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Janus 1998 F.A.



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A posição de Portugal no mundo e os seus reflexos nas F.A.

António Emílio Sachetti *

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Golfo Pérsico, Janeiro e Fevereiro de 1998. Mais uma vez a utilização da Base Aérea das Lajes pela potência que se assume líder mundial, e que é também nossa aliada, foi objecto de ponderação pelo Governo. Nos termos do acordo bilateral existente, foi consentida a utilização da Base para apoio à projecção de poder pela única superpotência e potência marítima dominante, numa acção que visava obrigar o Iraque a respeitar as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

Na Europa, hoje como há séculos, Portugal e a Inglaterra, sem que tal tivesse sido sempre evocado ou explicitado, foram os países que agiram naturalmente e de forma coerente com a sua mentalidade marítima. De forma também naturalmente diferente se manifestaram as potências de mentalidade marcadamente continental, a França, a Rússia e, fora da Europa, discretamente, a China. Novamente se verificou a incapacidade frequentemente manifestada pela União Europeia em adoptar uma Política Externa e de Segurança Comum, projecto que começa já a estar rodeado de alguma incredibilidade. Podemos encontrar na História e na Geografia o quase imperativo geo-histórico que explica as atitudes agora assumidas. Portugal nasceu de um condado cedido por dote a um nobre europeu e a futura capital foi conquistada com o apoio dos cruzados, as coligações militares europeias temporárias da Época Medieval.

Ainda na primeira dinastia, o último rei envolveu-se em três guerras contra Castela, um conflito europeu que opôs as futuras potências marítimas, Portugal e Inglaterra, às duas grandes potências de mentalidade sempre continental, Espanha e França. Estas duas alianças voltaram a enfrentar-se na Península Ibérica e a mesma diferença de mentalidades e de atitudes ainda influenciou claramente a posição das quatro potências já nesta metade do século XX, tanto na entrada de Portugal e da Espanha para a União Europeia Ocidental, como na formação do Eurocorpo.

A partir das guerras de D. Fernando contra Castela, Portugal, país europeu desde a fundação, nunca mais conseguiu evitar envolver-se em todos os grandes conflitos do velho continente. Portugal não foi nem é um país periférico, a não ser para os decisores do actual sistema económico construído a partir do sempre perturbador centro de gravidade localizado na Europa do Meio. Saltando na História, o século passado começou com um daqueles conflitos.

 

A esquadra de Siniavin

Em Novembro de 1807 procurou abrigo no porto neutro de Lisboa a poderosa esquadra russa do almirante Siniavin, tão poderosa que o número de navios excedia o permitido pelo estatuto de neutralidade que Portugal vinha procurando manter, desde 1801. O Rei recebeu o almirante russo e poucos dias depois, a 29 de Novembro, embarcou para o Brasil, com a quase totalidade da Armada portuguesa. A esquadra inglesa do almirante Sidney Smith fazia o bloqueio naval do porto de Lisboa desde o dia 20 e prestou honras militares ao nosso Rei no dia 30, quando os últimos navios portugueses saíam a barra, ao mesmo tempo que a guarda avançada de Junot entrava em Lisboa. Tinham começado as Invasões Francesas, inicialmente com participação espanhola. Portugal tinha apoiado o seu aliado ao recusar o bloqueio continental decretado por Napoleão e aceitou a presença inglesa, mais ou menos forçada no continente e sem consulta nos Açores, na luta contra a França.

Não é neutro quem quer, mas quem pode. A Bélgica, país que nasceu apenas em 1831, duas vezes declarou a neutralidade e duas vezes foi invadida. Durante e após a Guerra Peninsular, as Forças Armadas portuguesas reestruturaram-se, e o sistema nacional de fortificações foi reforçado, tudo com base nos ensinamentos colhidos no contacto com inimigos e aliados, franceses e ingleses. Mas as guerras que Portugal teve que travar na segunda metade do século XIX não foram na Europa, mas sim em África. Neste aspecto, o século XX foi uma repetição do século anterior. Começámos mais uma vez com a participação nos conflitos europeus, rapidamente transformados em Guerras Mundiais, com consequências importantes para os nossos territórios ultramarinos. A crescente globalização dos conflitos, maior importância conferiu à nossa posição geoestratégica.

