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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Portugal visto de Nova Iorque: Falta estratégia à política cultural

Kenneth Maxwell*

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O meu interesse por Portugal vem dos anos 60, quando passei aqui cerca de seis meses como estudante depois de me ter graduado em Cambridge e antes de seguir para Princeton, em 1963. Estava a investigar o século XVIII e o século XIX e a regressar aos Estados Unidos, e a partir daí posso dizer que quase todos os anos voltei a Portugal.

É quase impossível descrever o que era Portugal nessa época, sobretudo quando o comparamos com o que é hoje. As diferenças fundamentais foram, evidentemente, provocadas pelo fim do regime de Salazar e Caetano e, depois, pela adesão de Portugal à então Comunidade Europeia. A principal impressão que guardo do Portugal dos anos 60 é a de um país parado e isolado, com uma profunda diferença de desenvolvimento entre as principais cidades e o campo, ou o "interior". Depois vivi os acontecimentos de 1974, também em Lisboa e ainda como investigador do séc. XVIII, o que não deixa de ser uma curiosa posição. Recentemente tenho viajado no interior do país, e creio que um dos mais notáveis sintomas da mudança que se operou é a redução da desigualdade entre as cidades e o campo. Ainda subsiste, mas já não tem nada de semelhante com o que era. E sem dúvida um dos domínios onde é mais sensível o impacte do apoio europeu ao desenvolvimento, através dos fundos especiais de que a instituição comunitária dispõe. Um outro sintoma de mudança é que as pessoas são hoje incomparavelmente mais abertas, perderam desconfianças. Lembro-me de ser estrangeiro em Portugal nos anos 60 e de como isso por vezes era difícil, porque muitas pessoas eram fechadas e desconfiadas.

Claro que os anos 60 foram uma década particularmente difícil para Portugal, por causa da guerra colonial que conduzia em três frentes africanas. O país estava cada vez mais isolado internacionalmente, e, no que toca ao relacionamento com os Estados Unidos, esse isolamento também se sentia, embora a relação entre os dois países fosse mais directa e mais intensa do que é hoje. Nos nossos dias, a situação é incomparavelmente mais saudável: Portugal está integrado no contexto europeu e desenvolve-se no quadro da União, e isso faz com que grande parte da antiga bilateralidade tenha dado lugar a um novo relacionamento definido pelas multilateralidades.

Penso que a recente criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa pode ser um importante contributo para a defesa e expansão da língua e para as culturas que ela transporta, embora julgue que não devemos ser demasiadamente ambiciosos: a CPLP será como sempre são este tipo de organizações; cada país membro tem os seus programas e as suas políticas, e por vezes é mais sensato não desenvolver expectativas exageradas quanto à sua articulação. Mas penso também que a CPLP pode agir, de forma muito efectiva e mais alargada, no sentido em que nós agimos no Camões Center: garantindo que o português está presente de todas as formas possíveis nos diferentes areópagos internacionais, tornando-se uma língua mais conhecida, mais influente e com que tem de se contar.

Um dos problemas característicos deste tipo de organizações — pensemos em exemplos congéneres — é que elas suportam mal qualquer tentativa de hegemonização por parte de um dos países membros. Isto não quer dizer que os Governos não intervenham para apoiar iniciativas de outros: por exemplo, notou-se em 1997 que Lisboa apoiava firmemente a pretensão brasileira de entrar para o Conselho de Segurança da ONU. Mas uma organização como a CPLP funciona tanto melhor quanto, independentemente do relacionamento entre Estados, assegura amplas trocas de pontos de vista e toma iniciativas a título mais informal, não oficial (não directamente dependente dos Governos). Espero que seja esse o caminho que a CPLP possa trilhar.

