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As novas missões das Forças Armadas

José Fernando Jorge Duque *

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A fase por que passam hoje as Forças Armadas Portuguesas — fase pós-Guerra-Fria — corresponde a toda a década de 90 e é balizada internamente pela democracia já consolidada, externamente pela integração de Portugal na Europa e pela "Nova Ordem Internacional". Neste período, um importante debate centrou-se nas "Novas Missões" das Forças Armadas, quer no quadro nacional (missões de interesse público), quer no quadro internacional (participação em alianças, operações de paz, auxílio humanitário e cooperação). Este debate envolve duas questões: uma delas, já antiga, é a da preferência de um sistema de defesa militar colectivo (no quadro de alianças) em vez de um sistema autónomo (nacional).

A segunda, mais polémica, centra-se na importância relativa destas "Novas Missões" face à "Missão Principal" constitucional de defesa militar da República contra agressões ou ameaças externas. Há quem defenda que estas são mais importantes pela actual inexistência de uma clara ameaça externa, no sentido tradicional do termo. Há também quem considere que esta é uma atitude perigosa, pois diminui a capacidade de combate das FA e as Novas Missões só devem ser atribuídas em regime de "capacidade sobrante". Há ainda quem defenda que as FA devem organizar-se para a "Missão Principal" e devem adaptar-se às "Novas Missões". De qualquer forma, as Novas Missões estão a ser executadas e muitas delas dão um contributo importante à política externa portuguesa.

Este novo quadro de emprego do Sistema de Forças militares induziu a necessidade de reorganização e reequipamento das F.A., visando melhorar a sua flexibilidade de emprego em missões tão diversificadas, bem como a sua capacidade de projecção externa. O actual processo de profissionalização das FA integra-se também nesta necessidade. O fim da Guerra Fria induziu ainda uma política de redimensionamento das FA, traduzida principalmente pela redução dos efectivos e pela diminuição do peso do Orçamento de Defesa no Orçamento do Estado, relação que passou de 6% em 1990 para 3% em 1996 (OD/OE).

 

Novos dados na cena internacional

Quando, em 2 de Dezembro de 1989, George Bush e Gorbatchov se encontraram na ilha de Malta para selar o fim da Guerra Fria, não imaginavam estarem não só a apagar a fronteira do confronto Leste-Oeste, mas também a libertar muitos focos de tensão, com as mais diversas origens – étnica, religiosa, cultural, nacionalista, territorial, etc. — os quais tinham estado até aí contidos pela ordem bipolar.

Essa nova época histórica, que tem sido apelidada de "Nova Ordem Internacional," tem uma feição globalizante e unipolar (única superpotência actual, os EUA), porventura a caminho da multipolaridade. É caracterizada pelo aparecimento de novos riscos, muitos deles com características transnacionais (tais como a proliferação nuclear, biológica e química por parte dos países em desenvolvimento, agressões contra o ambiente, narcotráfico, crime organizado, terrorismo internacional, extremismos religiosos); outros riscos persistem ainda e muitos deles são decorrentes de problemas de desenvolvimento humano, designadamente as questões demográficas, a insegurança alimentar, as assimetrias de desenvolvimento e as pressões da emigração.

O fim da ordem bipolar também aumentou consideravelmente a capacidade de intervenção da ONU no âmbito da paz e segurança internacionais. O Conselho de Segurança, até 1989 bloqueado pelo veto dos membros permanentes, passou a partir daí a gerar mais consensos e a intervir mais activa e frequentemente. Entre 1948 e 1988 a ONU desencadeou 15 operações de paz; de 1988 até 1996 foram iniciadas 26. Em 1988 a ONU tinha 11.121 efectivos empenhados em operações de paz com um orçamento anual de 230,4 milhões de USD; em 1994 os efectivos ascendiam a 77.783 e o orçamento a 3.600 milhões USD.

