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Os debates sobre o fim do SMO e a profissionalização das F.A.

Raimundo Narciso *

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A substituição do serviço militar obrigatório (SMO) pelo voluntariado tem sido objecto de vigorosa polémica, em Portugal, mas circunscrita a meios restritos de especialistas. O debate, no entanto, necessita de ser alargado porque está em causa uma reforma estrutural do Estado com consequências importantes para a Defesa Nacional e para os cidadãos. As razões pró e contra a conscrição dividem-se em dois grandes grupos: as de carácter militar estrito, tomando o SMO apenas como uma técnica de recrutamento, e as de carácter cívico, sociológico e ideológico. Os principais argumentos "militares" a favor da manutenção do SMO são os seguintes:

- O número de voluntários na quantidade necessária às forças armadas (F.A.) não está garantido à partida, em especial para as especialidades menos atractivas, e isso põe em causa a defesa militar do país. É o desafio do recrutamento;
- Uma vez na tropa, com contratos anuais, depois de um primeiro contrato de 2 ou 3 anos, como manter os voluntários nas fileiras o tempo óptimo de rentabilidade de 5,6 ou até 9 nalgumas especialidades? É o desafio da permanência;
- Não se treinando no manejo das armas a maioria dos mancebos, não será possível, em caso de guerra, aumentar o número de militares rapidamente e na quantidade necessária. É o desafio da mobilização para crescimento de forças;
- Umas F.A. de profissionais a quem se tem de pagar uma remuneração, condições de vida e serviços sociais adequados obrigam a despesas insuportáveis ao país. É o desafio dos custos.

Estas objecções são pertinentes e correspondem aos quatro desafios enunciados. Mas nenhum deles é insuperável, como o demonstra a experiência internacional. Os dois primeiros desafios são resolúveis com remunerações e condições de vida adequadas no quartel, formação profissional e facilidades de reinserção profissional e incentivos de carácter social. Tendo em conta a situação actual só o Exército tem um problema sério de recrutamento de voluntários a resolver, tanto mais que depois não pode, como até agora, recrutá-los facilmente a partir dos militares do SMO, nos quartéis. Para a mobilização de reservas haverá que fazer contratos com os ex-voluntários e optar por algumas das soluções já testadas noutros países. Aliás, hoje, não temos reservas de mobilização credíveis em virtude de o SMO de quatro meses não dar instrução militar suficiente.

O aumento de custos com as remunerações e condições favoráveis terão de ser compensados com a diminuição de efectivos (que já se verificou em parte), com a reestruturação das F.A. que centralize serviços que se repetem em cada ramo das F.A., com a optimização de meios e as poupanças no recrutamento, fardamento e desgaste de material de dezenas de milhares de recrutas que anualmente deixam de existir. No entanto, o aumento de custos será inevitável no período de transição. Os argumentos cívicos, sociológicos, e ideológicos que têm sido evocados contra o fim do SMO são os seguintes:

- O sistema de voluntariado e as F.A. profissionais a que conduz é reaccionário ou de direita, e põe em causa os valores republicanos, no sentido de res publica e como regime político;
- Dá origem a F.A. manipuláveis e susceptíveis de instrumentalização antidemocrática e golpista;
- O voluntariado transforma as F.A. numa força armada mercenária, pois os militares deixam de cumprir um dever de defesa da Pátria para se tornarem assalariados da guerra;
- O verdadeiro papel das F.A. deve ser a defesa do território com o SMO e não o de "polícias internacionais" com voluntários/profissionais em missões ditas de paz e afins;
- A juventude sem o SMO fica privada de uma insubstituível escola de cidadania, de virtudes patrióticas (onde aprende o hino, a venerar a bandeira, a amar a Pátria), de hábitos de disciplina e de obediência e de um importante factor de identificação nacional.

São receios e dúvidas legítimos, que importa submeter à prova do debate para que cada um avalie se resistem ou se passam à categoria de fantasmas. Ou, se alguns constituírem perigos potenciais, poderem ser prevenidos com medidas adequadas.

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Que contrapõem os adeptos do voluntariado?

A ideia de que o SMO é de esquerda ou republicano, etc. surgiu com o ideário que levou à Revolução Francesa e identificava o SMO como um dever e direito de cidadania, identificação nacional e como forma de retirar à nobreza a exclusividade do poder das armas.

O fim da conscrição é assim tomado como um retrocesso, o que, fora do contexto histórico, não tem sentido. É certo que ficaram tristemente célebres os exércitos de profissionais da restauração monárquica e imperial, pós-Napoleão, que passaram o tempo a combater levantamentos populares e revoluções dentro das fronteiras dos seus países em vez de combaterem uns contra os outros. Mas não consta que o exército prussiano do SMO tivesse comportamento mais democrático. Aliás, a conscrição nunca foi um antídoto dos "quartelazos" na América Latina ou na Europa. O papel dos militares conscritos na condução das F.A., fora dos períodos revolucionários, é nulo, como se sabe. Para o movimento dos capitães, no 25 de Abril de 1974, o SMO teve algum papel, através principalmente dos oficiais e sargentos milicianos, como agentes de anseios da sociedade civil, no contacto com os oficiais do quadro permanente. Mas foram estes, voluntários e profissionais, que realmente fizeram o levantamento militar e derrubaram o Governo.

