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Portugal e a OSCE

António Neves Berbém *

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Abreviadamente pode dizer-se que no sistema internacional em curso, aberto e à mercê da emergência de sucessivos conflitos com as mais diversas causas, é fundamental o papel de uma organização com uma cultura democrática, geopoliticamente pan-europeia, com a vocação prioritrária da segurança e cooperação, abrangendo todos os Estados da Europa. Um continente historicamente bastante belicoso. A organização designa-se OSCE – Organização para a Segurança e Cooperação na Europa – e nela passaram a residir actualmente condições e decisões políticas imediatas, tendo em vista o seguinte: prevenção/resolução pacífica dos conflitos; a organização tornou-se um instrumento privilegiado de diplomacia preventiva e de gestão das crises. Assim como da reabilitação pós-conflitos.

Recorde-se que a ex-CSCE – Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa, actual OSCE, com 54 Estados membros, atingiu um primeiro ponto alto com a aprovação da "Acta de Helsínquia" em 1 de Agosto de 1975, o documento fundador da CSCE. Tinha como objectivos principais reduzir tensões e normalizar as relações entre o Leste e o Ocidente na perspectiva da construção de uma nova arquitectura de segurança e de uma nova ordem europeia pós guerra fria. Simultaneamente consagrava-se um conjunto de cláusulas relativas aos Direitos do Homem, um importante pólo de referência para a dissidência no Leste da Europa.

Depois de Helsínquia aconteceram outras importantes reuniões de acompanhamento: Belgrado (1977-78), Madrid (1980-83), Viena (1986-89) e Nova Iorque (Outubro de 1990). Esta última teve o objectivo de preparar a Cimeira de Paris de 21 de Novembro de 1990 e a assinatura do "Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa", em Paris em 19 de Novembro de 1990. A seguir, em Estocolmo (Dezembro de 1992), ficou decidida a criação do Tribunal de Conciliação e Arbitragem no âmbito da CSCE. De facto a CSCE, ao reagrupar todos os países da Europa, com excepção da Albânia, e ainda os Estados Unidos e o Canadá, teve o mérito de juntar países da NATO e do Pacto de Varsóvia, abrindo caminho para que, em 1990, surgisse a "Carta de Paris para uma Nova Europa" estruturada em seis grandes princípios: 1) "Direitos Humanos, Democracia e Estado de Direito"; 2) "Liberdade económica e responsabilidade"; 3) "Relações de amizade entre Estados Participantes"; 4) "Segurança"; 5) "Unidade"; 6) "A CSCE e o Mundo".

Destes seis princípios destaca-se o da Segurança, congratulando-se os Chefes de Estado ou de Governo, reunidos em Paris, com o facto da "era do confronto e da divisão" ter terminado. Quanto à redução "das Forças Armadas resultante do Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa", o primeiro do pós-guerra sobre forças convencionais, juntamente com novas abordagens à segurança e cooperação dentro do processo da CSCE, "levarão a uma nova percepção da segurança na Europa". Primeiras ilações: da ex-CSCE à OSCE, o desanuviamento, os direitos humanos, a redução de armamentos e das forças armadas, as medidas para a criação de confiança e de segurança, tornaram-se um conjunto de objectivos positivos da organização aplicáveis ao longo das últimas duas décadas e meia, transformando-a num Fórum de diálogo e de cooperação euro-americano, com duas representações asiáticas (Coreia e Japão) e cinco mediterrânicas (Argélia, Egipto, Israel, Marrocos, Tunísia), como "parceiros da cooperação".

 

O papel de Portugal

A atitude política

Portugal tem feito a reafirmação política de todos os compromissos da "Acta Final de Helsínquia", sublinhando que os seus dez princípios têm um significado especial compatível com a "Carta das Nações Unidas".

Sucessivamente, 1) a República Portuguesa participou na Cimeira de Paris de 21 de Novembro de 1990; 2) integrou o "grupo de Estados Partes" que aprovaram o "Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa", tendo-o ratificado em 1992; 3) por iniciativa de Portugal, no âmbito da "Carta de Paris para uma Nova Europa", em relação ao mar e aos países mediterrânicos (em Helsínquia II, Julho de 1992), foi sugerida a necessidade de uma maior cooperação com o Mediterrâneo; a proposta de Portugal mencionava a necessidade de se procurarem novas iniciativas para diminuir as assimetrias na bacia mediterrânica, deixando esta missão a outras organizações, como a Comunidade Europeia; 4) em articulação com a redução das armas convencionais, foi assinado na Cimeira da CSCE de Helsínquia II um documento fixando os limites dos efectivos militares. Portugal fixou em 80 mil homens o conjunto das suas forças terrestres e aéreas.

A Cimeira de Lisboa

Em traços gerais pôs termo a um período de indefinição relativamente aos objectivos da OSCE, durante o qual se debateram duas maneiras distintas de pensar o futuro da organização. Do lado de Moscovo o objectivo era transformar a OSCE nas "Nações Unidas da Europa" enquanto quadro primordial de segurança da Europa inteira, tal como se anunciou por ocasião da primeira reunião do seu Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros realizada em Berlim em 12 de Julho de 1991. Haveria também um "conselho de segurança" onde teriam assento as grandes potências europeias e euroatlânticas. As consequências desta posição seriam a desvalorização da NATO, reduzindo-lhe o seu papel como instrumento militar.

