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Não se pense que tais indícios apontam para o declínio definitivo da guerra como forma de resolução dos antagonismos entre grupos humanos. Pelo contrário, os levantamentos que aqui resumimos, logo de início, acerca dos conflitos no mundo entre 1945 e 1991, bem como daí à actualidade, demonstram a quase banalização da guerra, tão grande é a sua frequência. Mas a confirmação dessa multiplicidade não pode fazer esquecer duas alterações de relevo: a deslocação dos espaços de conflitualidade e a previsível mudança na natureza da mesma conflitualidade. A deslocação dos espaços de conflitualidade significa que as regiões industrializadas – outrora protagonistas dos mais sangrentos conflitos – têm estado ao abrigo das guerras, proliferando estas nas instáveis zonas do Sul, como se frequentemente as potências dominantes se confrontassem ainda por interpostos povos. A situação dos Balcãs é de tal modo específica, que o caso jugoslavo não se pode considerar propriamente anómalo em relação a esta tendência. A previsível mudança na natureza da mesma conflitualidade tem a ver com numerosos factores que vão desde as alterações no sistema internacional até às transformações por que passam as nossas sociedades e às evoluções tecnológicas do armamento disponível. O recurso aos meios militares parece estar a perder eficácia em grande número de situações nos nossos dias e a segurança dos países está submetida a ameaças que já não são essencialmente militares. O conjunto destas transformações justifica o conteúdo escolhido para abrir o Suplemento Especial do JANUS 98. Não faria sentido reflectir sobre as forças Armadas portuguesas sem previamente analisar as condições actuais da guerra e da paz. O apuramento das questões da defesa e da segurança passa obrigatoriamente pela releitura de um sistema internacional visivelmente turbulento e pela identificação dos novos antagonismos e dos diferentes campos das suas manifestações. A análise destes processos assume hoje uma peculiar complexidade dado o relativo vazio de pensamento estratégico. Terminada a longa oposição Leste Oeste, a identificação do inimigo perdeu clareza nos seus contornos e as doutrinas militares já não têm a pré cisão de algumas décadas atrás. Para alguns é desconfortável viver sem inimigo declarado e são tentados a ver no islamismo, mais ainda no fundamentalismo islâmico, a grande ameaça para o "Ocidente", no âmbito de um hipotético "choque de civilizações". Procuramos fazer o balanço crítico destas concepções, ao mesmo tempo que inventariamos os contributos para uma cultura de paz, seja através dos projectos de saudável e mesmo indispensável utopia – essa utopia de uma regulação contratualizada das relações internacionais, pela abolição do recurso à guerra –, seja através dos esforços de contraproliferação nuclear e de redução do armamento, seja por fim naquele mínimo de regulação que consiste em evitar os excessos da guerra e em humanizar os conflitos graças ao respeito pelo direito humanitário. Todavia o imperativo da paz não permite alimentar grandes ilusões. A vida internacional continua a ser regida pela correlação de forças. Factos como os ensaios nucleares da índia e do Paquistão aí ficam para lembrar que não há lugar para a ingenuidade. Aquilo que Giddens denomina "ordem militar mundial" permanece como dimensão (ainda?) incontornável da sociedade internacional.
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