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Janus 2004



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Açores: um arquipélago intercontinental

António Manuel Frias Martins *

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Os Açores situam-se a meio do Atlântico Norte, a cerca de mil km de Lisboa ou da Terra Nova. Longe de tudo, aparentemente perdidos na imensidão do oceano, ocuparam todavia um lugar estratégico na saga dos descobrimentos e foram determinantes na evolução das comunicações anfi-atlânticas. Situados no caminho dos ventos, por eles passavam, em busca de descanso e mantimentos, as naus vindas da Índia e do Brasil. Angra do Heroísmo, frente a uma ampla baía abrigada e funda, cresceu em esplendor por ser lugar de paragem privilegiado, limitando-se embora a colher migalhas dos porões recheados das caravelas que iriam alimentar o grande comércio europeu.

Mas a fúria do mar e a cobiça dos piratas encarregaram-se de deixar semeado de destroços o fundo da angra, nele guardando um tesouro precioso que esconde segredos da vida e costumes de há quase meio milénio. Porque os ventos que traziam as caravelas condicionam o tempo na Europa, os Açores caíram sob o olhar interessado das nações e, por sugestão de Alberto I, Príncipe do Mónaco, e por vontade de D. Carlos I, Rei de Portugal, foi ali criado, em 1901, o Serviço Meteorológico Internacional. A tal decisão não esteve alheia a passagem do cabo submarino pelos Açores. Pela primeira vez a distância de mil quilómetros foi pulverizada a uma fracção de segundo e o Arquipélago teve a ilusão de se sentir mais "continente".

Segurando dois continentes, ambas as pontas do cabo submarino afloravam na cidade da Horta, marcando o início do seu cosmopolitismo. Porto de descanso da navegação a vapor, com o advento da navegação aérea transatlântica cimentou-se o seu florescimento, e a Horta viu as asas dos clippers amararem na sua protegida baía. Ventos de mudança, desta feita vindos do continente europeu, trouxeram o bafo quente da 2ª Grande Guerra. Na sua pequenez, os Açores foram peça de xadrez em jogos planeados longe. Ponta Delgada foi destinada como cidade estratégica para o Governo da Nação, e os aeroportos das Lajes e de Santa Maria como seguros porta-aviões. Restabelecida a paz sem confronto directo, Santa Maria conservou o primado no controle da navegação aérea civil, mesmo depois do engenho humano haver dispensado, para descanso da tripulação e abastecimento, a paragem obrigatória das novas caravelas.

Nove ilhas nascidas das entranhas da terra e com raízes no mar profundo, os Açores projectam-se de novo no quadro anfi-atlântico por via da sua situação e das suas origens. No topo da Crista Média Atlântica, afectam o fluxo da Corrente do Golfo, condicionante fundamental da amenidade do clima do Oeste Europeu. Juntando-se à interferência oceânica a influência atmosférica, consagrada no "anticiclone dos Açores", as ilhas constituem o laboratório natural mais apropriado para o estudo desses fenómenos decisivos para a compreensão das "Mudanças Globais" que condicionam o êxito da vida no planeta.

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Outra frente de interesse transnacional reside na própria origem do Atlântico. A fragmentação da Pangeia, iniciada há uns 200 milhões de anos, originou os continentes e rasgou os oceanos como hoje os conhecemos. Se bem que a ritmo geológico, a face da terra continua a modificar-se; Europa e América, flutuando em suas placas tectónicas quais jangadas em mar de lava, afastam-se à razão de 2,5 cm por ano. Este facto, negligenciável em termos de vida humana, acarreta todavia consequências interessantes: na origem deste afastamento está a criação de nova crusta terrestre, e no lugar onde tal acontece estão os Açores. Situado na junção das placas tectónicas Africana, Euro-asiática e Americana, assente maioritariamente numa cunha triangular que dá pelo nome de "Microplaca dos Açores", o Arquipélago é, na sua génese, intercontinental. São Miguel, Terceira e Graciosa partilham a placa Euro-asiática com a microplaca, facto que os sismos não deixam esquecer. Flores e Corvo, bem dentro da placa Americana, gozam da calma de um vulcanismo há muito extinto, como acontece com a anciã dos Açores, Santa Maria. As restantes ilhas sofrem com a fragmentação da microplaca dos Açores.

Manifestações espectaculares desta irrequietude tectónica são as fontes hidrotermais profundas, que vêm despertando a curiosidade da comunidade científica internacional. Subindo acima do salgado da maresia, no recato das caldeiras e no silêncio das montanhas, os Açores guardam na "laurisilva" relíquias de um passado que as glaciações extinguiram na Europa, e uma impressionante diversidade biológica, fruto do isolamento a que o capricho da Natureza os votou.

O Arquipélago, laboratório natural de geotectónica nas suas raízes, de vulcanismo nas suas caldeiras e de evolução na vida que o cobre, é bem uma preciosidade a ser acarinhada. E se as naus que as procuravam jazem no fundo cobertas de lodo e algas, as coloridas velas de silenciosos iates fazem renascer o calor da hospitalidade e voltam a humanizar estas ilhas que, longe de tudo, são bem o centro do Atlântico, e estão, estiveram e estarão no caminho do vento, do mar e dos homens.

 

Informação Complementar

Um laboratório natural

Situado na encruzilhada de três placas tectónicas — a Euro-Asiática, a Africana e a Americana — o Arquipélago dos Açores nasceu e cresce das convulsões resultantes desses titânicos atritos. Assentando maioritariamente na chamada Microplaca dos Açores, uma cunha triangular que acomoda a junção daquelas três placas, as ilhas compreensivelmente possuem uma história de irrequietude tectónica e vulcânica. Os processos geo-tectónicos que acontecem nos Açores transformam-nos em laboratório natural, procurado por cientistas que ali, na profundidade do oceano, testemunham ao vivo o nascer da terra.

Das expedições do Príncipe do Mónaco que, no fim do século passado, sondaram os abismos ao largo dos Açores, à expedição "FAMOUS" que em 1973 estudou a Crista-Média Atlântica, até à "Operação FLORES" que agora investiga as fontes hidrotermais, persiste o interesse e aumenta a curiosidade da ciência na medida em que se esmera a sofisticação das observações. Do "Lucky Strike" e outras nascentes termais profundas à volta das quais se reúne uma efémera comunidade biológica exótica vivendo à base do enxofre, até à superfície onde dominam cachalotes e outros gigantes do mar, o oceano que são os Açores acolhe uma enorme riqueza de vida. E, alheios ao estremecer da terra que cresce, sedentos do bulício de gente pacata, velejadores solitários de todos os quadrantes do globo, em grande número, procuram este isolamento para se sentirem mais perto da Humanidade febril de que fogem.

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* António Manuel Frias Martins

Presidente da Associação Afonso Chaves. Professor Catedrático da Universidade dos Açores.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Número de escalas de navios científicos no porto de ponta delgada de Janeiro de 1993 a Maio de 1997

Link em nova janela Enquadramento geotectónico dos açores

Link em nova janela Embarcações de recreio (iates) entradas na marina da Horta

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