Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 1999-2000 > Índice de artigos > Um olhar para o passado > [A história militar medieval portuguesa]  
- JANUS 1999-2000 -

Janus 2001



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

A história militar medieval portuguesa

João Gouveia Monteiro *

separador

A história militar portuguesa da Idade Média é um continente apaixonante, mas ainda muito mal conhecido, da história medieval do nosso país. E, contudo, é sabido que Portugal se formou na guerra e a partir da guerra. A própria criação do Condado Portucalense foi uma resultante da ameaça militar almorávida. Estabelecido o condado, logo se tratou de o ampliar. E isso só foi possível, de novo, pela guerra. Neste caso, a guerra da Reconquista, que se prolongaria até muito perto dos finais do século XIII. Quando, em 1297, D. Dinis assinou em Alcanices o tratado que, mutatis mutandis, definiria as fronteiras de Portugal até aos nossos dias, pode dizer-se que terminava a etapa mais importante da grande aventura guerreira que acabara por dar corpo ao pequeno estado português. E, no entanto, de guerra se continuou a falar, pêlos séculos XIV e XV adiante. Uma guerra que visava, agora, sobretudo defender a integridade territorial do nosso reino e, se possível, alargá-lo. Percebemos, portanto, que a guerra não foi uma ocorrência excepcional na sociedade medieval portuguesa. Os castelos e os escudos presentes nos símbolos concelhios e nas insígnias régias constituem apenas os testemunhos iconográficos mais conhecidos dessa íntima relação, que marcou como ferro em brasa os primeiros séculos da nossa nacionalidade. Torna-se, assim, irrecusável encarar de uma forma rigorosa a história militar medieval portuguesa. Muito em especial as seguintes quatro vertentes:

 

O recrutamento e a organização militar

Trata-se aqui de saber quem fazia a guerra e em que condições 'contratuais'. Na Idade Média, não havia exércitos permanentes. A hoste régia era composta ad hoc, sempre que a iminência da abertura das hostilidades o aconselhava. Essa hoste assentava em dois tipos de contributos: o da nobreza e o dos concelhos. Durante bastante ' tempo, os nobres serviram o rei na guerra em resultado das obrigações feudo-vassálicas a que estavam sujeitos. Além da sua pessoa, deviam apresentar também um certo número de "lanças", ou seja, de guerreiros convenientemente equipados e parte deles montados. Entretanto, na segunda metade do século XIV começaram a multiplicar-se os casos de contratação estipendiaria, campanha a campanha, do serviço militar dos nobres; o "soldo" afirmou-se como um argumento decisivo e chegaram mesmo a aparecer em Portugal verdadeiras 'companhias de aventura', com assinalável participação de guerreiros de origem nobre. Já o recrutamento concelhio estava bastante mais regulamentado. Comportava essencialmente duas modalidades.

 A primeira correspondia ao serviço dos "cavaleiros-vilãos" (ou "aquantiados", desde o século XIV), pequenos proprietários livres que, por possuírem bens suficientes para adquirir um cavalo (ou certas armas), prestavam serviço militar ao rei, gozando em contrapartida de uma série de privilégios. A segunda modalidade correspondia aos chamados "besteiros do conto", que eram mesteirais exercitados na arte do tiro com besta, recrutados nos concelhos em quantidade pré - estabelecida e que, por servirem o rei na guerra, gozavam, também eles, de diversas regalias. A todos estes combatentes poderiam depois acrescentar-se os oriundos das Ordens Militares, ou os dos contingentes de mercenários estrangeiros contratados, ou ainda alguns criminosos a quem a Coroa prometia perdoar. Ao todo, nos finais da Idade Média, as maiores hostes régias portuguesas devem ter reunido um total próximo dos 10.000 a 12.000 efectivos. Como é óbvio, tornava-se imperioso saber organizar convenientemente essa massa de gente, que para mais se juntava apenas por algumas semanas e não dispunha de disciplina própria. Coube ao alferes e, mais tarde, ao condestável e ao marechal, assegurar a boa ordem das colunas de marcha e o respectivo alojamento e abastecimento, para além da supervisão dos importantíssimos trabalhos de exploração do terreno e de espionagem do adversário.

