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Portugal e os Estados Unidos no “ano horrível” de 1961

Luís Nuno Rodrigues *

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O presente texto tem como objectivo essencial fornecer uma base factual para o estudo das relações políticas e diplomáticas entre Portugal e os Estados Unidos durante o importante ano de 1961. Para isso, concentra-se naquele que terá sido um dos principais pontos de discórdia entre os dois países: o posicionamento dos Estados Unidos relativamente a Portugal e ao seu império colonial, no seio da Organização das Nações Unidas. Neste sentido, o ano de 1961 foi um "ano horrível" em termos do relacionamento dos dois países nesta instância multilateral.

Sistematicamente, os Estados Unidos votaram contra os "interesses" portugueses, causando em Lisboa profundo descontentamento. Por outro lado, este posicionamento dos norte-americanos era tanto mais incompreendido em Lisboa, quanto representava uma mudança em relação à política seguida até então. Com efeito, ainda em Dezembro de 1960, os Estados Unidos se abstinham de votar uma série de resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas condenando a política portuguesa em África. Nos primeiros meses de 1961, porém, esta política foi profundamente alterada e os novos princípios da política africana da administração de John Fitzgerald Kennedy passaram a determinar o voto da delegação norte-americana na ONU, chefiada por Adlai Stevenson.

Assim vai suceder ao longo de todo o ano de 1961, em sucessivas votações na Assembleia Geral, no Conselho de Segurança e noutras comissões especializadas da ONU. Em Março, os Estados Unidos votaram favoravelmente uma resolução do Conselho de Segurança sobre Angola; em Abril, na Assembleia Geral, apoiaram a criação de uma subcomissão composta por cinco países para examinar a situação em Angola; em Maio, com o voto favorável dos Estados Unidos, o Comité de Informações sobre os territórios não autónomos aprovou uma resolução em que se denunciava Portugal por não fornecer às Nações Unidas quaisquer informações sobre os territórios que administrava; em Junho, os americanos votaram de novo a favor de uma resolução condenando Portugal pelas suas acções em Angola e recomendando às autoridades portuguesas que desistam de "medidas repressivas" no território; em Novembro, os Estados Unidos apoiam uma resolução da Comissão de Tutelas da ONU, que condena a política portuguesa em África; e finalmente, em Dezembro, dão o seu voto a mais duas resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, fortemente críticas da política colonial portuguesa.

Como explicar semelhante mudança de política por parte dos Estados Unidos? As votações da delegação americana na Organização das Nações Unidas têm de ser entendidas à luz do contexto mais vasto das relações luso-americanas no início da década de 60. Ora, a verdade é que o ano de 1961 marca o início de um período particularmente delicado na história do relacionamento entre os dois países. Nele convergem uma série de acontecimentos de grande importância, tanto do lado dos Estados Unidos, como do lado português, que vão ser determinantes na formulação da política externa de ambos os países. Do lado americano, os factos fundamentais foram a eleição do presidente John Fitzgerald Kennedy e a formulação de uma nova política africana, a nível interno, com especial destaque para o problema da emancipação negra e, a nível externo, com uma redobrada atenção aos problemas africanos. A preocupação essencial dos Estados Unidos em África foi a de se colocarem ao lado dos novos países emergentes naquele continente e de apoiarem e incentivarem os movimentos de autodeterminação e de independência, para assim evitarem o aumento da influência soviética no continente africano. Aplicada à questão portuguesa, a política africana da administração Kennedy reflecte-se num relatório produzido em 1961 por uma "task force" presidencial nomeada pelo presidente para analisar os territórios ultramarinos portugueses. Assim definida, esta política africana iria necessariamente entrar em choque com a política colonial portuguesa.

Em Portugal, o ano de 1961 vai ser ele também especialmente conturbado. O regime sofre um primeiro sobressalto com o episódio do Santa Maria, protagonizado por Henrique Galvão. Depois, a nível interno, opera-se uma importante recomposição da elite dirigente, com o afastamento de cargos governativos de uma facção que de alguma maneira apoiaria uma evolução mais liberalizante dentro do próprio regime. O desfecho da famosa "abrilada" de 1961 permite a Salazar afastar algumas chefias militares, críticas em relação à sua política nacional e colonial. A política externa, por seu lado, vai continuar a ser definida primordialmente em função da sobrevivência do próprio regime salazarista. Ou seja, o factor determinante na definição da política externa é a sobrevivência do regime que, de acordo com o pensamento dos principais responsáveis pela definição da política externa, se encontrava intrinsecamente ligada à manutenção do império colonial.