Também nos planos jurídico e conceptual, o fim dos anos 80 e a década de 90 trouxeram várias inovações: o direito de ingerência internacional por razões humanitárias foi estabelecido pelas Resoluções 43/131 de 1988 e 45/100 de 1990 do Conselho de Segurança da ONU; em Janeiro de 1992 o secretário geral apresenta ao Conselho de Segurança a sua Agenda para a Paz, que propõe novos conceitos operacionais para enquadrar as missões de paz.

Apesar disso, em 1994 as operações de paz da ONU revelam os seus limites, designadamente na Bósnia: em situações de "imposição da paz" em que o risco de confronto de alta intensidade está presente, os países não estão dispostos a colocar forças sob comando do secretário geral da ONU, tendo sido mais viável o Conselho de Segurança limitar-se a recomendar a intervenção e a conferir mandato, sendo a operação conduzida por alianças, coligações ou grupos de países, nos termos do 43° (Capítulo VII) da Carta.

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As novas orientações em Portugal

Em Portugal a Defesa Nacional adaptou-se a este novo contexto através do seu edifício normativo. A Constituição da República, revista em Setembro de 1997, ao retirar o carácter constitucional ao serviço militar obrigatório, abre o caminho para a profissionalização. É também esta revisão constitucional que consagra as "Novas Missões" das Forças Armadas, designadamente: satisfazer compromissos internacionais assumidos pelo Estado no plano militar, participar em operações de paz e missões humanitárias, em missões de interesse público e em acções de cooperação técnico-militar.

Também o Programa do actual XIII Governo Constitucional, aprovado pela Assembleia de República em 1995, já referia as novas missões constitucionais e assumia a opção de manter um sistema de forças militares de dimensão reduzida e com alto grau de eficiência e flexibilidade. É também aqui que são definidas as prioridades estratégicas: a primeira é a europeia e a atlântica; a segunda é a África Lusófona, o Centro e Leste Europeu e a Bacia do Mediterrâneo. As Grandes Opções do Plano e as Linhas de Acção Governativa (GOP/LAG) aprovadas pela Assembleia de República para 1998 reassumem a opção de 1996 de "afirmar uma presença europeia e ser fiel a uma vocação universalista"; nela se exprime a primeira prioridade — a europeia. Por outro lado as Linhas de Acção Governativa estão em consonância com a revisão constitucional, explicitando, além dela, a intenção de manter o empenhamento no sistema de alianças. O Conceito Estratégico de Defesa Nacional actualmente em vigor foi aprovado em 1994 e está em processo de revisão já que, de acordo com o processo de planeamento estratégico vigente, está a jusante dos normativos anteriores e é anterior a eles, pelo que está carente de actualização.

 

Uma diversidade de missões

No ponto seguinte, veremos com o devido detalhe o que diz respeito à participação portuguesa nas missões de paz da comunidade internacional. Vejamos agora os outros tipos de missões. As missões humanitárias ganharam expressão significativa desde 1990, em satisfação de pedidos dos países africanos de língua oficial portuguesa, ou das instituições humanitárias internacionais (AMI, CVI, etc.). Neste tipo de missões têm-se destacado os aviões C130 da Força Aérea com a sua versatilidade que, por exemplo, no período crítico após as eleições de Setembro de 1992 em Angola (Setembro de 1992 a Abril de 1993) voaram 580 horas e transportaram 8.000 refugiados.

A cooperação bilateral na área da defesa tem-se desenvolvido em três direcções: a dos países africanos de língua oficial portuguesa, direcção prioritária, com a execução de projectos de cooperação técnico-militar de reestruturação, formação e modernização das Forças Armadas a pedido desses países, de acordo com Acordos de Cooperação e Planos estabelecidos para o efeito. A segunda direcção é a dos países do Centro e Leste Europeu, no âmbito da Parceria para a Paz, projecto da NATO visando satisfazer o pedido de alguns desses países de aproximação à NATO. Este projecto, de grande importância para a segurança europeia, decorre também de acordos bilaterais de cooperação que o Ministério da Defesa celebrou (com a Bulgária, República Checa, Eslováquia, Hungria, Polónia e Roménia) ou está em vias de celebrar (com a Eslováquia e a Eslovénia). A terceira direcção é a dos países da Bacia do Mediterrâneo, existindo já acordos de cooperação com Marrocos e com a Tunísia.

