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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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O Atlântico mediterrânico

Álvaro Vasconcelos *

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O território português — Continente, Açores e Madeira — distribui-se por um espaço marítimo de transição entre o Mediterrâneo e o Atlântico, a que alguns autores chamaram Mediterrâneo atlântico. É uma área delimitada em comparação com o largo oceano, espécie de garrafão que tem o gargalo, 15 km apenas, no estreito de Gibraltar, e se prolonga a ocidente até aos Açores e a sul até às ilhas de Cabo Verde. Os arquipélagos da Madeira e das Canárias prolongam a Península Ibérica no sentido do sul, africano e americano, reforçando ainda as características que nela viu o geógrafo catalão Vicens Vives quando salientou que «a Península Ibérica é uma seta que se projecta ao mesmo tempo em direcção às terras africanas e americanas».

O espaço atlântico assim definido não é, evidentemente, um mar português. É um mar internacional onde Portugal, com a Espanha e Marrocos, nações ribeirinhas, tem fortes interesses, como têm Cabo Verde e a Mauritânia. Perdido o império africano, alguns geopolíticos portugueses viram no conceito de «mar interterritorial português», ou seja, no espaço marítimo compreendido entre Portugal continental, os Açores e a Madeira, uma forma de dar «dimensão» ao país, uma espécie de V império atlântico. Tal conceito não corresponde a nenhuma realidade internacional e Portugal não exerce aí nenhum tipo de predomínio militar ou económico, apesar da vastidão das zonas económicas exclusivas do Continente, da Madeira (incluindo as Selvagens) e dos Açores. Portugal pode ter 'profundidade estratégica' atlântica, sem dúvida, mas para isso tem que tirar muito mais partido dos seus portos, tornando-os mais eficazes e competitivos, e modernizar as suas marinhas.

Mas não são só os países ribeirinhos que têm interesses nesta região e na sua estabilidade. De um ponto de vista económico, aqui confluem as grandes rotas marítimas que ligam o Atlântico, Sul e Norte, o Mediterrâneo e o Norte da Europa. Do ponto de vista militar, têm uma presença naval, além de Portugal, a Espanha e Marrocos, a Inglaterra e a França, por aqui passando as ligações marítimas entre a França atlântica e a França mediterrânica. De um ponto de vista geo-estratégico, faz parte do 'mare nostrum' americano, potência naval sem rival, que vê os Açores como parte da sua defesa avançada, e a região como importante para a projecção do seu poder em direcção à Europa do Sul e ao Mediterrâneo oriental e o Golfo.

A região existia do ponto de vista geoestratégico porque os Estados Unidos a federaram com as bases e facilidades aéreas ou navais em Portugal (Açores), Espanha e Marrocos. Durante a guerra fria, por aqui estava planeado que passassem, em caso de conflito, as linhas de comunicação marítima e aéreas que deveriam transportar o socorro da América do Norte para o sul da Europa. Por esse mesmo motivo, esta era uma zona de acção dos submarinos soviéticos que deveriam dificultar esse socorro. Por isso, para a NATO, esta era predominantemente uma área de defesa das linhas de comunicação e de guerra anti-submarina.

Manter abertas as linhas de comunicação marítima foi a razão que levou à instalação de um comando NATO, o CINCIBERLANT, na região (ver Informação Complementar). Com o fim da guerra fria, a função geoestratégica da região alterou-se. Desapareceram os submarinos soviéticos e o socorro rápido à Europa deixou de pôr-se nos mesmos termos. A doutrina da NATO evoluiu radicalmente; deixou de reger-se pela lógica da defesa em previsão de um megaconfronto, e a Aliança privilegia hoje o seu apoio à resolução de conflitos no quadro das Nações Unidas. A região continuou a ter uma função importante na projecção do poder americano — como se constatou durante a operação 'Tempestade no Deserto" liderada pelos Estados Unidos em 1991. Nesta nova situação, alguns têm vindo a sobrevalorizar a região como espaço de contenção de potenciais ameaças vindas do Sul, hoje inexistentes.

Os problemas no Mediterrâneo são mais de natureza Sul-Sul — conflito do Sara ocidental (entre Marrocos e a Frente Polisário, que tem o apoio da Argélia), diferendos fronteiriços entre a Mauritânia e o Senegal. Além disso, existem contenciosos antigos, entre a Espanha e a Grã-Bretanha sobre o enclave peninsular de Gibraltar e entre a Espanha e Marrocos no que diz respeito aos enclaves norte-africanos de Ceuta e Melilla.

Desta realidade decorre a necessidade de a NATO na região ter sobretudo como função reduzir os riscos de crise através da cooperação e, em caso de necessidade, intervir em operações de manutenção da paz no quadro das Nações Unidas. Portugal, que não tem contenciosos territoriais nem quaisquer problemas pendentes com nenhum país da região, pode desempenhar um papel na criação de um espaço de cooperação sub-regional no Atlântico mediterrânico. A convergência crescente entre os países da região — Portugal e Espanha integrados na União Europeia, Marrocos fazendo progressos no capítulo do Estado de direito, Cabo Verde onde a democracia se consolida — facilita que o Sudeste atlântico se torne um espaço de cooperação.

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Para tanto é necessário, em primeiro lugar, clarificar as relações com a Espanha na região, e assumir uma relação de cooperação e parceria semelhante à que já se tem na Europa. Em segundo lugar, considerar Marrocos como país vizinho que é. A costa marroquina dista apenas 194 km da costa algarvia, mas as ligações são difíceis. Não há passagem regular de barco e as relações comerciais são fracas. Em terceiro lugar, mobilizando Cabo Verde, mas também as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, tal como as Canárias, para tal projecto. Do ponto de vista geoestratégico, a região tornar-se-ia assim não apenas uma ponte de passagem para os Estados Unidos mas uma zona de cooperação, tanto no sentido euro-atlântico como euronorte-africano.

No plano militar, a cooperação exige mais transparência, maior participação dos países do Sul quer nos exercícios militares da NATO quer em manobras conjuntas com os países do Norte. Militares marroquinos já participaram como observadores em exercícios navais da marinha portuguesa em 1997. O envolvimento de países do Atlântico Sul, como se começou a fazer no exercício Linked Seas 97, em que pela primeira vez participou o Brasil, é significativo do papel que a região pode desempenhar.

Informação Complementar

Exercício "Linked Saas 97"

Países participantes

Portugal
Espanha
França
Reino Unido
Itália
Canadá
Dinamarca
Grécia
Holanda
Turquia
Brasil
Alemanha
Estados Unidos

 

A NATO no Sudeste atlântico

Em 1997 colocou-se com acuidade a questão das relações militares entre Portugal e Espanha no Sudeste atlântico. Portugal foi, em 1949, membro fundador da NATO, apesar de não ser uma democracia, primordialmente devido à importância geoestratégica dos Açores. A Espanha, que alinhara com os países do Eixo durante a segunda guerra mundial, viu-se afastada de todas as organizações internacionais no pós-guerra. Quando, em 1967, foi activado o comando da região, o IBERLANT, sob a chefia de um almirante americano e com um vice-chefe português, dependente do SACLANT, o Comando Supremo aliado do Atlântico, a Espanha ainda não fazia parte da NATO. O mesmo se passava quando, em 1982, o CINCIBERLANT passou a ser um almirante português. Nessa altura os Açores não faziam parte do IBERLANT, só vieram a fazer em 1989, e isto apenas no que diz respeito às ilhas e às suas águas territoriais.

A Espanha tem vindo progressivamente a aderir à estrutura militar da Aliança e a sua marinha participa nos exercícios navais da NATO no Atlântico, como o fez no Linked Seas 97. O impasse na cimeira sobre a reorganização da estrutura de comandos NATO de Madrid, em Julho de 97, adiou a integração plena da Espanha na estrutura militar. Antecedendo a cimeira, assistiu-se a um debate luso-espanhol sobre o futuro do IBERLANT. Portugal defendeu que o IBERLANT deveria manter-se como um comando directamente subordinado ao Saclant, cobrindo toda a área actual do IBERLANT, incluindo a que liga o estreito de Gibraltar às Canárias. A Espanha considerou que todo o território espanhol, incluindo a ligação às Canárias, deveria ficar sob um mesmo comando com sede em Espanha e dependente do SACEUR, comando supremo aliado para a Europa com sede na Bélgica.

Se o IBERLANT fosse amputado da área atlântica compreendida entre o estreito de Gibraltar e as Canárias, perderia grande parte da sua actual razão de ser, que tem a ver com a capacidade de estabelecer um bom relacionamento com os países vizinhos não membros da NATO, nomeadamente Marrocos. O conceito que lhe preside é mais flexível e perdeu sentido a delimitação muito precisa de áreas de responsabilidade. Esta evolução leva a que o Cinciberlant esteja a ser rebaptizado como Comando Regional do Sudeste Atlântico, comando que muito possivelmente cobrirá a actual área do IBERLANT mas delimitada a ocidente por uma linha na vertical do Guadiana.

Portugal e Espanha, hoje duas democracias consolidadas, membros da União Europeia e da NATO, vão ter mais tarde ou mais cedo que compartilhar responsabilidades na região do Sudeste atlântico de forma a que ela tenha de facto importância em termos europeus. Para isso é necessário que o governo espanhol abandone uma posição estreita, tendente a confundir comando NATO e comando militar espanhol, mas é também necessário que o futuro comando do Sudeste atlântico se internacionalize ainda mais, nomeadamente incluindo espanhóis e franceses logo que estes integrem a estrutura militar da aliança. A internacionalização do comando do IBERLANT e, amanhã, do comando NATO com sede em Madrid, é também essencial para que as futuras Forças Operacionais Combinadas Multinacionais (CGTF) que se venham a constituir na região possam vir a estar à disposição da União Europeia/UEO para operações de manutenção da paz.

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* Álvaro Vasconcelos

Director do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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