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Onde estou: | Janus 1998 > Índice de artigos > Dossier Oceanos > [Património subaquático: “Quando o mar se torna transparente”] | |||
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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Borges de Macedo, referindo-se ao Atlântico, escreve que foi para a Europa "uma criação da dinâmica dos Descobrimentos portugueses. Dinâmica que tem, se se quiser, empregando a expressão actual, cinco acelerações: uma aceleração de preparação, uma aceleração de desenvolvimento tecnológico até ao Golfo da Guiné, uma aceleração de aprendizagem, a de Cristóvão Colombo, e uma aceleração rapidíssima, com D. João II, no Atlântico Austral, no sentido da Índia." Foram então firmadas as rotas, por onde vasto número de navios sulcaram os oceanos e muitos se perderam. Normalmente reuniam-se as armadas no estuário do Tejo frente a Lisboa, de onde partiam os navios com destino à Índia num período limitado desde o princípio de Março até meados de Abril, e raramente mais tarde. A rota fazia-se pelas ilhas da Madeira, Canárias, com passagem entre o Cabo Verde na costa africana e o arquipélago, rumando ao largo do Cabo de Santo Agostinho na costa brasileira, deslocando a Sudoeste à vista normalmente da ilha da Trindade, alturas de Tristão da Cunha, virando a Leste até dobrar o Cabo da Boa Esperança. Passado o Cabo, conforme a monção, orientavam ou à ilha de Moçambique ou corriam ao longo da costa da ilha de S. Lourenço, actual Madagáscar, navegando para a Índia. Em particular nesta rota e na torna viagem, numerosos foram os naufrágios ocorridos como também as suas causas e uma vasta panóplia de títulos foram escritos sobre esta matéria, não só por investigadores nossos contemporâneos como por diversificados autores ao longo do tempo. Entre eles falemos de Severim de Faria, que no século XVII escrevia se perder gente e bens em naufrágios ou padecerem "grandes perigos nas tormentas, chegando quase por milagre, depois de alijada toda a fazenda ao mar, como se tem visto por experiência tantas vezes, & particularmente no ano de 91, & 92, em que partirão da Índia 17 Naos, 2 Galeões, & huã Caravella, & 2 Naos novas, & destas vinte, & duas embarcações, só chegarão a Lisboa as Naos S. Christovão, & S. Pantalião, que por serem as peores vinhão descarregadas, & as outras vinte se perderão", atribuindo os desastres em particular à "demasiada grandeza das naos, & o mao concerto que se lhe faz com a querena". Também João Baptista Lavanha, nos inícios do século XVII comenta as frequentes perdas. Referindo-se aos empreiteiros que reparavam os navios dizia que estes "descobrindo na Nao velha eyvas e faltas, que se não remendarão bem sem perda sua, dissimulão com ellas, e enfeitão o dano de maneira, que pareça bem concertado, e debaixo delle fica a perdição escondida e certa." Em linguagem técnica, o navio, ao naufragar, transforma-se numa cápsula. Quando do afundamento o navio faz selar em si um testemunho integral do seu tempo e que mantém até à posterior detecção e exumação. Como sabemos, no estudo de uma jazida arqueológica deste tipo podem-se observar uma imensidão de dados, quer de natureza directa, pela constatação do testemunho, quer indirectamente pelo estudo do impacte que o naufrágio pode ter tido na esfera social e económica do seu tempo. Como vestígio arqueológico este é o tesouro, querendo dizer a capacidade dos vestígios materiais se transformarem numa fonte interpretativa de conhecimentos que de outro modo seria impossível adquirir. Tudo importa estudar, do mais aparentemente desprezível vestígio até ao mais delicado indício. Perfilhando o método arqueológico, a investigação debruça-se tanto sobre os materiais com que o navio foi arquitectado, como do modelo que foi adoptado para a construção, até às cargas que transportava passando por todos os aspectos de um entrelaçado questionário. Tudo então será relacionável com a conjuntura histórica sua contemporânea. Em Portugal, e a exemplo de alguns outros países europeus entre o decurso das décadas de setenta e oitenta e na subsequente capacidade do homem se tornar autónomo em ambiente aquático, pela melhoria técnica do escafandro, começaram a ser criadas estruturas que permitiram não só investigar sobre o património naval e subaquático como também perspectivar a sua preservação. No percurso da institucionalização desta área, várias iniciativas foram levadas a efeito, nomeadamente diversas intervenções de identificação de