A participação em alianças de defesa colectiva manifesta-se na atribuição de forças aos Comandos de Aliança Atlântica e à União da Europa Ocidental e na contribuição de militares e civis para o desempenho permanente de funções nos vários Comandos e Estados Maiores. No primeiro caso Portugal designa forças aéreas e navais para o Comando do Atlântico e forças terrestres e aéreas para o Comando da Europa, designadamente para o Corpo de Reacção Rápida (ARRC) deste Comando. Tem também forças atribuídas à UEO (as EUROFOR e EUROMARFOR) em regime de "duplo chapéu". Na representação permanente nessas alianças, Portugal mantém, além da presença nos principais Comandos e Quartéis-Generais da NATO, uma presença significativa no Quartel General do CINCIBL em Oeiras, no Quartel General da força italiana atribuída ao ARRC (em Milão) e no Quartel-General da EUROFOR em Florença. Os militares destacados em tais missões totalizavam 108 efectivos em fins de 1997, prevendo-se o seu aumento em caso de crise.

Nas missões de interesse público salienta-se a preponderante participação da Armada (82%) em relação à Força Aérea (16%) e ao Exército (2%). Esta situação deve-se ao facto de as tradicionais missões de autoridade marítima, controlo de águas territoriais e vigilância da Zona Económica Exclusiva desempenhadas pela Armada e pela Força Aérea entrarem nesta categoria. Em tempo de paz e em terra, as forças terrestres limitam-se ao eventual apoio a instituições que zelam pela segurança, bem-estar e desenvolvimento, dentro de normas estabelecidas. Estas missões são cumpridas no território nacional, mas já se equaciona a participação das Forças Armadas em missões de interesse público internacional.

 

Informação Complementar

Os indicadores da transição

As Forças Armadas iniciaram o processo de adaptação a este novo quadro estratégico em 1993 com a reorganização, o redimensionamento, a profissionalização e o reequipamento. Alguns indicadores deste processo são os seguintes:

Redução de efectivos (de 72 mil em 1989, para 46 mil em 1997).

Aumento de percentagem de militares profissionais e semi-profissionais, que em 1997 atingia 83% dos efectivos militares totais (96% na Armada, 72% no Exército e 100% na Força Aérea).

Redução do peso do Orçamento de Defesa no PIB (2,2% em 1990,1,6% em 1994 e 1,4% em 1997).

Redução do peso do Orçamento de Defesa no Orçamento de Estado (6,1% em 1990,4,0% em 1994, 3,3% em 1997).

Redução do Orçamento de Defesa (preços constantes) desde 1990 para 1996 (193,5 milhões de contos em 1990 para 154,4 em 1996 - decréscimo de 20%).

Estrutura de despesas com a defesa caracterizada por elevada percentagem de despesas com pessoal (67%) baixa despesa com a operação (27%) e muito baixo investimento (6% do Orçamento de Defesa).

Aumento substancial da participação nas "Novas Missões" desde 1990, representando em 1996 quase metade das despesas de operação (46%) e cerca de 12% do Orçamento total de Defesa.

A estrutura de custos das Novas Missões das Forças Armadas em 1996 foi a seguinte:

Operações de paz -13.895 milhares de contos

Missões humanitárias -18 milhares de contos

Cooperação militar bilateral com os PALOP -1.054 milhares de contos

Missões de Interesse Público – 7.836 milhares de contos.

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* José Fernando Jorge Duque

Coronel. Brevet Estudos Militares Superiores, Paris. Chefe da Divisão de Estudos do Instituto da Defesa Nacional.

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