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Portugal no Conselho de Segurança da ONU

Joaquim Trigo de Negreiros *

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A bem sucedida candidatura portuguesa a um lugar de membro não permanente do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas para o biénio 1997-98 não pode ser vista como uma iniciativa isolada. Muito pelo contrário: para a enquadrar, há que recuar uma década e encontrar, no fim dos 80, a definição da orientação política que lhe está na origem e a que a diplomacia de Lisboa vem dando corpo desde então. A meta nessa altura estabelecida, que tem servido de baliza à acção diplomática nacional durante toda a década de 90, aponta para o reforço da visibilidade e do peso específico português no quadro multilateral.

Os frutos desse esforço foram surgindo ao longo do tempo. Dele decorrem a eleição de José Cutileiro para o cargo de secretário-geral da União Europeia Ocidental (UEO) ou a escolha de Portugal para receber a cimeira da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), para dar apenas dois exemplos. Mas é naturalmente na ONU, o fórum multilateral por excelência, que a orientação estabelecida em Lisboa enfrenta o teste decisivo. Ou os testes decisivos, já que Portugal optou por jogar em dois tabuleiros: além de apresentar uma candidatura ao CS, Lisboa lançou o nome de Freitas do Amaral para a presidência da Assembleia Geral (AG). O resultado do duplo desafio não deu razão àqueles que alertavam para a imprudência de espalhar os "ovos" por dois "cestos". Freitas do Amaral sentou-se na cadeira de presidente da AG e Portugal, batendo a Austrália numa disputa muito dura travada no interior do chamado "grupo ocidental", assegurou o seu lugar no CS, que António Monteiro, entretanto encarregado de chefiar a Missão Permanente junto à ONU, ocupou a partir de 1 de Janeiro de 1997.

E já um lugar comum constatar que os pequenos países não estão necessariamente em desvantagem no complexo universo das relações internacionais. Sendo certo que não dispõem do poder de influência reservado às grandes potências, também não suscitam a desconfiança com que muitas vezes são encaradas as iniciativas de quem alimenta aspirações hegemónicas mais ou menos ameaçadoras. Decidida a rentabilizar a vantagem potencial decorrente da condição de representante de uma pequena democracia estabilizada no plano interno e empenhada na frente externa, a delegação portuguesa no CS tem tentado corresponder aos dois objectivos essenciais definidos ainda no período pré-eleitoral: tomar posição em relação a todas as questões da agenda internacional que chegam à mesa do CS e conquistar um espaço de protagonismo próprio nas diversas vertentes da reflexão interna imposta ao Conselho — e à ONU de um modo geral — pelas profundas mudanças operadas no cenário internacional com o colapso do mundo bipolar que durante quase cinquenta anos moldou o seu funcionamento.

O primeiro desafio, aquele que se prende com a elaboração de uma resposta autónoma a cada uma das questões suscitadas pela agenda dos acontecimentos internacionais, teve como consequência imediata uma saudável sobrecarga de exigência que se repercutiu no conjunto da rede diplomática portuguesa, forçada a alargar o seu horizonte temático habitual. Missões espalhadas por todo o mundo foram convocadas a participar na articulação de posições sobre os mais variados assuntos, alguns dos quais muito distantes das tradicionais prioridades da política externa portuguesa.

É claro que essa preocupação extensiva não impediu que a presença de Portugal no CS ganhasse um peso suplementar quando o tema em debate correspondia a uma "especialidade" nacional. Foi o que se passou quando o Conselho discutiu o processo de paz em Angola: Portugal assumiu um natural protagonismo nessa matéria, contribuindo para que o CS tomasse posições porventura mais afirmativas — veja-se a discussão sobre as sanções à UNITA — do que as que teriam sido produzidas caso a "troika" de observadores do processo angolano ali estivesse representada apenas pelos EUA e pela Rússia.

Mas é sobretudo a resposta ao segundo desafio, aquele que diz respeito à participação activa e autónoma no debate sobre o papel do próprio CS, que marca esta segunda passagem de Portugal pelo órgão politicamente mais sensível da estrutura das Nações Unidas. Nesse capítulo, a actividade da delegação em Nova Iorque já trouxe a Portugal o reconhecimento de um estatuto de "vanguarda" nas discussões em curso sobre três questões vitais: modo de funcionamento do Conselho, regime de sanções e ampliação do conceito de segurança colectiva, de modo a contemplar, nomeadamente, uma intervenção no campo dos Direitos Humanos e a protecção à assistência humanitária.

