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A evolução tecnológica dos sistemas de armas

José Luís Pinto Ramalho *

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O fim da guerra fria, em que a queda do "muro de Berlim" constitui marco emblemático, materializou uma nova realidade no relacionamento dos actores da cena internacional, relegando a estratégia militar para um segundo plano, conferindo inegável protagonismo às outras estratégias gerais. Neste ambiente, que papel para a estratégia militar e que preocupações quanto às características dos instrumentos militares? A resposta tem sido dada na reorientação "cosmética" da missão das Forças Armadas para a protecção da paz e no novo conceito estrutural, de "menos forças melhores forças", decorrente da contínua redução dos orçamentos de defesa.

Importa considerar também que, na actualidade, estão ampliados os espaços terrestre, aéreo e marítimo, de utilização tradicional pelos instrumentos militares, assim como ultrapassadas as limitações e a protecção que a escuridão e a camuflagem conferiam ao combatente; hoje, a estratégia militar tem, também, como campo de aplicação, o espaço cósmico e o "cyberspace".

São três as grandes áreas de investigação e desenvolvimento (I/D), com vista aos desafios do futuro e à utilização das novas tecnologias, designadamente: conhecer o quadro de actuação no campo de batalha, ou seja, vigiar, reconhecer e obter informações em tempo oportuno, com vista ao êxito do processo de decisão (os sistemas ISR, com base em sensores, satélites, aéreos ou localizados em terra); capacidade de Comando e Controlo de forças militares em operações, usando a informação, em tempo real ou fornecida em tempo oportuno (os sistemas C4I); capacidade para identificar e localizar forças amigas e inimigas com precisão e desencadear acções de destruição sobre estas, a distâncias consideráveis (os sistemas BCIS, de "targeting", armas guiadas, programáveis ou por iluminação dos alvos e os sistemas LRPS).

A par desta I/D, assiste-se ao contínuo aperfeiçoamento, quer do equipamento e armamento individual do combatente, nas vertentes protecção, visão nocturna, comunicações, intervenção, etc., quer das plataformas de combate, sejam mísseis, navios, submarinos, aviões, helicópteros (estes, incorporando tecnologia "stealth"), veículos não tripulados, carros de combate e viaturas blindadas, a par da precisão e alcance da artilharia e cada vez maior potência dos explosivos convencionais; quanto às armas nucleares, a I/D têm-se centrado na segurança, fiabilidade, miniaturização e no aumento da radiação nuclear, em detrimento do efeito de sopro (na actualidade, o efeito de sopro representa cerca de 50% da energia total, a onda de calor, cerca de 35% e a radiação nuclear, 15%).

Estes avanços tecnológicos, embora afectem os instrumentos militares, fazem-no de forma diferenciada, consoante os actores da cena internacional que considerarmos. Para os EUA, única superpotência do "post" guerra fria, coloca-se a situação de terem de manter investimentos, com vista à preservação do seu avanço, em matéria de capacidade militar, sob pena de, caso não o façam, assistirem à diminuição ou desaparecimento, na cena internacional, dessa vantagem, daí o seu programa JAST; paralelamente, à Rússia e à China põe-se a necessidade de idênticos investimentos nessa área, pelo facto de não poderem deixar que, em termos estratégicos, se materialize um cada vez maior desequilíbrio, face àquela superpotência. Quanto aos outros actores, procuram áreas de excelência, que lhes permita participar nesses programas, de acordo com os seus interesses estratégicos, recursos disponíveis e efectiva capacidade tecnológica, por forma a terem acesso a sistemas de armas que, de outro modo, não seria possível. Esta realidade, decorre de serem cada vez menos os actores que têm a capacidade estratégica e os recursos disponíveis, para definirem estratégias operacionais, na certeza de que a estratégia genética conceberá e realizará os sistemas de armas necessários à sua implementação.

O impulso tecnológico que, durante a guerra fria, introduziu um elemento qualitativamente novo no domínio das capacidades militares, esteve ligado à IDE/SDI e ao efeito de campo que toda a I/D desencadeou, quer na detecção, destruição e protecção contra os mísseis balísticos, nucleares ou não, quer nas estruturas de comando e controlo, capazes de gerirem e fazerem operar em tempo, os sistemas de armas de toda esta arquitectura estratégica.

A partir de 1993, nos EUA, a responsabilidade daquela I/D foi herdada pela BDMO, que estuda a resposta aos riscos da proliferação de WMD, a quatro níveis: a neutralização da ameaça, antes do lançamento de mísseis balísticos; a protecção dos alvos, passíveis de tal ameaça; a defesa activa contra os mísseis, uma vez lançados, seja na fase de aceleração "boost phase", seja na atmosfera ("lower-tier"), ou a grande altitude, muitas vezes fora da atmosfera ("upper-tier"); e, por último, a estrutura associada de comando controlo, computadores, comunicações e informações (C4I). Naturalmente, os esforços da BMDO vão para a defesa activa e para a estrutura C4I.

Na actua conjuntura, a estratégia militar pretende dispor da capacidade de conduzir e ganhar a guerra rapidamente, alcançando todos os objectivos definidos pelo escalão político, sem, ou com um mínimo de baixas, através da evidência de uma indiscutível superioridade tecnológica, de aplicação militar, que retire ao "prevaricador da estabilidade internacional" qualquer hipótese de êxito ou de oposição.

Essa capacidade está escalonada num conjunto de aptidões e possibilidades, das quais a primeira se traduz em ver electronicamente o campo de batalha, com os sistemas GSC, detectar movimentos, forças e instalações inimigas, identificá-las, fazer a sua localização com precisão e fornecer esses elementos aos sistemas de armas que visam a sua destruição ou neutralização; paralelamente, identificar as forças amigas. Uma segunda aptidão visa integrar o atrás referido, com a vigilância e protecção do espaço aéreo, negando-o a um potencial antagonista.

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Em simultâneo, ser capaz de proteger os actores intervenientes, forças e recursos, através de uma efectiva capacidade de resposta aos riscos da proliferação de WMD. Para isso, estão em marcha diversos programas de I/D, designadamente: para a primeira, o sistema JSTARS e a sua associação ao BCIS, tirando partido da estrutura C4I e dos sistemas IRS e LRPS; quanto à segunda, decorre o programa de "interface" dos sistemas JSTARS e AWACS e da capacidade de intervenção neste espaço, com vectores aéreos e sistemas terra-ar, os GBI, tudo no âmbito da arquitectura EIADS; por último, a resposta a esta ameaça, com o programa BMD baseado em dois conceitos de intervenção — no "lower tier" (5 a 35 km, contra mísseis e plataformas que utilizem a atmosfera, com os ERINT, caso do PAC-3 e MEADS) e, no "upper tier" (35 a mais de 100 km), com os sistemas THAAD e os concebidos para destruir mísseis, quer imediatamente após o seu disparo os BPI quer durante o voo os SBL e as "kinetic kill weapons-LEAP". A eficácia deste programa está directamente relacionada com a efectiva gestão desta capacidade de intervenção, por uma estrutura de BMC4I, a partir da detecção e localização, proveniente dos GBR e SAMTS "Brilliant Eyes".

A importância operacional da informação e da sua comunicação exige que toda a estrutura de decisão e de C4I seja objecto de uma dupla preocupação — a protecção da nossa estrutura, inclusive em tempo de paz e a sua destruição ou, no mínimo, neutralização, da do antagonista, em tempo de conflito. Como ameaças mais significativas, considerando a tecnologia disponível, salientam-se, para além da actividade dos "Hackers", as "HERF gun" e o efeito EMP; na próxima década, poderão estar disponíveis as "E-Bomb", capazes de produzir uma elevadíssima radiação electromagnética, tornando as estruturas C4I e de decisão, inoperativas.

O Gen. Gordon Sullivan (EUA) declarava em 1993 que, "assim como o vector fundamental da estratégia militar terrestre, no Séc XX, foi o Carro de Combate, no Séc XXI, o instrumento determinante da estratégia militar será o computador". Esta atitude salienta o impacto da revolução da informação e da comunicação, nos instrumentos militares, nas tendências para a sua profissionalização, nas exigências de uma maior especialização, formação e aptidão estrutural para gerir sistemas de armas, que dispensam os grandes contingentes de pessoal, potenciam as inovações tecnológicas e associam simplicidade de operação, com elevado tecnicismo de manutenção. Paralelamente, o seu emprego operacional está directamente ligado à capacidade de gerir a informação, com vista a um processo de decisão que dispõe de "janelas de execução", cada vez menores, face à possibilidade de actuação, em tempo real, sobre os acontecimentos.

 

Informação Complementar

Organizações e sistemas de armas

AWACS – Airborne Warning And Contral System (Sistema Radar em avião, contra alvos aéreos).
BCIS – Battle Combat Identification System (Sistema de identificação de Forças Terrestres, semelhante ao IFF dos meios aéreos).
BMC4I – Battle Management, Command, Control, Communications, Computers and Intelligence (Sistema C4I, vocacionado para a gestão de operações contra mísseis balísticos).
BMD – Ballistic Missile Defense (Defesa contra Mísseis Balísticos).
BMDO – Ballistic Missile Defense Organization (a Organização)
BPI – Boost Phase Intercept (Interceptor contra mísseis na fase de Aceleração).
EIAOS – Extended Integrated Air Defense System (Defesa Aérea Integrada abrangendo mísseis balísticos).
EMP – Electromagnetic Pulse (Impulso Electromagnético)
ERINT – Extended Range Interceptor (Interceptor de Longo Alcance)
GBI – Ground Based Interceptor (Interceptor de Base Terrestre)
GBB – Ground Based Radar (Radar localizado em terra)
GSC – Ground Surveillance Capability (Capacidade de Vigilância Terrestre, semelhante à do AWACS para os meios aéreos).
HERF Gun – High Energy Radio Frequency Gun (Sistema de Armas de Rádio Frequência de Alta Potência).
ISR – Intelligence Surveillance and Reconnaissance (Informações Vigilância e Reconhecimento).
JAST – Joint Advanced Strike Technology (programa que visa dotar as forças armadas americanas com os sistemas de armas de ataque, da "próxima geração").
JSTARS – Joint Surveillance Target Attack System (Sistema de vigilância para detectar, localizar e identificar forças terrestres amigas e inimigas e conduzir o ataque a estas últimas).
LEAP – Lightweight Exo-Atmospheric Projectile (Sistema de armas utilizável a partir da altitude de 70km, tirando partido dos "kinetic kill vehicle" KKV, - projécteis de 9kg à velocidade de 4km/seg).
LRPS – Long Range Precision Strike (Sistemas de ataque que associam precisão com longo alcance).
MEADS – Médium Extended Air Defense System (Sistema de Defesa Aérea de Alcance Intermédio).
PAC-3 – Patriot Advanced Capability Level-3 (Míssil terra-ar Patriot melhorado).
SAMTS – Space And Missile Tracking System (Brilliant Eyes) (Sistema de detecção e localização de mísseis balísticos por satélite).
SBL – Space Based Laser (Laser estacionado no espaço).
STEALTH – Tecnologia de construção e revestimento de meios aéreos que os torna quase "invisíveis" ao radar).
THAAD – Theater High Altitude Área Defense (Míssil terra-ar de longo alcance e de grande altitude)
WMD – Weapons of Mass Destruction (Armas de destruição maciça).

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* José Luís Pinto Ramalho

Coronel de Artilharia. Curso de CMDS. Curso de Estado-Maior. “Air Defense Artillery Advanced Course”, E.U.A. Curso do Colégio de Defesa NATO, em Roma. Frequência do CSCD, no Instituto de Altos Estudos Militares 97/98. Mestre em Estratégia pelo ISCSP/UTL. Professor dos Mestrados de Estratégia e de Relações Internacionais no ISCSP.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela International Defense Review 6/94

Link em nova janela U.S. Ballistic Missile Defense Programs

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