Da parte dos Estados Unidos, apostava-se na organização apenas enquanto fórum amplo de diálogo entre Estados comprometidos no respeito pelos Direitos Humanos, pela Democracia e com renúncia ao uso da força para a resolução de conflitos ou alteração de fronteiras. Integrando 54 países, com deliberações por consenso, e não dispondo de instrumentos próprios para impor decisões, a OSCE não poderia ser mais do que as "Nações Unidas da Europa". Aliás, como afirmou Peter Tarnoff, Subsecretário de Estado para os Assuntos Políticos, "a NATO, as relações com a União Europeia e a OSCE são os três elementos constitutivos da "nossa" diplomacia europeia".

Acabaram por prevalecer, na Cimeira de Lisboa, os objectivos ocidentais com o reconhecimento do alargamento posterior da NATO a três países de Leste (República Checa, Hungria, Polónia) e a aceitação, por Moscovo, da Parceria NATO – Rússia.

Muita política, pouca economia

Foi neste ambiente que o governo português, aproveitando uma rara divergência anglo-americana (custos da cimeira versus indesejável estabilização de uma organização da qual os americanos não gostam), ofereceu-se, em 1993, para anfitrião da Cimeira de Dezembro de 1996; em Lisboa.

Após uma longa conversa com E. Primakov, Jaime Gama afirmou: "Não somos hospedeiros turísticos". Neste contexto, a diplomacia portuguesa teve intervenções na questão de Nagorno-Karabahk e nas negociações sobre o documento chave da Cimeira, o "Documento de Lisboa sobre um Modelo de Segurança na Europa para o Século XXI". Para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português o próprio título do Documento já representava uma derrota das teses minimalistas às quais Portugal, na linha dos seus parceiros da UE, se opunha. Esta dimensão conceptual do problema deixava para trás as visões mais pragmáticas dos britânicos e norte-americanos que se inclinavam antes para uma "Agenda" e não tanto para um "Modelo".

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A divergência não era bizantina, uma vez que estava em causa o abrir de caminhos para a negociação de uma "Carta de Segurança Europeia" que, em Lisboa, acabou por receber os primeiros impulsos políticos indispensáveis para começar a tomar forma. António Guterres, antecipando argumentos, relacionou na sua intervenção uma tríade de valores: a Paz, a Democracia e os Direitos Humanos. Congratulou-se a seguir com a definição dos parâmetros e objectivos da revisão do "Tratado sobre as Forças Armadas Convencionais na Europa", referindo-se ainda à missão internacional da Bósnia como "um bom modelo de um conceito de instituições que se reforçam mutuamente" estando a ser posto em prática de modo eficaz. Entre os quase duzentos encontros bilaterais, o Primeiro Ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros participaram em dezoito, traduzindo-se este facto numa mais-valia da diplomacia portuguesa, bastante concentrada nas Repúblicas da ex-URSS com o intuito de estender àquela região a diversificação das relações externas de Portugal.

O Presidente da República, Jorge Sampaio, chamou a si apenas as funções de representação do Estado, tendo recebido, à margem dos trabalhos da Cimeira, Al Gore com quem dialogou sobre Angola, a NATO, a Bósnia e Timor. O Vice-Presidente americano enalteceu a criação da CPLP. Jorge Sampaio recebeu ainda o Primeiro Ministro checo, Vaclav Klaus, o Presidente polaco, Alexander Kwasniewski, e os Presidentes da Ucrânia (país onde se deslocaria, em visita oficial, em Abril de 1998) e da Estónia.

As Forças Armadas portuguesas não participaram, desde a Cimeira até hoje, em missões da OSCE nem terão divulgado qualquer intenção de participação. No entanto, não se deve inferir desta situação que o Estado português se tenha desinteressado da necessidade de relacionamento entre a OSCE-NATO-UEO-ONU. No que toca à OSCE a perspectiva portuguesa tem vindo a ser a de apoiar a sua completa institucionalização de molde a garantir-lhe os mecanismos político-diplomáticos que a habilitem a actuar no domínio da prevenção dos conflitos. Intenção expressa no apoio à constituição do Centro que, em Viena, tem prosseguido esta finalidade.

A OSCE tem vindo a estreitar relações com a NATO, a União Europeia e a UEO. Esta última enquanto possível "braço armado" da defesa comum dos Estados que já compõem a União Europeia. Deste aprofundamento das relações entre todas estas organizações poderia resultar um Tratado que conferisse aos principais poderes, e em especial aos Estados Unidos e à Rússia, um papel importante, designadamente pela colocação de forças militares à disposição da OSCE, para garantia da estabilidade e da paz europeia. Uma primeira decisão neste sentido terá provindo da reunião da NATO (Oslo, 4 de Junho de 1992) tendo em vista disponibilizar as capacidades da Aliança para actuar no âmbito da "manutenção da paz" em resposta a solicitações sob os auspícios da ONU e da própria OSCE.

