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Onde estou: | Janus 1998 Supl. F.A. > Índice de artigos > Projecção internacional de defesa e segurança > [Portugal na Identidade Europeia de Segurança e Defesa] | |||
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Obra notável, se nos recordarmos que ainda há menos de uma década a Aliança Atlântica evidenciava uma crise de identidade — que não afectava outras organizações europeias como a União Europeia e a UEO —, parecendo dar razão a Yuri Arbatov quando referiu: "Vamos criar-lhes um problema; deixamo-los sem inimigo". Contudo, a realidade é que, seis anos depois de Maastricht, é a UE que continua penosamente em busca da sua vocação estratégica, do seu lugar na ordem multipolar que progressivamente emerge e dos mecanismos para melhor se impor na cena internacional. Em Maastricht foram lançadas as bases de uma união política europeia, sustentada por uma Política Externa e de Segurança Comum. Mas a sangrenta implosão jugoslava pôs a nu a impotência, as divisões e a fragilidade dos propósitos da União. Em contrapartida, graças ao papel desempenhado na aplicação dos acordos de Dayton, os EUA regressam triunfalmente ao cerne das crises europeias e a NATO vê consolidado o consenso sobre as suas virtualidades no pós-guerra fria. Na ausência de acordo sobre os novos objectivos da UE e perante teses contraditórias sobre o que deve ser a União no novo contexto internacional, os europeus foram progressivamente reconhecendo que uma defesa europeia autónoma apenas pode ser construída no quadro da Aliança. A Identidade Europeia de Segurança e Defesa ganhou nova ênfase quando o Conselho do Atlântico, reunido em Berlim em 1996, reconheceu o princípio de um "pilar europeu" da NATO, naquilo que parece traduzir uma Identidade Europeia de Segurança e Defesa, a partir do qual a UE poderia avançar rumo a uma PESC mais eficaz. Mas a verdade é que essa Identidade aparece como um objectivo comum não definido. Dir-se-á, porventura com razão, que o que vem sendo feito em matéria de segurança e defesa na Europa está de acordo com a estratégia americana, não europeia, e que pode ou não coincidir com os interesses da Europa. Ora, o problema é realmente esse: não há uma definição clara de quais são os interesses comuns europeus, não existindo, portanto, uma estratégia europeia. A última prova disso mesmo foram os fracassos no Conselho Europeu de Amesterdão em Junho de 1997. O único resultado efectivo da reforma em matéria de segurança e defesa foi a consagração das missões de Petersberg (operações humanitárias, de evacuação, de manutenção da paz e de imposição da paz) como atribuições da UE. A UEO, definida em Maastricht como o "braço armado" da UE, permanece numa situação indefinida e incómoda, numa balança virtual entre a NATO e a UE. E isto porque os países membros não ultrapassaram as suas divergências. Como é natural a Cimeira da Aliança que se seguiu, em Madrid, deixou claro que a segurança europeia do pós-guerra fria se fará em torno da NATO e sob liderança americana, interrompendo aí o sonho de uma defesa europeia autónoma e, porventura, em competição com a NATO. A Política Externa e de Segurança Comum conta com instrumentos económicos, mas não com o instrumento militar. Por isso, é basicamente declarativa e tem uma credibilidade limitada. Dotar-se de um elemento de defesa é, provavelmente, o "ser ou não ser" da PESC. Por enquanto não existem condições para uma eficaz política externa ou uma política de defesa comuns na UE. Os interesses, enfoques e tradições dos países membros são muito divergentes e pesam mais do que os interesses comuns. Todavia, a dinâmica da integração económica está em marcha, com a UE a concentrar esforços na realização da união monetária. Muitos anseiam por que a moeda única seja o catalisador de novos progressos na integração política, acreditando ser cada vez menor a margem para políticas externas e de defesa independentes. Nesta lógica, a prazo, também se poderia antever uma clara identidade europeia de segurança e defesa, mas o facto é que são muitos os factores que influenciam o seu ritmo e/ou a sua concretização. Incontornável é que existe hoje um compromisso norte-americano sólido com a defesa da Europa, consensualmente considerado indispensável, se bem que uma Europa dependente em demasia dos EUA não dispõe de autonomia suficiente para resolver os seus próprios problemas e alcançar os seus próprios objectivos. Neste contexto, a Identidade Europeia de Segurança e Defesa deve, sem dúvida, ser desenvolvida, mas no quadro da NATO.