 

Duas mobilizações

Duas vezes mobilizámos e nos preparámos para lutar na Europa. Apesar das reticências que o sistema político português levantava às democracias aliadas, o interesse pela posição geográfica de Portugal, durante e após a última Guerra Mundial, foi decisivo para a sua admissão como membro fundador da NATO. Porém, na segunda metade do século tivemos que travar em África uma guerra de características totalmente diferentes, para a qual inicialmente não estávamos preparados.

Precedendo os outros ramos das Forças Armadas, a Marinha tinha começado a participar na actividade de treino operacional da NATO muito cedo, em 1950-51. Foi notável o esforço de modernização dos meios, de estudo das novas doutrinas e dos novos conceitos operacionais e tácticos que as marinhas aliadas tinham desenvolvido secretamente, durante a guerra. E quando, a partir dos últimos anos da década de 50, as atenções se voltaram para África, as Forças Armadas não deixaram de participar, com continuidade, no sistema de defesa transatlântico estabelecido pela NATO.

Se, nos tempos em que era grave a ameaça no hemisfério Norte e em que travava uma guerra no Sul, Portugal pôde ponderar, com honra e sensatez, o equilíbrio entre as opções Europa e África, ambas de carácter eminentemente atlântico, é inacreditável que hoje, em ambiente de paz, haja quem considere que essa dupla dedicação constitui tarefa insuperável.

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Dupla personalidade

Na verdade, Portugal sempre foi europeu e atlântico, mesmo que a esta atlanticidade se atribuam significados diferentes, todos impostos pela posição de Portugal no mundo: o da opção transatlântica da defesa Ocidental, euro-americana, ou o do interesse de Portugal em acompanhar a Europa em processo de integração, ou ainda o do interesse nacional em manter e aprofundar as relações históricas e culturais criadas há cinco séculos. O português é a terceira língua da bacia do Atlântico, a seguir ao inglês e espanhol e acima do francês, e as mais valiosas posições geoestratégicas do Atlântico, a Sul do importante paralelo que passa pelo Continente e Açores, com excepção do Cabo da Boa Esperança, falam a língua portuguesa e pertencem à CPLP. As grandes reestruturações e modernizações das Forças Armadas tiveram sempre lugar durante os conflitos e no período que imediatamente se lhes seguiu. Se a guerra exige o empenho sem limites da nação, a invenção e a inovação, o pós-guerra é sempre tempo de desmobilização e de modernização imposta pelas lições que o conflito tão duramente proporcionou.

A década de 90 apresenta uma particularidade em relação ao que foi dito: a guerra terminada e que tanto contribuiu para o espectacular desenvolvimento científico e tecnológico foi uma guerra fria, toda baseada nos equilíbrios das capacidades mais variadas para a dissuasão mútua de qualquer ideia de agressão. Mas as preocupações do pós-guerra mantêm-se: modernização e desmobilização ou redimensionamento a significar redução.

 

Redimensionar

Portugal deverá redimensionar as suas Forças Armadas, mas a redução não deve ser excessiva nem ditada pelo orçamento. E terá, certamente, que as modernizar, para acompanhar o mundo europeu e atlântico em que está inserido. O prestígio de um país depende muito do poder que possui ou que põe à disposição da comunidade internacional a que pertence. Portugal tem tido uma maior aceitação e credibilidade em todas as organizações internacionais de que faz parte, ocupando com dignidade diversos cargos e assumindo responsabilidades que muito o prestigiam. Para além do valor da acção diplomática que vem desenvolvendo, entre os factores do poder nacional que exibe, certamente que ocupam lugar de maior relevo o factor geográfico e a competência e disponibilidade do factor militar.