Do ponto de vista nacional, ao ser feita a avaliação dos resultados da Cimeira da OSCE em Lisboa, em documento emanado da Direcção-Geral dos Assuntos Multilaterais do Ministério dos Negócios Estrangeiros, datado de 6 de Dezembro de 1996, afirmava-se que "os desenvolvimentos possíveis no âmbito da OSCE estão (...) condicionados por questões como a adaptação e o alargamento da NATO, o alargamento da União Europeia, a definição da identidade europeia de segurança e defesa e a redefinição das relações com a Rússia".

Pode ler-se também, no 3° parágrafo deste documento, que "numa organização em que as decisões são tomadas por consenso, várias questões de interesse unilateral ou bilateral podem bloquear ou tornar refém o processo decisório, limitando por vezes o alcance dos documentos aprovados". Em síntese, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, podia afirmar-se que "num quadro de expectativas realistas os resultados da Cimeira corresponderam" ao que seria legítimo esperar". A excepção, ainda segundo o MNE, relacionou-se com "a pretensão da UE de ver aprovado como texto autónomo, embora anexo à "Declaração sobre o Modelo de Segurança" a "Plataforma de Segurança Cooperativa" da sua iniciativa, se bem que elementos importantes da "Plataforma" tivessem sido integrados na "Declaração". Carecendo de um poder político-militar próprio, a OSCE teve e terá um papel inestimável à paz entre os países europeus, alguns deles situados em áreas da mais grave instabilidade.

Quanto ao contributo que Portugal poderá dar para uma futura comunidade pluralista de segurança e cooperação europeia, deve tomar-se em conta que pertence à UE, à NATO e à OSCE, onde deve participar em resposta a crises e desafios específicos, de acordo com uma visão mais alargada dos interesses nacionais. Que não se restringem ao processo de integração europeu ocidental. Observe-se que Portugal também faz parte do Conselho da Europa, da OCDE, da UEO e, desde há quatro décadas, de outras organizações mundiais, como a ONU.

 

Informação Complementar

OSCE – Estados participantes

Albânia, Alemanha, Andorra, Arménia, Áustria, Azerbaijão, Bélgica, Bielorrússia, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Canadá, Cazaquistão, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos da América, Estónia, Federação Russa, Finlândia, França, Geórgia, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Jugoslávia, Letónia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macedónia, Malta, Moldava, Mónaco, Noruega, Polónia, Portugal, Quirguízia, República Checa, Roménia, Reino Unido, Santa Sé, São Marino, Suécia, Suíça, Tajiquistão, Turquia, Turquemenistão, Ucrânia, Uzbequistão.

 

CSCE/OSCE – Datas marcantes

Assinatura da «Acta Final de Helsínquia» – 1 de Agosto de 1975
- Reconhecida como o texto fundador da CSCE. Participaram 35 Chefes de Estado.

Reunião de Belgrado -1977-78
- Testemunhou uma vez mais o desacordo entre o Ocidente e o Leste europeu.

Reunião de Madrid – 1980-83
- Aprovou um documento final sobre Direitos Humanos e outro que fixou um mandato para a realização de uma conferência sobre desarmamento na Europa.

Reunião de Viena -1986-89
- Aprovou um documento sobre novos compromissos em matéria de Direitos Humanos. Lançou também duas séries de negociações sobre o desarmamento. A primeira referente à redução das forças convencionais na Europa, assinada em Novembro de 1990. A segunda resultou num acordo sobre as medidas de confiança destinadas a incrementar a transparência militar.

Cimeira de Paris – Novembro de 1990
- Foi aprovada, por 39 países, a «Carta de Paris para uma Nova Europa». A CSCE aparece dotada de novas instituições. Termina a guerra fria.

Cimeira de Helsínquia II – Julho de 1992
- Sessão Plenária dirigida pela Santa Sé. 51 países produzem um documento chamado «Os Desafios da Mudança», acentuando o reforço da segurança, operações de manutenção da paz e aprofundamento da identidade institucional. Nesta Cimeira, o Primeiro-Ministro britânico John Major, apresentou uma proposta para a criação do cargo de Secretário-geral da CSCE.

Cimeira de Budapeste – Dezembro de 1994
- A Conferência passou a designar-se OSCE – Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.

Cimeira de Lisboa – Dezembro de 1996
- Constituiu-se numa avaliação da situação geral da segurança na Europa. Foi aprovada uma «Declaração sobre um Modelo de Segurança para o Século XXI» e iniciou-se o processo de elaboração futura, no âmbito da OSCE, de uma «Carta de Segurança Europeia».

 

Representação Permanente de Portugal Junto da CSCE em Viena

Embaixador – José Maria de Almeida Shearman de Lemos Macedo.
Conselheiros de Embaixada – Rui Nogueira Lopes Aleixo, Maria da Braça Queiroz Gonçalves Pereira.
Secretários de Embaixada – João Bernardo Weinstein, Manuel Maria Camacho Cansado de Carvalho.
Conselheiro Militar – Coronel António José Claro Pinto Guedes.

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* António Neves Berbém

Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa. Mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas/UTL. Professor Auxiliar na UAL. Livreiro.

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