Topo Seta de topo

 

As tácticas e operações militares

Os chefes militares medievais dispunham de alguns conhecimentos teóricos sobre a arte de fazer a guerra, bebidos em traduções de tratados da Antiguidade e nos romances de cavalaria. Sabia-se como organizar ataques concêntricos, por mar ou por terra, e sabia-se sobretudo como actuar tacticamente em três tipos de situações principais: em batalha campal (bastante raras na época, pois tinham custos e riscos muitos elevados); em operações de cerco de castelos (extremamente vulgares e geralmente muito arrastados, devido à supremacia dos meios defensivos); e, especialmente, em 'acções de guerrilha', as mais características de toda a guerra medieval. Torna-se, assim, extremamente aliciante reconstituir a história das campanhas que envolveram os nossos exércitos medievais portugueses. Designadamente aquelas que marcaram o avanço da Reconquista (com o seu longo cortejo de cercos e de tomada de cidades meridionais ocupadas pêlos muçulmanos), as relacionadas com as três guerras fernandinas contra Castela, as associadas à revolução de 1383-85 (que incluiu cercos imponentes - como os de Lisboa, Alenquer, Torres Vedras, Chaves, ou Melgaço, entre muitos outros - mas também algumas batalhas, como Atoleiros, Trancoso, Aljubarrota e Valverde) e, finalmente, as resultantes da ocupação e afastamento da Regência do reino pelo infante D. Pedro, tragicamente liquidado na batalha de Alfarrobeira (junto a Alverca) em Maio de 1449.

 

As armas e os castelos

Conhecer a arte medieval de fazer a guerra implica também estudar com rigor o armamento utilizado nos combates. Desde logo o equipamento defensivo dos guerreiros, que, no Portugal medieval, pouco ficava a dever aos seus congéneres europeus: protecções de cabeça como os elmos e os bacinetes (com as respectivas peças suplementares, destinadas à defesa do nariz, do queixo ou do pescoço); protecções de tronco como as lorigas (feitas de anéis metálicos entrelaçados), as couraças (coletes de couro acolchoados e forrados com lâminas de ferro) e as célebres armaduras de placas metálicas; e protecções dos membros superiores e inferiores, interligadas ou não com as restantes e incluindo peças como as luvas e os sapatos de ferro. Depois, há a considerar o armamento ofensivo individual. Por um lado, as 'armas brancas', especialmente a espada e a lança (que eram as armas-rainhas dos cavaleiros), mas também as maças, as achas-de-armas e uma grande variedade de outros 'cacetes', muito utilizados pela peonagem. Por outro, as 'armas de arremesso', em especial a besta, que disparava projécteis capazes de derrubar os cavaleiros das suas montadas, ou mesmo de os matar. Importante é ainda a análise do fabrico e utilização das primeiras armas de fogo: os "trons" ou "bombardas", esses antepassados dos canhões, praticamente só utilizados em operações de cerco até aos finais da Idade Média, devido às dificuldades que o seu peso, deficiente pontaria e demoradíssima recarga colocavam. Entretanto, é curioso registar que os progressos evidenciados ao nível do armamento obrigaram os arquitectos a repensar os seus castelos. É que o castelo românico, surgido em meados do século XII, fora concebido para uma resistência passiva. Dispunha de poucas soluções de 'contra-ataque' e confiava na altura imensa das suas muralhas. A partir de D. Dinis, porém, e tal como no resto da Península Ibérica, surgiu em Portugal o castelo gótico, que estava equipado com sistemas de "defesa activa", em especial graças aos "balcões com matacães" que coroavam algumas torres e ameias e que permitiam o despejo vertical de pesados pedregulhos e de materiais inflamáveis. Na segunda metade do século XIV, apareceriam ainda as barbacãs, pequenos muros avançados que ofereciam um primeiro obstáculo aos assaltantes e aos respectivos projécteis. Ao mesmo tempo, começou-se a procurar integrar nas próprias muralhas algumas peças de artilharia pirobalística, pelo que se rasgaram nas paredes dos muros pequenos orifícios circulares, conhecidos por "troneiras".

 

Consequências da guerra

Finalmente, não poderá ignorar-se a análise dos aspectos de inter-relacionação da guerra medieval com a estrutura da formação social coeva. Estudar a guerra é compreender a dimensão dos seus 'estragos' (em termos demográficos, económicos e mesmo psicológicos); mas é, ao mesmo tempo, perceber também a sua importância como factor de redistribuição da riqueza e de renovação social e política. Além disso, seria admirável conseguir penetrar no universo cultural e religioso dos indivíduos que faziam a guerra e entender de que forma é que a proximidade da morte, por um lado, e da glória, por outro, podem ter agido sobre a consciência e a mentalidade desses homens, condicionando ou estimulando a sua bravura e as suas fraquezas.

separador

* João Gouveia Monteiro

Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Rede de castelos portugueses, 1350-1450

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2003)
_____________

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores