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Das guerras de África ao reencontro da tradição atlântica

António José Telo *

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As forças armadas nacionais em 1974 tinham alcançado o desenvolvimento máximo do século XX. Havia então 217 000 homens em armas (179 000 no Exército, 19 500 na Marinha e 18 500 na Força Aérea), estando cerca de 61% em África, com 57 000 indivíduos em Angola, 50 000 em Moçambique e 27 000 na Guiné. As forças armadas mantinham desde há 13 anos uma das mais bem sucedidas guerras de anti-guerrilha das últimas décadas. Há que ter em conta que um país como a França, por exemplo, com 5 vezes mais população e 25 vezes mais poder económico que Portugal, só aguentou uma guerra semelhante na Argélia durante 6 anos, apesar de estar a poucas centenas de quilómetros do teatro de operações.

Era um tipo de guerra muito diferente do normal, o que está bem patente no facto de se saber hoje que os 134 000 portugueses em África enfrentavam menos de 20 000 guerrilheiros (5 000 do PAIGC, 7 200 da FRELIMO e 6 000 do MPLA/ UNITA e FNLA). Era uma situação muito diferente das campanhas de pacificação do século XIX, quando colunas portuguesas de pouco mais de 1 000 homens venciam facilmente um inimigo de mais de 15 000 homens, sem sofrer praticamente baixas em combate.

A tónica da política de defesa passou oficialmente para o Império desde 1959. As funções NATO e os compromissos do Pacto Ibérico mantinham-se no papel, mas estavam em segundo plano. As forças armadas portuguesas desapareceram praticamente das manobras NATO em meados dos anos 60 e, depois dessa data, fizeram-se representar sobretudo pela Marinha, graças às novas classes de fragatas então adquiridas (as Pereira da Silva e as João Belo) – um movimento ligado à criação do IBERLANT. O equipamento, armamento, treino, mobilização e mentalidade das forças armadas estava virado para a luta anti-guerrilha, campo onde Portugal desenvolve e aplica uma teoria com traços de originalidade e onde mostra o seu tradicional domínio na acção das pequenas unidades em guerras de fraca intensidade técnica.

A partir de 1975, com o fim das guerras e a consolidação da democracia em Portugal, o problema que se coloca é o da transição de umas gigantescas forças armadas de luta anti-guerrilha para as funções mais tradicionais de Portugal no campo da defesa. É um regresso às funções das forças armadas dos anos 50, mas numa fase já muito diferente da guerra fria, em que a NATO, com a sua estratégia oficial de "resposta flexível" (tal como expressa no MC 14/3 de 1967), aponta para forças convencionais muito menores que na década de 50.

Aparentemente o problema é simples, pois trata-se sobretudo de voltar à tradição atlântica portuguesa, com uma desmobilização e o aproveitamento do melhor equipamento e armamento para as novas funções. Na realidade, o problema é muito complexo, por várias razões. A principal das quais é que se torna necessário redefinir quais são as novas funções no seio da NATO e do contexto da arquitectura de defesa europeia, problema que não se colocava na década de 50; além disso, o equipamento e armamento existente não está minimamente adaptado, tendo no geral um atraso de pelo menos uma ou duas gerações técnicas e não existem os recursos financeiros ou os apoios externos para fazer em poucos anos a ampla modernização necessária.

A mera desmobilização é só por si um problema complexo, especialmente em relação a um corpo de oficiais profissional que cresceu muito e não está treinado para as novas funções. Tudo se complica com um problema central essencialmente político: a necessidade de criar uma ligação das forças armadas à sociedade típica das sociedades democráticas, com o regresso dos militares aos quartéis e o abandono da sua acção na esfera política. Tal implica nomeadamente o fim de práticas e instituições desenvolvidas em 1974/1975, como sejam o Conselho da Revolução e o MFA.