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Tentando olhar para o futuro, num momento em que vamos mudar de século e de milénio: sinto-me muito interpelado pelo facto de países como Portugal e a Irlanda, por exemplo, terem ganho visibilidade internacional e relevância, tornando-se à sua maneira histórias de sucesso, no novo contexto europeu. Ainda há dez anos atrás, estes ganhos, que hoje são óbvios, seriam totalmente imprevisíveis. Essa imprevisibilidade torna-me prudente em relação às projecções que se possam fazer. Mas é evidente que, precisamente para países como Portugal e a Irlanda, o progresso da integração europeia, na medida em que tenda a enfatizar a diminuição da distância que ainda separa os países membros, é um dado fundamental do seu futuro.

Pode dizer-se que a integração europeia foi e será um factor decisivo para o que Portugal será dentro de dez anos. É uma oportunidade única, e que não pode ser perdida, para se desenvolver e ganhar mais relevância no novo contexto internacional. Penso, por isso, que, relativamente a este objectivo e a essa oportunidade, o sonho atlantista e terceiro-mundista que ainda aflora ao espírito de alguns portugueses perde relevância, apesar da importância, que tem de ser mantida, dos laços históricos e das ligações políticas e culturais. É claro que Portugal, bem como o Brasil e os Estados Unidos, têm um papel atlântico a desempenhar — ao qual, em parte, responde o quadro da NATO. Mas a aposta europeia é sem dúvida decisiva.

Outro aspecto que vale a pena observar, pensando no Portugal que se vê dos Estados Unidos, diz respeito à comunidade emigrada local: quando olhamos hoje para os portugueses de segunda e terceira geração que residem nos Estados Unidos, chamemos-lhes americanos portugueses, percebemos que o isolamento original está a transformar-se, e que o acesso a muito mais educação e muito mais integração estão a mudar a paisagem interna da comunidade, como aconteceu e acontece com os italianos, os hispânicos, os gregos ou os judeus. E um processo mais recente — eu diria que está a iniciar-se — mas as suas consequências, muito positivas, são já visíveis e, visto no conjunto, é irreversível.

Finalmente: o grande ponto fraco do relacionamento actual de Portugal com os Estados Unidos é, em meu entender, a grande falta de coordenação das iniciativas de natureza cultural, e portanto uma sensível falta de estratégia por parte de Portugal. Creio que por vezes, face a um país tão grande como Estados Unidos, Portugal se faz ainda mais pequeno do que é na realidade, e que lhe falta agressividade. Portugal é sem dúvida mais importante do que aquilo que os portugueses pensam, por vezes, que é.

Quando se vêem hoje os Estados Unidos a partir de Portugal, no novo contexto da globalização, tem-se provavelmente a sensação dilemática de que, por um lado, os E.U.A. se transformaram na única grande potência mundial, cheia de perspectivas de futuro, mas que, ao mesmo tempo, estão a viver um período dramático e crucial a nível interno, que vira os americanos mais para si mesmos e os faz reflectir sobretudo sobre o seu futuro como povo e país. Mas isso apenas sublinha a importância de uma estratégia para a vida cultural. Não se pense que nada se move neste capítulo. A Fundação Luso-Americana tem trabalhado bem, e a Gulbenkian desenvolveu, durante um largo período, um trabalho insubstituível e de extrema importância. Mas não pode ficar tudo entregue a organizações privadas ou não oficiais. Ao nível do Governo, quando comparamos a política cultural portuguesa nos Estados Unidos com a da França ou a da Alemanha, temos de reconhecer que o caso português é quase definido pela ausência. No entanto, iniciativas como a Europália, a feira do livro de Frankfurt 97 e outras mostram que, coordenando esforços e definindo uma estratégia, a política cultural portuguesa pode ser bem sucedida na Europa. Espero que tal possa vir também a acontecer nos Estados Unidos. (Depoimento recolhido por João Maria Mendes)

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* Kenneth Maxwell

Director-Fundador do Camões Center, Nelson e David Rockefeller Sénior Fellow para os Inter-American Studies no Council on Foreign Relations.

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