No que diz respeito ao funcionamento interno do CS, Portugal tem estado na primeira linha do combate pela transparência e pela responsabilização dos países-membros. Confrontada com uma realidade onde as decisões são muitas, tomadas em reuniões das quais não há registos escritos — facilitando manobras e pressões e dificultando a identificação de quem as pratica —, a delegação portuguesa tem insistido na necessidade de dar substância às reuniões formais, que hoje servem apenas para consagrar posições "cozinhadas" nos bastidores, e defendido a adopção de regras mais claras para os processos de consulta informais.

O protagonismo em matéria de sanções deve-se à circunstância de Portugal assegurar a presidência do Comité de Sanções ao Iraque, um cargo que assumiu desde que chegou ao CS — precisamente na altura em que o programa "petróleo por alimentos" começava a funcionar — e para o qual foi posteriormente reeleito. Ao promover um encontro inédito entre os presidentes de todos os comités de sanções, a delegação portuguesa mostrou disponibilidade para partilhar as perplexidades com que se deparara no caso iraquiano, suscitando assim uma reflexão que poderá levar a importantes alterações no regime de sanções.

Também no tocante à revisão do conceito de segurança colectiva se destaca uma iniciativa concreta da delegação portuguesa que se revelaria decisiva para o avanço dessa reflexão. Contrariando as reservas de alguns membros permanentes, Portugal, que na altura ocupava a presidência rotativa do CS, levou por diante um convite à alta comissária das Nações Unidas para os Refugiados, Sadako Ogata, que se dirigiu ao Conselho em Abril de 1997. O argumento central dessa importante comunicação, onde foi sublinhada a necessidade de fazer coincidir a noção de "segurança colectiva" com a ideia de "segurança humana" — ultrapassando assim a definição clássica de "segurança dos Estados" — foi mais tarde retomado pela delegação portuguesa em diversas ocasiões e a propósito de distintas situações concretas. Levada às últimas consequências, esta reflexão levanta o delicado problema do "direito de intervenção humanitária", um assunto destinado a mobilizar a comunidade internacional no futuro próximo.

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Informação Complementar

1960: uma candidatura suicida

Antes de chegar ao Conselho de Segurança pela primeira vez — a eleição para o biénio 1979-80 premiou a estabilização da democracia instaurada cinco anos antes — Portugal apresentou uma candidatura votada ao fracasso, naquela que hoje aparece como uma das mais bizarras iniciativas diplomáticas do Estado Novo. Corria o ano de 1960 e a onda descolonizadora desencadeada após o fim da II Guerra Mundial garantira já ao grupo de ex-colónias que se juntara aos cinquenta e um membros fundadores da ONU uma percentagem assinalável dos lugares da Assembleia Geral. Adversários naturais da política colonial portuguesa, os novos países afro-asiáticos estavam, em articulação com o bloco soviético, em condições de negar a Lisboa os dois terços dos votos necessários para chegar ao Conselho de Segurança. Apesar disso, Portugal avançou.

Contra os alertas de alguns diplomatas portugueses e até de responsáveis governamentais de "países amigos" (ver a respeito "Portugal e as Nações Unidas — A Questão Colonial (1955-1974)"), de José Calvet de Magalhães), Salazar fez fé nas garantias que lhe terão sido dadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e a candidatura foi formalizada no Outono de 1960. O acórdão do Tribunal Internacional de Justiça que na Primavera daquele mesmo ano dera razão a uma queixa portuguesa contra a União Indiana e confirmara a soberania de Portugal sobre os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli pode ter criado em Lisboa o entusiasmo que conduziu a um erro de cálculo de consequências graves. Nos vários escrutínios que tiveram lugar durante o mês de Dezembro, Portugal foi recebendo um número decrescente de votos até desistir, dando um sinal de fraqueza que foi devidamente aproveitado pêlos adversários da sua política ultramarina.

 

O segundo mandato português no Conselho de Segurança

O mandato como membro não permanente em 1997/1998 constituiu a segunda presença de Portugal no Conselho de Segurança das Nações Unidas, tratando-se obviamente de uma oportunidade para consolidar a imagem de um país plenamente empenhado em contribuir de modo construtivo para o desenvolvimento da comunidade internacional, através de uma participação global, activa e eficaz nos trabalhos do Conselho. Tal participação tem sido obviamente orientada para as áreas de acção identificadas pelo Governo como de relevância prioritária, mas será de referir o facto de Portugal ter tomado posição sobre todas as questões concretas em que o Conselho de Segurança da ONU é chamado a pronunciar-se.

