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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Identidades e conflitos na Europa Central e Oriental

Luís Leitão Tomé *

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Apesar de serem escassos os contactos bilaterais entre Portugal e os países da Europa Central e Oriental (incluindo a imensa massa geográfica e humana da actual Federação Russa), o que se passa nessa vasta zona interessa em grau crescente às relações externas portuguesas. Bastaria o envolvimento das forças armadas de Portugal no conflito jugoslavo para justificar um acompanhamento atento daquela região. Longe dos fogos mal extintos da guerra da ex-Jugoslávia e dos sobressaltos incertos da transição pós-URSS, o processo de transformação pós-comunista das antigas "democracias populares" da Europa Central e da ex-União Soviética inspira, hoje, um sentimento duplo e contraditório de acalmia e de desordem. Para a Europa de Leste, a ruptura com o passado parece irrevogável, mas o peso da herança continua a fazer-se sentir; a rapidez e a profundidade das mutações surpreenderam, mas o seu ritmo varia consoante o país; o fim do conflito Leste-Oeste criou as condições propícias para a unificação do Continente e há progressos reais nesta direcção, mas a Europa do Leste permanece um mosaico de situações díspares e certas clivagens tendem mesmo a aprofundar-se.

A dominação soviética e a pertença às organizações de "integração socialista" — COMECON e Pacto de Varsóvia — conferiu ao conjunto do Leste Europeu uma identidade comum: esta já não existe mais, a não ser por defeito, não se exprimindo em iniciativas sólidas e institucionais de cooperação regional. No lado ocidental do velho continente, parece ainda cedo para que o Leste deixe de ser visto como "o outro lado", a "outra Europa". Apesar do carácter essencialmente pacífico das mutações pós-1989 (excepções feitas na ex-Jugoslávia e na CEI), e de as tensões internas ou intra-estatais serem de baixa intensidade, o espaço Centro e Leste europeu não pode ser considerado estável. Cada vez mais esta região não pode ser vista como um corpo homogéneo, mas como uma sobreposição de configurações.

 

Identidades linguísticas e religiosas

Terra de impérios e mosaico de minorias, a Europa Central e Balcânica é herdeira de fervorosos nacionalismos. Pressionadas permanentemente pelas massas russa e germânica, as identidades nacionais foram forjadas através das clivagens culturais e religiosas mais densas do Continente. Esta diversidade, geradora de criatividade e de exclusões, é a pedra de toque da região, complexa por excelência. A grande maioria das línguas faladas na Europa Central e nos Balcãs pertence ao grupo das línguas eslavas, do ramo indo-europeu, tal como o romeno, única língua latina da região. O albanês é uma língua iliriana, enquanto o húngaro descende do fino-ugrio. Os diversos movimentos de populações estão na origem do desenvolvimento de três grupos de línguas eslavas: o eslavo ocidental, que compreende o checo, o eslavo e o polaco; o eslavo meridional, ao qual pertencem o esloveno, o servo-croata, o búlgaro e o macedónio; e o grupo eslavo oriental contando, nomeadamente, com o russo, o ucraniano e o bielo-russo.

Mas se a língua constitui uma componente fundamental do sentimento identitário, nem sempre é suficiente para criar uma identidade regional, ou mesmo nacional: croatas, sérvios e bósnios possuem a mesma matriz linguística mas dividem-se em nome da religião, outra referência identitária — sérvios ortodoxos, croatas católicos e bósnios muçulmanos. O longo processo de distanciamento que se operou entre Roma e Bizâncio levou ao cisma de onde saíram as igrejas católica e ortodoxa, conservando a primeira na sua zona de influência a Europa Central e Oeste dos Balcãs, a segunda as regiões da zona eslavo-bizantina. A conquista otomana provoca a instalação, nos Balcãs, de populações muçulmanas vindas da Anatólia. Os albaneses, assim como algumas comunidades eslavas da Bósnia, da Macedónia e da Bulgária acabaram por se converter ao islão.

 

A herança dos impérios e da URSS

Os impérios Otomano e Habsburguês marcaram a Europa Central e Balcânica até ao seu desaparecimento, na Primeira Guerra Mundial, sobrepondo estruturas estatais e um princípio imperial a vastos conjuntos multinacionais. Por outro lado, esta região de pequenas nações representa para os seus dois poderosos vizinhos, a Alemanha e a Rússia, uma zona de influência "natural". Seguindo políticas e ritmos diversos, as duas potências enfrentaram-se ou acordaram em detrimento dos povos da região. No lado mais oriental do continente encontramos, inevitavelmente, a Rússia. A "parada de soberanias" no início desta década provocou transformações em cadeia, e largamente irreversíveis: a declaração dos dirigentes das três repúblicas eslavas reunidas na Bielorrússia, em Dezembro de 1991, colocou fim à URSS, o que transformou radicalmente toda a estrutura política da Europa e do mundo.

Dos seus escombros rapidamente surgia a CEI (Comunidade de Estados Independentes), com novos objectivos, novos equilíbrios e novas esperanças, mas que apenas comprova o papel liderante da Rússia naquela vasta região: império russo, URSS ou CEI são fórmulas que deram ou dão expressão à preponderância russa naquele espaço. O desmembramento da União Soviética engendrou também um grande número de "pequenos imperialismos" e de "pequenos separatismos" que causaram e causam inúmeros conflitos e mesmo guerras. Alguns destes estão ligados à abolição das antigas autonomias ou à autoproclamação de novas unidades políticas.

O princípio de base da gestão deste incrível mosaico étnico era a atribuição de um território autónomo a cada grupo. Mas os limites destes territórios administrativos apenas coincidem parcialmente com a repartição efectiva dos grupos étnicos. As migrações de população, espontâneas, organizadas ou forçadas, e as sucessivas políticas de "russificação" ou de "sovietização" complicam ainda mais a questão. Os russos constituem o único grupo que realmente está presente em todas as regiões da ex-URSS — em 1989,17,5% dos russos, cerca de 25 milhões de pessoas, viviam fora do território da Federação —, constituindo um poderoso argumento para Moscovo poder interferir nos assuntos das novas repúblicas e novos Estados independentes. As principais religiões hoje representadas no território da ex-URSS são o cristianismo e o islão, mas a actividade infatigável dos grupos protestantes tende a modificar as coisas.

 

As actuais transições

Em toda a Europa de Leste, a lógica da transição económica requereu grandes investimentos estrangeiros; mas os governos são acusados de vender património nacional e de entregar o país nas mãos de estrangeiros, nomeadamente alemães. Em muitos casos acentuou-se o sentimento de inferioridade em relação ao Ocidente, bem como a convicção de serem os únicos explorados. A euforia inicial foi dando lugar à desilusão, agravada pelo novo fenómeno da "pauperização" e do alargamento do hiato entre ricos e pobres, com a corrupção a servir muitas vezes de alternativa. O discurso político radicalizou-se e muitos ex-comunistas regressam ao poder. A reunificação da Europa anunciada em 1989 supunha a passagem das antigas "democracias populares" e repúblicas soviéticas para a "democracia de mercado". A amplitude das dificuldades inerentes a esta transição demonstra cada vez mais que a "casa comum" não é destinada a toda a Europa, e muito dificilmente abrangerá a Rússia e os seus espaços tradicionais de influência. Somente a OSCE cobre o conjunto do Continente, mas o seu papel tem sido muito secundário.

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Informação Complementar

Tensões e conflitos na Europa Central e Balcânica

Litígios resolvidos pacificamente

1.A linha Oder-Neisse

A fronteira entre a Alemanha e a Polónia que, desde 1945, foi fixada pelos cursos dos rios Oder e Neisse. Foi reconhecida pela RDA em 1950, enquanto a RFA apenas a reconheceu em 1970, no quadro de uma política de aproximação com os países de Leste - Ostpolitik - (com a oposição dos democratas-cristãos). As relações germano-polacas estiveram ainda hipotecadas até que, em 1990, a assinatura do 'Tratado 2+4" (as duas Alemanhas que se reunificam e os quatro aliados que cessam a ocupação) reafirma solenemente a fronteira pela linha Oder-Neisse.

 

2.Contencioso italo-esloveno

A Ístria esteve durante muito tempo na órbita de Veneza e, tal corno os Alpes Julianos vizinhos, constituía uma região multicultural eslavo-italiana. A pretexto de um diferendo sobre as reparações devidas aos 200 000 italianos expulsos em 1945 da actual Eslovénia, a Itália bloqueou as negociações sobre a associação da Eslovénia à UE. O veto italiano só foi levantado em Março de 1995.

 

3. Os turcos da Bulgária

Dominada durante cinco séculos pelo Império Otomano, a Bulgária conservou até aos anos 80 uma comunidade turcófona de mais de 1 milhão de pessoas. Os últimos governos comunistas tiveram uma política de "bulgarizacão" forçada e levaram ao exílio de muitos turcos. O novo governo búlgaro, no entanto, reconheceu os direitos desta minoria e os 800 000 turcófonos que restam organizaram-se num partido que tem um papel pivot em todas as coligações governamentais.

 

4. Os húngaros da Eslováquia

600 000 húngaros vivem no sul da Eslováquia. Com a separação da Checoslováquia, os húngaros representam 10% da população da Eslováquia independente. Entretanto, os governos de Budapeste adoptaram um discurso menos nacionalista, o que permitiu a assinatura, em Março de 1995, de um acordo sobre a autonomia da comunidade magiar da Eslováquia.

