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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Sabemos bem de que sistema acabamos de sair, mas não sabemos para onde se encaminha a actual evolução. Saímos de um sistema que, na linguagem técnica dos analistas, se podia designar como "bipolar flexível" (de acordo com a expressão de Morton Kaplan). Todos sabemos como se caracterizava: uma "ordem" mundial polarizada pelo confronto de dois blocos ideológicos, políticos e militares, liderados por duas superpotências. Em plena era nuclear, o sobre-armamento buscava legitimidade na ideia de dissuasão. Tratava-se de contradição tão forte que absorvia em si quase toda a conflitualidade então verificada. Apenas nalgumas franjas do sistema se permitia certa flexibilidade, dando ténue margem a um não alinhamento face aos blocos em presença. Para onde caminhamos agora? Os esforços de prospectiva orientam-se em diversas direcções, procurando avaliar a probabilidade de diferentes cenários. Se nos colocarmos numa posição algo "clássica", privilegiando a abordagem de tipo convencional, poderemos distinguir algumas hipóteses para o sistema internacional do futuro. Uma das possibilidades divulgadas aponta para o sistema unipolar. Os EUA confirmariam mais e mais a sua posição de superpotência, constituindo-se como vértice inquestionável da cena mundial. Há quem pense que a situação actual seria comparável à de Roma após a derrota de Cartago: vencida a URSS, agora sim, existiriam condições para a afirmação do império. O próprio sistema das Nações Unidas estaria submetido a esta hegemonia, de modo que a vontade norte-americana coincidiria com a vontade da "comunidade internacional". A supremacia político-militar e económico-tecnológica seria reforçada pela influência cultural do modelo americano. Talvez com menos fundamento, alguns admitem como mais provável a evolução no sentido de um sistema tripolar. Com o poderio dos EUA rivalizariam os da União Europeia e do Japão. As três grandes regiões da área de prosperidade representariam outros tantos pilares da ordem mundial, equilibrando com um pouco mais de harmonia o sistema internacional e partilhando influências – quem sabe, com a América Latina a manter-se na órbita norte-americana, com a Europa a consolidar a supremacia em África e com a região Asia-Pacífico a gravitar em torno do Japão. Outros analistas prevêem o retorno a novas bipolaridades. As teses a este respeito são várias, mas há uma especialmente curiosa segundo a qual se pode imaginar a emergência de dois novos pólos, um resultante da aliança entre os EUA e o Japão, outro aliando a União Europeia e a Rússia. O poderio político-militar norte-americano associava-se ao poderio económico-tecnológico japonês para formarem um bloco de primeira grandeza, o qual rivalizava em hegemonia com o bloco euro-russo, beneficiando este da contiguidade geográfica e da complementariedade entre a potência económica europeia e a potência militar russa. Em contraposição com estas hipóteses, é frequentemente referida a probabilidade de um cenário multipolar. Em concreto, são identificadas as previstas potências dominantes, em número de cinco, que regulariam o sistema internacional do futuro à maneira de um directório mundial, não coincidindo inteiramente com os actuais cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas que seriam os EUA, a UE, a Rússia, o Japão e a China. Haveria assim uma "pentarquia" ou governo a cinco. Este número tem algo de mágico para os estudiosos de relações internacionais, já que o sistema internacional (essencialmente europeu) que prevaleceu em grande parte do século XIX era liderado por cinco potências – Inglaterra, França, Prússia, Austria-Hungria, Rússia – que entre si organizavam o equilíbrio das potências – o balance of power – no âmbito do chamado "concerto europeu". Um sistema análogo poderia agora reaparecer, não já polarizado pela Europa, mas mundial. Em conformidade com tais cenários, dotados de maior ou menor probabilidade, a problemática da defesa e segurança regular-se-ia por parâmetros diferenciados, caso prevalecesse uma ou outra das hipóteses. À eventual formação de novos blocos corresponderiam novos sistemas de alianças, com as evidentes implicações do ponto de vista estratégico-militar.