testemunhos em numerosas zonas costeiras e algumas escavações, todas elas pela responsabilidade ou coordenação do Museu Nacional de Arqueologia. Muito recentemente essas acções foram transferidas para a competência do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, da esfera do também muito recentemente criado Instituto Português de Arqueologia. Também a UNESCO, neste domínio, tem promovido elaboradas recomendações tendo em vista a criação de um instrumento normativo internacional relativo à preservação do património cultural subaquático. Como objectivo, consciencializar os estados membros da necessidade expressa em fazer aprovar uma carta sobre gestão do património cultural subaquático, que aborde questões de concepção e financiamento da pesquisa, objectivos científicos, métodos e técnicas de investigação, qualificação dos investigadores, pesquisas preliminares, colaborações, documentação, conservação, segurança, declaração e recolha de achados. Paralelamente a este percurso, tanto em Portugal como em outros países, outra filosofia decorre, pelo facto de contrariamente ao que se passa na arqueologia terrestre, estas jazidas oferecerem para alguns, algo de muito promissor: os famosos tesouros afundados. A importância do estudo destas matérias no que respeita ao navio exerce um leque de interesses que não se poderá limitar apenas à investigação de navios portugueses em território português, tem necessariamente a abrangência de estudo de navios portugueses no mundo e de navios estrangeiros nas costas portuguesas. São exemplos da primeira incidência os trabalhos de escavação que decorrem sobre o achado de um navio provavelmente português do século XV na Ria de Aveiro sob a direcção do arqueólogo Francisco Alves, cujo relatório preliminar demonstra tratar-se de um dos achados de cronologia mais antiga até hoje detectados em Portugal. Mais dois achados estão actualmente a ser estudados. Um, a estrutura de um navio encontrado no Cais do Sodré em Lisboa, nas actuais escavações do Metropolitano e um segundo, no Corpo Santo, na mesma área, tratando-se de um troço posterior do casco de uma embarcação datável do século XIV. Na segunda incidência podemos referir a famosa nau da Armada de Afonso de Albuquerque, a Flor de Ia Mar, perdida pelo temporal na costa da ilha de Samatra, na segunda década do século XVI, após o resgate de prisioneiros portugueses detidos pelo sultão de Malaca, ou ainda a fragata de quarenta e duas peças Santo António de Tanna, que se afundou em 1697 a noroeste do porto de Mombaça, quando tentava apoiar a guarnição portuguesa do forte de Jesus. Foi esta já objecto de escavação de Robin Percy, Jeremy Green e António Cardoso, na década de setenta. Quanto à última, todos acabámos por ter conhecimento de um ou outro naufrágio no extenso recortado da costa portuguesa. Dos mais famosos, foi o galeão espanhol San Pedro de Alcantara, escavado sob a orientação do arqueólogo Jean Yves Blot, nas falésias da Papoa, na costa virada a norte da península de Peniche. Diz-nos Yves Blot: "Se se avaliar a soma das riquezas que vinha a bordo do «San Pedro de Alcantara», facilmente se concebe a amplitude das falências que se seguiram". Tratava-se pois de um vaso de guerra de sessenta e oito canhões com uma tripulação de cerca de quinhentas pessoas e com uma carga que incluía uma soma avolumada de metais preciosos que se destinavam a desembarcar na cidade de Cádiz. Como exemplo estereotipado apenas nos limitaremos a afirmar que este naufrágio teve não só grandes repercussões sociais e financeiras na vizinha Espanha como alterou ao tempo, o rotineiro percurso da vila de Peniche. Outro dos navios e o primeiro a ser escavado sistematicamente em Portugal, por várias campanhas e sob a coordenação e orientação do MNA, a partir de 1982, foi o Ocean. Era uma fragata de oitenta canhões, navio almirante da esquadra francesa comandada pelo Almirante La Clue que combateu a armada inglesa de Edward Boscawem na famosa batalha de Lagos em Agosto de 1759. Dispersada a esquadra francesa, o Ocean arremessou-se à costa na enseada fronteira à fortaleza de Almádena, no barlavento algarvio, incendiando-se e destruindo-se. Todos os indicadores apontam agora em Portugal para o início de uma nova fase no âmbito da investigação e preservação do património submerso. As instituições consolidam-se e as acções promovem-se.
Informação Complementar Quadro Sinóptico 1385 -Inicio do reinado de D. João l Movimento da carreira da Índia
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