 

Litígios não resolvidos

5. Os Sudetas

Os 3 milhões e meio de alemães expulsos da Checoslováquia, nomeadamente dos montes Sudetas, na sequência da Guerra, reclamam hoje reparações. Esta questão, num contexto em que a Alemanha assume uma importância enorme na economia checa, contribui para deteriorar as relações entre os dois países.

 

6. Os Húngaros da Transílvânia

Cerca de 2 milhões de húngaros vivem no Noroeste da Roménia, na Transilvânia, durante muito tempo província húngara. Os húngaros acusam o regime romeno de llliescu e os nacionalistas romenos de prosseguir a política de assimilação forçada de Ceaucescu.

 

7. A Voivodina

350 000 húngaros vivem na Voivodina, Norte da Sérvia. Belgrado instalou aí 600 000 refugiados sérvios da Bósnia e da Croácia, modificando o equilíbrio étnico local. O regime de Budapeste mostra-se inquieto com uma extensão da purificação étnica e diz-se disposto a acolher potenciais refugiados.

 

8. A Macedónia

A república mais pobre da ex-Jugoslávia, que proclamou a sua independência em 1991, não é reconhecida internacionalmente senão pela sigla FYROM (Former Yugoslav Republic of Macedónia). A Grécia opôs-se à utilização pelo novo Estado do nome de Macedónia que cobre a parte norte do seu território e que ela considera, por referência à Antiguidade, como propriedade da cultura helénica. Em 1992, Atenas impôs unilateralmente um embargo ao comércio macedónio, cuja maior parte transitava pelo porto grego de Salónica.

 

9. O Épiro

Região contestada no início do século entre a jovem Albânia e a Grécia, o Épiro é partilhado entre os dois países. Devido a problemas fronteiriços Atenas expulsou, em 1994, um número significativo de trabalhadores imigrados albaneses. O nacionalismo grego acabou por se reflectir negativamente sobre a minoria grega na Albânia, que sofreu represálias de Tirana.

10. O Kosovo

Considerado pelos sérvios como o berço do seu Estado, o Kosovo é povoado em mais de 90% por albaneses. Face às suas exigências de emancipação da tutela servia, Belgrado, ao invés, suprimiu em 1989 a autonomia do Kosovo. Em 1991, por referendo, os albaneses do Kosovo proclamaram a sua independência; mas não passou de letra morta e a província permanece sob estreita vigilância servia.

 

Litígios que degeneraram em violência

11. A Krajina

Os sérvios da Krajina, na Croácia, contestaram a independência croata proclamada em 1991, e eles próprios ergueram a "República de Knin", sustentada por Belgrado. Desde 1992 que os "capacetes azuis" servem de tampão entre as regiões da Croácia controladas pelos sérvios e o resto do país. Zagreb não deixou de pretender integrar estes territórios enquanto os representantes da "República de Knin" anseiam integrar uma grande Sérvia.

 

12. A Bosnia-Herzegovina

No centro das inúmeras fracturas da Europa, a Bósnia foi o teatro recente do maior conflito na Europa desde há 50 anos. Esta região montanhosa tem uma longa tradição multicultural, com muçulmanos (44% da população), sérvios (31%) e croatas (17%). Após o desmembramento da ex-Jugoslávia, Sarajevo proclama uma independência (em 1992) reconhecida pela comunidade internacional mas contestada pelos sérvios — a guerra incendiaria a Bósnia ao mesmo tempo que se extinguia na Croácia. Durante quatro longos anos, a comunidade internacional foi incapaz de controlar o conflito que fez centenas de milhares de mortos e cerca de 3 milhões de refugiados. Além disso, este conflito foi rico em jogadas de bastidores infrutíferas: peripécias da aliança dos croatas e dos muçulmanos contra os sérvios, a ruptura entre Belgrado e os sérvios da Bósnia, os numerosos cessar-fogo e projectos de acordos de paz, o embargo internacional imposto à Sérvia, ou a contra-aliança dos dissidentes muçulmanos com os sérvios, etc. Apesar da presença de milhares de "capacetes azuis" na ex-Jugoslávia, a guerra conheceu práticas que estavam banidas na Europa desde 1945, tais como a "purificação étnica". Finalmente, depois de anos de guerra, a comunidade internacional liderada pelos EUA conseguiu, em 1995, um projecto de paz acordado em Dayton, Estados Unidos, decidindo-se a enviar o contingente considerado indispensável para fazer cumprir os acordos.

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* Luís Leitão Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Docente na UAL.

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