A transição foi facilitada pela boa vontade encontrada na NATO, com o regresso efectivo a esta instituição, e pela adesão de Portugal à CEE. Destacou-se a ajuda militar de países como os EUA, a Inglaterra e a RFA, numa escala muito menor que em 1949-1959, mas ainda assim significativa. O país beneficia igualmente do processo de renovação em curso nos principais poderes europeus, em que a Inglaterra e a RFA cedem por preços simbólicos o antigo equipamento, que, apesar de antigo, estava uma geração à frente do usado em Portugal.

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A transição

Vamos examinar os grandes traços da transição ramo a ramo, comparando a situação de 1974 e 1984. O Exército nesses dez anos passa de 179 mil para 39 mil homens, com um núcleo profissional de 9 mil. O seu centro é a brigada mista de Santa Margarida, unidade ligada à NATO, estando previsto o seu transporte para o Norte de Itália em caso de conflito. Nela se incorpora o melhor equipamento recente, onde se destacam os tanques M-48A5, os M-113 e M-577A2 e algum equipamento moderno no campo anti-tanque e anti-aéreo, como os mísseis TOW e Blowpipe e os canhões de tiro rápido alemães Rh-202.

A sua estrutura é completada com um núcleo significativo de forças especiais (principalmente o regimento de comandos), algumas unidades de grande mobilidade relativamente modernas (3 regimentos de cavalaria e 2 de engenharia) e a miríade de forças de cobertura territorial (11 regimentos e 3 batalhões de infantaria). As deficiências são muitas e o armamento mais moderno tem pelo menos o atraso de uma geração, sendo mais de metade adaptado dos tempos das guerras de África, mas a transição foi imensa num prazo tão curto. Prevalece um conceito tradicional do Exército baseado no serviço militar obrigatório de aplicação parcial, havendo já vozes significativas que defendem a passagem gradual para uma força profissional mais reduzida e com funções alteradas.

A Marinha passa de 19 500 para 15 000 homens (com os fuzileiros) e fez a adaptação possível a funções essencialmente NATO e de presença nas águas do triângulo estratégico, agora reduzido a uma dimensão europeia (Lisboa, Açores, Madeira, em vez de Lisboa, Açores, Cabo Verde). A adaptação foi feita no essencial com o corte da tonelagem para cerca de metade, pois praticamente não houve novas aquisições nestes dez anos para a Armada. O núcleo central da força era ainda formado pelos 3 Albacora e as 17 escoltas oceânicas que vinham do tempo da guerra. Era uma força numerosa, mas não havia uma única escolta moderna e não se tinha dado o "salto tecnológico", com um atraso de pelo menos 2 gerações técnicas. A força batia-se principalmente pelo avanço do programa das fragatas, que era o trampolim para a sua actualização mínima.

A Força Aérea passa de 18 500 para 9 500 homens e não tem um núcleo, mesmo simbólico, de defesa aérea, campo desenvolvido na década de 50, mas completamente descurado depois de 1961. A força transitou de 127 aviões de combate, muitos deles aparelhos ligeiros de apoio anti-guerrilha (como os T-6 armados), para 74 aviões de combate de apoio táctico. Destacavam-se os novos lotes de Fiat G.91R4 e T3, recebidos da RFA depois de 1974, e os 20 A-7P.

Estes últimos eram o mais ambicioso programa das forças armadas nestes anos: aviões de apoio táctico polivalentes (terra e anti-navio), mas sem os sistemas de armas necessários para o seu pleno aproveitamento. O recomeço de fornecimento de armamento pelos EUA tinha permitido igualmente a chegada de um reforço do transporte táctico (com 5 C-130H) e dos primeiros aviões supersónicos nacionais (os 12 T-38 de treino avançado). O ramo batia-se principalmente para obter um núcleo de defesa aérea, com a criação de pelo menos uma esquadra de F-16, considerado um passo essencial para assegurar a não absorção do país pelo sistema de defesa aérea espanhol.

É de salientar que a transição esboçada se deu em circunstâncias especiais, devido à redefinição em curso da estratégia oficial da NATO, à discussão da entrada da Espanha na organização, à reorganização de toda a zona sul da Europa que tal implicava e à ampla discussão sobre a articulação entre a NATO e a defesa europeia autónoma.

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* António José Telo

Professor na Faculdade de Letras de Lisboa.

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