E Portugal? A posição portuguesa é hoje claramente favorável à Identidade Europeia de Segurança e Defesa, apoiando o emprego pela UEO dos meios da NATO e a progressiva integração da UEO na UE. Sustenta também uma UE dotada de uma política de defesa comum, baseada numa cláusula de assistência em matéria de defesa, e a atribuição de meios para levar a cabo as missões de Petersberg. Ao mesmo tempo, a diplomacia portuguesa não deixa de salientar a importância de aprofundar o diálogo transatlântico, defendendo também a necessidade de uma solução aceitável para os países neutros e "associados" da UEO. Significa isto que Portugal tem resvalado, de uma forma mais ou menos subtil, para urna certa "europeização" na sua orientação estratégica, quando a nossa posição tradicional é "atlantista", sustentada na aliança com a potência marítima dominante? É difícil e até perigoso afirmá-lo, mas alguns elementos parecem apontar nesse sentido. Recordemos o discurso português durante a presidência da UEO, no primeiro semestre de 1995; o facto de, também nesse ano, Portugal ter aderido à EUROFOR e à EUROMARFOR, com a França, a Espanha e a Itália, face à alternativa de associação ao Reino Unido e Holanda noutra área de intervenção, é significativo; a redefinição da posição portuguesa relativamente ao Eurocorpo; a eleição de um português, o Embaixador José Cutileiro, como Secretário-Geral da UEO, perante competidores tradicionalmente mais "europeístas" e "continentalistas" como Espanha e Itália; a constante reafirmação de uma especial vocação portuguesa para as questões de defesa e segurança no Mediterrâneo, abandonando o âmbito mais restrito da ortodoxia "atlantista"; e, por fim, a defesa da iniciativa franco-alemã da integração em três etapas da UEO na UE, por ocasião da Conferência Intergovernamental (CIG). Por outro lado, a estratégia tradicional de Portugal foi, historicamente, de vincar a descontinuidade (quando não mesmo a oposição) relativamente a Espanha, bem expressa pelo facto de não partilharmos praticamente nenhuma organização relevante com os espanhóis. Hoje a situação é bem diferente, com Espanha e Portugal a integrarem o mesmo sistema colectivo de defesa e as mesmas organizações internacionais de cariz económico ou político. E mesmo nas questões comunitárias Portugal aparece mais vezes do mesmo lado de Espanha do que do lado britânico. E natural que isto tenha os seus efeitos. Curiosamente, tudo isto não significa uma ruptura com a tradicional postura diplomática portuguesa. O quadro é que evoluiu e, com ele, a posição portuguesa. Portugal conhece bem as reservas britânicas e, portanto, sabe que pode contar com esse "travão"; e a diplomacia portuguesa salienta sempre a necessidade de intensificar o diálogo transatlântico. Por outro lado, é certo que os EUA não aceitarão, pelo menos em breve, o desenvolvimento de uma identidade europeia de segurança e defesa autónoma. Pelo que a orientação geopolítica tradicional de Portugal e o seu contexto euro-atlântico não surgem grandemente alterados. A verdade é que, ao afirmar explicitamente que nada do que é europeu lhe é estranho (como demonstra a participação militar na Bósnia) e ao dar sinais evidentes de "identificação" europeia, Portugal procura evitar que um "núcleo duro" nos remeta para a "perifericidade" ou para uma marginalização no espaço decisivo onde se jogam os interesses nacionais. Ou, como refere Durão Barroso, "não é exagero afirmar que a evolução da posição portuguesa em matéria de identidade europeia de segurança e defesa se explica basicamente pelas mesmas razões que levaram Portugal a integrar desde o início o sistema de Schengen e a aderir ao SME." Ou seja, Portugal procura reforçar-se em ambos os tabuleiros, orientando a sua posição político-diplomática para não ficar "secundarizado" na Europa, sendo favorável a uma identidade europeia de segurança e defesa que, sobretudo pela obstinação britânica e pelas reticências americanas, de todos conhecidas, continuará a decorrer no quadro da NATO.
Informação Complementar Processo Político da Identidade Europeia de Segurança e Defesa 4 de Março de 1947 - França e Reino Unido estabelecem o Tratado de Dunkerque, contra nova eventual hegemonia alemã. 17 de Março de 1948 - pelo Tratado de Bruxelas, França, Reino Unido e Benelux criam a Organização de Defesa da União Ocidental. 4 de Abril de 1949 - Tratado de Washington cria a Aliança Atlântica: EUA, Canadá, Bélgica, França, Luxemburgo, Holanda, Reino Unido, Dinamarca, Islândia, Itália, Noruega e Portugal, são os fundadores. 27 de Maio de 1952 - Tratado constitutivo da Comunidade Europeia de Defesa, com a França, Reino Unido, Benelux, RFA e Itália, prevendo a criação de um Exército Europeu. Em Fevereiro desse ano, a Grécia e a Turquia tinham aderido à NATO. 23 de Outubro de 1954 - reforma do Tratado de Bruxelas de 1948, criando a UEO e onde se prevê uma cooperação estreita com a NATO. Em Maio de 1955, a RFA adere à NATO. 25 de Março de 1957 - Tratado de Roma prevê a constituição da CEE. 1970 - Dentro da CEE, os primeiros passos na coordenação em matéria de política externa desenvolvem-se a partir do "Informe Davignon". 1975 - A Conferência para a Segurança e a Cooperação na Europa (CS-CE) culmina na Cimeira de Helsínquia. 1986 - No ano em que Portugal e Espanha aderem às Comunidades, o Acto Único formaliza o sistema de consultas e de coordenação; nasce, assim, a Cooperação de Política Externa, com carácter estritamente intergovernamental, não vinculativa. 1989-1991 - Fim da guerra fria e implosão da URSS. 7 de Fevereiro de 1992 - Tratado de Maastricht cria a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) como um dos três "pilares" da União Europeia, prevendo a constituição de uma política de defesa comum, a prazo, em que a UEO séria o "braço armado" da União. Guerra na ex-Jugoslávia colocou em xeque o Tratado de Maastricht, demonstrando as profundas divisões europeias e denunciando que ao carecer de um elemento militar próprio a política externa da União é pouco credível. 3 de Junho de 1996 - no Conselho Atlântico reunido em Berlim dá-se um passo significativo na autonomia europeia de segurança e defesa, pois reconhece-se o princípio de um "pilar europeu" da NATO e criam-se as "missões de Petersberg", supondo uma profunda interligação nas relações entre a UEO e a NATO. A defesa colectiva europeia face a um ataque exterior continua responsabilidade da NATO (conforme os art. 5° do Tratado de Washington e art. 5° do Tratado de Bruxelas), mas as novas missões de gestão de crises (excluídas dos art. 5° dos citados tratados), ou missões Petersberg, poderão ser realizadas sob responsabilidade da UEO, com meios colectivos ou "forças separáveis" da NATO. O tipo de missões citadas são operações humanitárias, de evacuação, manutenção da paz e imposição da paz. 2 e 3 de Dezembro de 1996 - Cimeira da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), em Lisboa, aceita para si uma vocação limitada de fórum de diálogo e de cooperação e reconhece implicitamente o papel central da NATO na ordem de segurança na Europa, consagrando, portanto, os objectivos e as teses ocidentais. 9 de Dezembro de 1996 - Cimeira franco-alemã: Khol e Chirac dirigiram apelo ao Presidente da Conselho Europeu pedindo a inserção progressiva da UEO na UE — a Conferência Intergovernamental deveria fixar um plano por etapas. Portugal apoiaria o plano alemão. Crise na Albânia confirma escassa capacidade da UE e da UEO para fazerem sentir a sua influência na cena internacional. Embora alguns países argumentassem que esta era a ocasião perfeita para utilizar a UEO nos termos de Maastricht, a oposição do Reino Unido e da Alemanha tornou-o impossível. A força multinacional que actua na Albânia é formada unicamente por países voluntários (uns pertencem à UE, outros não). 27 de Maio de 1997 - assinatura, em Paris, do Acto Fundador entre a NATO e a Rússia, através do qual as suas relações ultrapassam o simples domínio de cooperação para se transformarem numa parceria estratégica, abrindo definitivamente as portas para o alargamento da NATO a Leste. Março de 1996 a Junho de 1997 – Conferência Intergovernamental (CIG) que para além de avaliar o funcionamento passado da União, teria que se debruçar sobre as mudanças institucionais — ou seja, sobre a questão do aprofundamento — e de avaliar, em todas as suas facetas, o processo de alargamento, no sentido de dotar a União de meios que lhe permitam a adesão de novos Estados membros. Junho de 1997 – Conselho Europeu de Amesterdão: do ponto de vista da segurança europeia, as duas questões cruciais — a relação entre o alargamento da NATO e da UE — mantêm-se em aberto. Os avanços conseguidos quanto ao II pilar do Tratado dizem respeito, sobretudo, a uma forma um pouco mais expedita de tomar decisões e à consagração das missões de Petersberg como atribuições da UE. Junho de 1997 – Cimeira da NATO em Madrid — com os EUA a chegarem numa posição de supremacia quase absoluta, consagrou-se que a segurança europeia do pós-guerra fria se fará em torno da NATO e sob a batuta americana. Apresentando o alargamento da NATO a apenas 3 dos países candidatos (Hungria, República Checa e Polónia) como "facto consumado" e inviabilizando outras propostas europeias, os americanos anularam qualquer tentativa de articulação entre os alargamentos da NATO e da UE. Contudo, ficou ainda por resolver a questão do relacionamento e da partilha de responsabilidades entre aliados americano e europeu e a sua tradução na "europeização" da Aliança.
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