Novas abordagens Pode duvidar-se legitimamente da validade das anteriores análises prospectivas. Por um lado, o futuro do sistema internacional tem uma grande dose de imprevisibilidade, o que fragiliza o enunciado dos cenários; por outro, não é de excluir a existência de formas mistas onde se cruzem várias polarizações, impedindo a formulação de esquemas como os acima propostos. Além de que, e sobretudo, é possível admitir que os termos mesmos das análises já não correspondam às realidades actuais, nem sejam adequados instrumentos de compreensão para o presente e o futuro. A reflexão anterior pode estar demasiado aprisionada por conceitos próprios de um sistema internacional coincidente com o sistema inter-estatal, onde o mero poderio dos Estados determina a correlação de forças e a hierarquia das potências. Mas a situação tem evoluído para uma nova configuração de poder, que não nega o tradicional e agora abalado poderio dos Estados, antes o integra em novas coordenadas, onde surgem outros sujeitos como sejam as áreas culturais e os agentes económicos. A análise a partir das áreas culturais fundamenta o célebre tema do "choque de civilizações", o qual é expressamente estudado e objecto de crítica mais à frente (ver 1.6. "As culturas no debate estratégico"). Esse paradigma representa uma maneira de ultrapassar o modelo de análise inter-estatal, através da absorção dos Estados nacionais em conjuntos muito mais vastos, a saber, as áreas civilizacionais que, entre si, polarizariam os novos antagonismos. Com alguma influência nos EUA, este modo de pensar as relações internacionais (e consequentemente as questões estratégico-militares) tem sido alvo de duras críticas, designadamente nos meios europeus. Uma outra hipótese de superar o modelo inter-estatal é a que parte da crescente importância dos agentes económicos. Segundo alguns analistas, a realidade internacional contemporânea evidencia a escala global de grande número de questões, tornando imperiosa uma gestão – justamente – global e de longo prazo. Ora os Estados nacionais estão confinados à gestão de interesses nacionais, logo socialmente limitados e geograficamente circunscritos, além de que se encontram manietados pelo ciclo curto dos ritmos eleitorais, impedidos de tomar decisões na óptica do longo prazo. Em contrapartida, a entidade que se estaria a revelar capaz de gestão global é a empresa. Ao mundializarem-se, as grandes firmas transnacionais tornar-se-iam centros de decisão aptos a gerir a globalidade. Alguns autores chegam mesmo a admitir que a atmosfera internacional evolua para um estilo a que chamam "hanseático", fazendo lembrar os tempos do princípio deste milénio em que, em torno do Mar Báltico, quase na ausência de poder político, a administração daquele vasto espaço era garantida pela rede de cidades e de associações de mercadores, unidas na Hansa ou Liga Hanseática. A analogia com a situação contemporânea estaria no aparente declínio dos Estados enquanto centros de decisão estratégica, a favor de novas redes de poder centradas nas empresas multinacionais. O interesse de simulações deste género está em que se apreenda como é incerta a evolução do sistema internacional e como são diversos os possíveis papeis que de futuro venham a desempenhar as forças armadas enquanto instrumentos dos poderes políticos ou dos novos centros de decisão.
Informação Complementar A hierarquia de países no panorama internacional Com frequência a hierarquia no sistema mundial é expressa em torno do binómio centro/periferia, enquanto pólos de uma relação de dominação/dependência. Para compensar o demasiado esquematismo da distinção, alguns usam o conceito de semiperiferia para identificar as zonas intermédias e eventualmente intermediárias. Tais distinções são, porém, insuficientes para traduzirem a complexa hierarquização dos espaços a nível global. A hierarquia geopolítica e geoeconómica estabelece-se em cascatas e em constelações. Em cascata, porque há patamares múltiplos, com degraus sucessivos. Em constelações, porque há conjuntos e subconjuntos, eles próprios hierarquizados em sistemas orbitais. Seria assim interessante a elaboração de uma tipologia que tivesse em conta a diversidade de funções desempenhadas pelos diferentes espaços, no sentido de identificar os papéis que lhe cabem na divisão internacional do trabalho e na repartição do poderio no sistema inter-estatal. Não há aqui condições para pormenorizar uma tipologia deste género mas, a título exemplificativo, haveria que distinguir: as potências centrais, na acepção convencional (pelo menos as que compõem o G7, mais a Rússia e outras ainda, como talvez a Espanha); os seus satélites mais imediatos, formando uma primeira série de constelações (caso típico é o dos países menores da União Europeia ou, em geral, a zona OCDE); as potências regionais, para utilizar também uma terminologia consagrada (por exemplo, o Brasil na América do Sul, a Nigéria em África, a índia e a Indonésia na Ásia); os Estados-tampões, com o seu papel de interface de protecção às regiões centrais (a Turquia é um bom exemplo, o México e a Mongólia podem ter funções idênticas); os fornecedores estratégicos, ou seja, os países-reservatórios que abastecem os restantes, seja de recursos energéticos (como a Arábia Saudita), seja de matérias-primas (como a África do Sul), seja mesmo de produtos manufacturados (como as cidades-ateliers de Singapura e Hong-Kong); os estados clientes, que funcionam como coutadas privativas de potências centrais ou regionais (a América Central como "pátio traseiro" dos EUA, uma parte da África Ocidental cliente da França...); as zonas de exclusão, uma espécie de novas terras incógnitas sobre as quais cai a ocultação (como ocorre com o Bangladesh ou com uma vasta região da África saheliana, desde o Chade à Etiópia, passando pelo dilacerado e ignorado Sudão). Alguns possíveis cenários do futuro sistema internacional
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