A mercenarização é outro perigo irrealista para o tipo de exército profissional que se projecta para Portugal. O isolamento das F.A. relativamente à nação depende, nomeadamente, das missões civis que o poder político lhes atribuir e da formação dada nas escolas militares e nos quartéis, aos voluntários de curto prazo, os que substituem os do SMO, e mais ainda aos voluntários/profissionais, os militares do quadro permanente, que são quem determina a natureza das F.A. Quanto à questão das missões externas das F.A. (de Paz, etc.), para aqueles que receiem poder elas vir a "transformar os actuais ministros da Defesa em ministros do Interior no exterior", repare-se que elas estão a ser executadas pela França, Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, que têm as suas F.A. assentes na conscrição.

Relativamente à cidadania e identificação nacional, é uma realidade que o SMO teve um papel importante no fim do século passado e ao longo deste século, juntando sob uma mesma bandeira e valores comuns os algarvios e os beirões, os alentejanos e os minhotos. Mas será a conscrição hoje ainda um factor necessário à identificação nacional? Na era da comunicação? E as mulheres que não iam à tropa têm menos consciência nacional que os homens e foram, ao longo da História, menos patriotas ou nacionalistas? Excluídos os períodos de guerra, 1ª e 2ª guerras mundiais e as guerras coloniais, os portugueses e portuguesas que cumpriram o SMO não deve chegar aos 25 %.

Só cumpriram serviço militar o número de cidadãos necessário às F.A. Nunca ninguém quis saber dos atributos marginais do SMO, cidadania, republicanismo, democracia, educação cívica ou física dos cidadãos!

A razão mais longínqua e determinante para a obsolescência do SMO é a evolução científica e tecnológica, como ao longo da História, em geral para as estruturas sociais. As armas nucleares, os mísseis inteligentes, o visionamento por satélite de todo o planeta, os computadores, fizeram depender o desfecho das guerras cada vez menos do número de militares e cada vez mais do número de cientistas. Na guerra actual, para o Estado Maior, pode valer mais ter um Bill Gates do que um exército de carabineiros! As razões próximas que estão a acabar com o SMO na Europa decorrem das alterações políticas e militares, resultantes do fim da guerra fria com o consequente desaparecimento de perigo de guerra de nações contra nações, que requeriam a mobilização total da população. O SMO parece estar a atingir, nas actuais circunstâncias, o prazo de validade.

 

Informação Complementar

O SMO na História

Diderot, na "Enciclopédia", diz que "É necessário que... o cidadão envergue dois fatos, o fato do seu Estado e o fato militar" (1). Montesquieu e Rousseau, os filósofos, criaram o conceito de serviço militar obrigatório (SMO) como um dever do cidadão. Mas sem o comboio, o conceito talvez não tivesse feito história. O SMO generalizou-se quando a guerra deixou de ser "um desporto de reis" e passou a pôr em confronto as nações com todo o seu potencial humano.

No século XVIII, as dificuldades em garantir os abastecimentos aos exércitos envolvidos na guerra tornavam inúteis, em geral, formações com mais de 80 mil homens. As guerras napoleónicas que se seguiram à Revolução Francesa, mercê do saque dos territórios envolventes, permitiram chegar ao limite do Grande Exército que invadiu a Rússia, com 600 mil homens. Mas foi um período de excepção. Aliás ao saque, os russos, com Kutuzov, opuseram a terra queimada e quando, gelado e exausto, o Grande Exército chegou a Moscovo, em vez de víveres e abrigo encontrou uma capital deserta e incendiada e foi destruído.

A revolução nas comunicações, e em especial o aparecimento do comboio (2), trouxeram uma revolução à forma de fazer a guerra. Passou a ser possível abastecer continuamente o campo de batalha de víveres, de armas, de munições e... de homens. Foi então que o SMO universal se tornou verdadeiramente útil e só por isso se generalizou.

E, apesar de esboçado na Revolução Francesa, mas iniciado em 1814, pela Prússia, monárquica e semifeudal, a desmentir a radicação da sua origem prática em razões filosóficas, só passou verdadeiramente a ser um trunfo a partir da via-férrea. Frederico Guilherme I, da Prússia, em 1870, munido de duas armas revolucionárias, o comboio e o SMO, esmagou a França com um exército de um milhão e duzentos mil homens. A guerra dos profissionais do século XVIII e as guerras revolucionárias do período seguinte deram lugar às guerras das nações, baseadas no SMO em tempo de paz para prepararem milhões de homens para a guerra. Hitler conseguiu assim um exército quase dez vezes maior que o de Frederico Guilherme I, 70 anos depois.

A predominância (a exclusividade?) das razões militares para a existência do SMO (extensivo a todos os cidadãos masculinos) é exemplificada pela excepção das ilhas Britânicas. A Inglaterra, por ser uma ilha, ao abrigo de fáceis invasões, nunca cultivou o SMO. Não precisava de exércitos grandes para se defender. Desde 1679, com o acto institucional do habeas corpus, ao garantir o primado da liberdade individual em matéria de justiça, tornou-se inaceitável para os ingleses o constrangimento físico para assegurar a defesa do país, fora de circunstâncias excepcionais, como a de perigo de guerra (3).

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1 M. Raoul Girardet. Exposição ao Senado francês, em 1936, no debate sobre a profissionalização.
2 Michael Howard: "A Guerra na História da Europa". Europa América, 1997, pag. 119.
3 Gerard Bonnardot: De la conscription à l'armée de métier: le cas britannique" - Defense Nationale" de 22/02/96.

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* Raimundo Narciso

Deputado do Grupo parlamentar do PS e membro da Comissão de Defesa da AR.

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