Como membro eleito do Conselho, Portugal tem intensificado os esforços anunciados durante a campanha para a eleição, no sentido de promover e aumentar a democraticidade e a transparência dos procedimentos e deliberações do Conselho de Segurança, sendo de referir, nomeadamente, iniciativas ligadas aos direitos humanos, nomeadamente através de uma reunião, sem procedimentos, daquele órgão com a Amnistia Internacional que Portugal promoveu. No decurso da sua presidência, em Abril, Portugal tomou também a iniciativa de levar ao Conselho de Segurança o alto representante para a ex-Jugoslávia, Sr. Cari Bildt e a alta comissária para os refugiados, Sra. Ogata.

Portugal foi igualmente um apoiante activo da iniciativa norte-americana de organizar uma reunião, inédita, do Conselho de Segurança a nível de ministros dos Negócios Estrangeiros especialmente dedicada ao tema "A situação em África". De referir que o ministro Jaime Gama foi o único chefe de delegação dos países da União Europeia a mencionar, na ocasião, a próxima Cimeira Europa/África, o que foi claramente notado pelas delegações africanas. Existem ainda algumas áreas específicas onde Portugal tem vindo a procurar obter resultados concretos:

1. Na promoção da adopção de um conceito alargado de segurança colectiva, com base no facto de que o mundo mudou desde a elaboração da Carta das Nações Unidas, conceito esse que inclui a segurança dos povos dentro dos Estados.

2. Na promoção e protecção dos direitos humanos, solicitando ao Conselho que considere essa vertente nas questões sobre as quais tem que se pronunciar. Para além das reuniões referidas com a Amnistia Internacional e com o ACNUR, Portugal incentivou ainda uma declaração presidencial do Conselho sobre a protecção dos funcionários de assistência humanitária.

3. No regime de sanções, organizando uma primeira reflexão conjunta dos presidentes dos vários Comités de Sanções com vista a medidas selectivas, direccionadas contra alvos específicos. O objectivo é evitar que populações inteiras sejam afectadas pêlos erros cometidos por regimes ou titulares de cargos políticos.

A delegação portuguesa presta particular atenção a três questões da agenda do Conselho de Segurança: Iraque, Angola e ex-Jugoslávia:

a) Iraque: na presidência do Comité de Sanções contra o Iraque, Portugal assumiu a aplicação, na prática, da resolução "petróleo por alimentos" que só começou a ser de facto aplicada em 1997, depois de Portugal ter sido eleito para a presidência do Comité. Um indicador do juízo positivo que o Conselho de Segurança efectuou do desempenho de Portugal foi a reeleição do nosso país para a presidência daquele Comité no ano em curso.

b) Angola: a presença de Portugal no Conselho de Segurança contribuiu naturalmente para um maior relevo da questão angolana naquele órgão que pela primeira vez tem nele representados os países da Troika de Observadores do processo de Paz. Para além do papel central na criação da MONUA, Portugal tem procurado sensibilizar o Secretariado da ONU e os restantes membros do Conselho no sentido de ser mantido o apoio da comunidade internacional no período de consolidação da paz naquele país.

c) Ex-Jugoslávia: se bem que os desenvolvimentos sejam seguidos mais de perto no âmbito da NATO, Portugal tem, em Nova Iorque, uma participação activa num restrito processo de coordenação e consultas do Grupo de Contacto (CCP) do qual Portugal assumiu a presidência já em duas ocasiões.

No que respeita à manutenção da paz, Portugal continua a apoiar as iniciativas que visem reforçar a capacidade de resposta do continente africano à resolução de conflitos e entende que a Comunidade Internacional deve continuar a garantir assistência ao desenvolvimento de tal capacidade. Portugal continuará, dentro das suas possibilidades, a contribuir e a participar em operações de paz das Nações Unidas, tal como o fez em Moçambique com a ONUMOZ, em Angola com a UNAVEM e com a MONUA e no Sara Ocidental com a MINURSO. Mais recentemente, na discussão do relatório do secretário-geral sobre conflitos em África, Portugal notou com satisfação a importância que o secretário-geral Koffi Annan atribui à construção da paz em situações de pós-conflito e em particular o seu ponto de vista de que os elementos de construção da paz devem ser clara e explicitamente identificados e integrados nos mandatos de operações de manutenção da paz. Trata-se de uma posição que a delegação portuguesa defende desde o ano passado, com relevo para o período em que exerceu a presidência.

Uma última referência a Timor-leste: uma vez que o tema continua na agenda do Conselho, Portugal não excluiu "a priori" a possibilidade de recorrer àquele órgão, mas apenas se e quando tal se vier a mostrar necessário. Portugal tem apoiado consistentemente os esforços de mediação do secretário-geral das Nações Unidas que, em 1997, numa iniciativa destinada a estimular as negociações, designou um representante especial expressamente para a questão de Timor-leste. (António Monteiro)

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* Joaquim Trigo de Negreiros

Jornalista do PÚBLICO.

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