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O que vai suceder com especial incidência a partir de 1961 é que os interesses julgados como fundamentais pelos responsáveis políticos das duas nações vão entrar em choque. Na altura em que os Estados Unidos definem como política primordial em África o apoio à autodeterminação das novas nações africanas, inicia-se a guerra colonial em Angola para onde Portugal se desloca "rapidamente e em força". No mesmo ano, a União Indiana ocupa Goa, Damão e Diu, mediante protestos dos Estados Unidos, é certo, mas que não chegam para convencer Salazar da sinceridade das palavras americanas.

Para complicar os dados da questão, nesta altura em que as relações entre Portugal e os Estados Unidos se deterioram em virtude da questão colonial, o agudizar do clima de guerra fria (com as crises de Berlim e de Cuba em 1961 e 1962) vem relembrar à administração Kennedy a importância estratégica da aliança com Portugal e da base dos Açores e, de certa maneira, sugerir alguma moderação aos políticos norte-americanos. Por seu turno, Portugal ressente-se da política africana dos americanos e dos frequentes ataques na ONU e começa a colocar interrogações sobre a solidariedade ocidental em relação aos seus próprios problemas.

Assim, embora no final deste ano os Estados Unidos tenham votado ao lado de Portugal na condenação da União Indiana, a posição de fundo dos Estados Unidos só viria a ser alterada já durante o ano de 1962 quando o governo português usa as negociações para um novo acordo de utilização da base das Lajes, nos Açores, para forçar os americanos a uma posição mais consentânea com os interesses portugueses. No final de 1961, porém, ficava no ar a ameaça do ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira: se os Estados Unidos tomarem nova atitude "hostil" a Portugal nas Nações Unidas, "deve o Governo americano estar consciente... que o facto terá as mais graves repercussões nas relações entre os dois países, que tais relações deixarão de ser, no plano bilateral, o que actualmente são, devendo considerar-se como terminadas e finda a posição de que os Estados Unidos têm beneficiado em Portugal" (1).

 

Informação Complementar

O Volte-Face Americano: 1962 e as negociações da Base das Lajes

A situação de quase ruptura atingida nas relações luso-americanas ao longo do ano de 1961 conheceu uma significativa alteração no ano seguinte. A razão essencial para que tal sucedesse foi a existência da base naval e aérea das Lajes, nos Açores. Com efeito, no final de 1962 chegava ao fim o acordo assinado entre Portugal e os Estados Unidos em 1957 que autorizava as forças norte-americanas a utilizarem a referida base por um período de cinco anos. O clima de tensão vivido entre os dois países em 1961 em nada ajudava às negociações que se iniciaram a meio de 1962. O Governo português procurou então utilizar a base das Lajes como "arma" negocial, tendo em vista uma modificação do comportamento internacional dos Estados Unidos, nomeadamente no que respeitava à Organização das Nações Unidas. A pressão portuguesa surtiu algum efeito. A delegação norte-americana naquela organização internacional foi modificando gradualmente o seu sentido de voto ao longo de 1962, culminando com o voto dos Estados Unidos na Assembleia Geral da ONU a 15 de Dezembro desse ano contra três resoluções censurando a política de Potugal em África. Paralelamente, os Estados Unidos apresentaram no plenário da ONU uma proposta, trabalhada em conjunto com a diplomacia portuguesa, para a criação da figura de um "relator internacional" para os territórios de Angola e de Moçambique.

De qualquer modo, o governo português não aceitou renovar o acordo das Lajes. A solução encontrada foi a de que as tropas americanas poderiam continuar nos Açores enquanto as negociações com vista a um futuro acordo não fossem concluídas. Deste modo, Portugal conseguia que os Açores continuassem a ser um meio de pressão sobre os Estados Unidos, mantendo aberta a opção de declarar as negociações por terminadas sempre que o governo americano "pisasse o risco" e voltasse às políticas de 1961. As negociações, na verdade, não seriam concluídas nos anos que se seguiram e apenas em 1971, já num cenário substancialmente diferente, os dois países voltariam a assinar um acordo sobre a utilização da base das Lajes.

__________
1 Arquivo do Ministério dos negócios Estrangeiros, PAA, Maço 288. Publicado em Franco Nogueira, Diálogos Interditos, parte Primeira (1961-2962-1963), Lisboa, Editorial Intervenção, 1979, pp. 70-75.


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* Luís Nuno Rodrigues

Doutorando na Universidade de Wisconsin, Madison, EUA. Bolseiro da Fundação Ciência e Tecnologia. Docente na UAL.

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Dados adicionais
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