo-se tanto com a enorme influência do governo de Mandela em todo o continente africano, como com a importante comunidade portuguesa que reside nesse país. O então ministro de Negócios Estrangeiros, Durão Barroso, foi responsável pela transição suave desse relacionamento durante o fim da era do apartheid, uma transição que poderia ter sido muito mais complicada dada a ambiguidade da diplomacia portuguesa durante muitos anos em matéria de condenação do apartheid. Nesta nova era o ministro Jaime Gama já efectuou uma visita de cinco dias à África do Sul e o vice-primeiro-ministro e herdeiro provável de Mandela, Thabo Mbeki, esteve em Portugal durante três dias em Junho de 1996. O relacionamento entre Lisboa e Pretória sofreu porém um grave abalo em Julho de 1997 com a expulsão do embaixador português em Pretória. A expulsão, que resultou de uma tentativa sul-africana de corrigir erros cometidos internamente, é um atestado à reduzida influência que Portugal consegue exercer junto do novo governo sul-africano, e a prova de que as ambiguidades em relação ao apartheid deixaram sequelas que não desaparecem de um dia para outro.

A criação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) em Julho de 1996 pretendia ser um instrumento multilateral para o aprofundamento dos elos entre os países membros, mas não tem correspondido às expectativas. O relacionamento entre Portugal e o Brasil (Guterres visitou o Brasil duas vezes nos dois primeiros anos de governo) é quase exclusivamente bilateral e é público que a diplomacia brasileira se entusiasma pouco com a CPLP. Esta realidade e a falta de fundos para a CPLP tornam a nova instituição um elemento de importância reduzida para o relacionamento entre Portugal e os demais países membros.

Falta uma excepção para se confirmar a regra da fraqueza dos laços entre Portugal e os outros países do continente africano, e essa excepção encontra-se na visita efectuada a Portugal pelo presidente da Namíbia, Sam Nujoma, em Outubro de 1995. Apesar de o processo de paz em Angola ser um interesse mútuo, pode-se considerar que a visita foi essencialmente protocolar e de pouca consequência no panorama da política externa nacional. As grandes questões que tocam a vida internacional do continente africano — como por exemplo a revolta que derrubou Mobutu no Zaire (República Democrática do Congo) em Maio de 1997, os tumultos que assolam a região dos Grandes Lagos há vários anos, ou o importante processo de reconsideração de todo o sistema de ajuda pública ao desenvolvimento — são questões sobre as quais Portugal não tem opinião ou política.

Face à desvalorização relativa de África na política externa nacional, não é de estranhar que a influência portuguesa se limite aos países de expressão portuguesa, e que mesmo em relação a esses países se trate de uma influência mais modesta do que seria de esperar.

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Informação Complementar

Representações Diplomáticas de Portugal na África Subsariana

Costa do Marfim
Consulado: Abidjan
Acreditação em outros países: Burkina Faso, Libéria, Serra Leoa, Togo,

Guiné-Bissau
Consulado: Bissau

Namíbia
Consulado: Windhoek

Quénia
Consulados: Nairobi, Mombaça
Acreditação em outros países: Djibouti, Seychelles, Somália, Tanzânia, Uganda

República da África do Sul
Consulados: Pretória. Cape Town, East London, Port Elizabeth, Durban, Joanesburgo
Acreditação em outros países: Lesotho, República de Angola
Consulados: Luanda, Benguela.

República de Cabo Verde
Consulados: Cidade da Praia, Mindelo

República Democrática do Congo
Consulado: Kinshasa
Acreditação em outros países: Burundi, República Centro Africana, República Popular do Congo, Ruanda

República Federal da Nigéria
Consulado: Lagos
Acreditação em outros países: Benin, Camarões, Chade, Gana, Níger

República da Guiné Equatorial
Representação assegurada pelo Embaixador em São Tomé
Consulado: Malabo

República de Moçambique
Consulados: Maputo, Quelimane, Beira
Acreditação em outros países: Madagáscar, Maurícias

São Tomé e Príncipe
Consulado: São Tomé
Acreditação em outros países: Gabão

Senegal
Consulado: Dakar
Acreditação em outros países: Gâmbia, Guiné Conakri, Mali, Mauritânia

Zâmbia
Consulado: Lusaka

Zimbabué
Consulado: Harare
Acreditação em outros países: Botswana, Malawi

 

A Troika no Processo de Paz em Angola

O processo de paz em Angola é acompanhado por uma Troika de países a quem se deu o título de Países Observadores, nomeadamente os Estados Unidos, Portugal e a Federação da Rússia. A Troika resulta de um processo histórico cuja lógica está ligada à negociação do primeiro acordo de paz, os Acordos de Bicesse, em Maio de 1991. Estes Acordos foram mediados pelo então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Durão Barroso que, durante a mediação, associou os Estados Unidos e a Federação Russa ao processo, dada a influência que esses países tinham junto da UNITA e do MPLA respectivamente. O resultado desta mediação comparticipada foi a criação da Troika que institucionalizou o papel de observadores desses três países.

Os Acordos de Bicesse não foram cumpridos, principalmente pela UNITA, e após mais dois anos de guerra assinou-se um novo acordo de paz, o Protocolo de Lusaca. Do ponto de vista formal este Protocolo não substitui os Acordos de Bicesse: trata-se antes de um mecanismo para assegurar o cumprimento de Bicesse e portanto a Troika manteve-se em funções e com assento na Comissão Conjunta que é o principal órgão para a implementação do Protocolo de Lusaca. Esta continuidade é no entanto mais aparente do que real porque muita coisa mudou desde as negociações do Acordo de Bicesse. A presença da Federação Russa é hoje um claro anacronismo; a influência portuguesa dependia da sua capacidade de dialogar com os dois lados, capacidade muito reduzida desde a radicalização da UNITA, que se verifica desde 1992; resta a presença dos Estados Unidos que, apesar de estarem hoje mais próximos do MPLA do que da UNITA, têm uma força internacional preponderante. Na prática a passagem do quadro de Bicesse para o quadro de Lusaca retirou muita importância à Troika, atribuindo em contrapartida um papel mais importante ao representante especial do secretário geral das Nações Unidas, Blondin Beye.

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*  João Gomes Cravinho

Doutorado em Ciências Políticas pela Universidade de Oxford. Professor Auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

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