 

Informação Complementar

Portugal na Europa

Portugal nunca deixou de participar nos assuntos europeus, nem conseguiu evitar ver-se envolvido nos conflitos entre as grandes nações europeias. São inúmeras as intervenções portuguesas que antecederam a nossa actual participação no conflito da Bósnia. Entre os muitos acordos estabelecidos durante a I Dinastia e as duas guerras mundiais deste século, recordam-se alguns dos episódios do nosso envolvimento na História da Europa (a projecção de poder era quase exclusivamente através do mar):

09.05.1386
Paralelamente ao Tratado de Windsor, embaixadores de D. João I e de Ricardo II de Inglaterra assinaram uma Convenção, pouco conhecida, pela qual o Rei de Portugal se comprometia a enviar todos os anos, no Verão e por um período de seis meses, dez galés armadas que ficavam às ordens do Rei de Inglaterra.

15.06.1500
Uma armada de 30 navios, do comando do conde de Tarouca, largou para o Mediterrâneo, para auxiliar Veneza contra os turcos.

01.04.1534
Uma armada de 36 navios partiu para o Mediterrâneo, em apoio de Carlos V contra Barba-Roxa, que foi atacado no seu reduto de Goleta, Tunísia.

27.05.1588
Largou a Invencível Armada de Filipe I contra Inglaterra, constituída por 146 navios, com a participação de oito galeões, quatro outros navios e quatro galés portugueses.

12.01.1672
A armada portuguesa do comando de D. Manuel de Menezes naufragou em S. João da Luz, França.

25.07.1716
Largou de Lisboa para o Mediterrâneo a esquadra do comando do conde de Rio Grande, com nove navios, a fim de auxiliar o Papa e Veneza na luta contra os turcos. Regressou em 25 de Novembro.

28.04.1717
Largou de Lisboa para Corfú uma esquadra de dez navios, do comando do conde de Rio Grande, a pedido do Papa e para auxiliar  Veneza contra os turcos. Participou na batalha do Cabo Matapão, em 19 de Junho, onde alcança notável vitória individual contra os turcos. Regressou a Lisboa em 6 de Novembro.

15.08.1761
Pacto de Família-Bourbons. Portugal não conseguiu manter a neutralidade e viu-se envolvido, em campanha terrestre, na Guerra dos Sete Anos (1756-1763).

05.07.1776
No dia seguinte à declaração unilateral de Independência dos Estados  Unidos e em apoio dos ingleses, Portugal fechou os portos aos navios do novo Estado.

19.06.1784
Portugal participou com uma armada de quatro navios na força combinada contra Argel.

18.04.1789
Partiu para Gibraltar uma esquadra de seis navios sob o comando do coronel do mar José de Melo Breyner.

16.06.1792
Partiu para o Mediterrâneo uma armada de cinco navios, do comando de José Sanches de Brito, para auxílio de Espanha contra a França.

25.05.1793
Partiu para o Canal da Mancha uma esquadra do comando do chefe-de-esquadra António Januário do Vale, designada Esquadra do Canal, como força de auxílio a Inglaterra. Outras esquadras repetiram este apoio, até 1 de Março de 1795.

20.09.1793
Em auxílio de Espanha, partiu de Lisboa uma expedição militar composta por 14 transportes de tropas escoltados por duas naus e uma fragata, sob o comando do chefe de divisão Pedro Maria de Sousa Sarmento.

13.01.1794
Regressou de missão de cruzeiro em Gibraltar uma força de três navios.

19.09.1795
Largou de Lisboa para o Mediterrâneo a esquadra do marquês de Nisa, de cinco navios, e que se celebrizou, ao lado de Nelson, na luta contra os franceses. Foi reabastecida, mais do que uma vez, por outras esquadras portuguesas, até fins de 1799.

30.08.1808
Franceses, russos e ingleses em Lisboa. Não aceitando a Convenção de Sintra que estabelecia as condições da retirada de Junot, nem o estatuto de neutralidade do porto de Lisboa, o almirante britânico Cotton que bloqueava este porto, impôs a rendição da esquadra russa do almirante Siniavin que nele procurara abrigo.

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* António Emílio Sachetti

Vice-almirante. Professor Catedrático Convidado na Universidade Técnica de Lisboa e Professor Associado na UAL.

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