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A Europa encontra-se simultaneamente perante a perda da sua hegemonia, até aí incontestada e universal, e a emergência de novas potências de variada localização: no seu seio, a União Soviética saída da Revolução de Outubro e à sua margem, dois importantes pólos: os Estados Unidos, no Atlântico e o Japão, no Pacífico. O retorno à paz e a restauração das relações internacionais poderiam sintetizar-se em dois pontos: o aparecimento dum novo princípio diplomático – a New Diplomacy –, uma diplomacia aberta por oposição à diplomacia secreta, que se acreditava tinha conduzido à guerra; e a fundação duma organização internacional que promovesse a paz, não pelo equilíbrio de forças entre potências, mas pela justiça e pelo direito — a SDN (Sociedade das Nações). Este novo sistema internacional conheceria dois momentos distintos: o primeiro entre 1920-1929, em que o espírito de Genève e a SDN pareciam consolidar-se e a paz triunfar – com o Tratado de Locarno (1925), o Pacto Briand-Kellog (1928) e o Acto Geral de Arbitragem (1928); o segundo entre 1930 e 1939, em que, a breve trecho, a ilusão da segurança se desmorona, a SDN não encontra soluções pacíficas para os conflitos e a paz não resiste aos golpes de forças dos países autoritários: a invasão da Manchúria pelo Japão imperial (1931); a conquista da Etiópia pela Itália fascista (1934); a Guerra Civil de Espanha (1936-1939); e os sucessivos actos da Alemanha nazi até à Segunda Grande Guerra. Da Segunda Grande Guerra (1939-1945) sai ainda um outro sistema internacional, que no seu fundamento chega até aos nossos dias. Da guerra, a Europa sai tragicamente limitada, entre dois novos pólos que emergem – os Estados Unidos e a União Soviética. Antagónicos, passam a dominar a cena internacional e enformam as suas linhas de forças fundamentais: o conflito Este-Oeste sob o equilíbrio do terror nuclear, a formação das alianças e a política de blocos – OTAN/Pacto de Varsóvia; e, consequência das descolonizações do pós-guerra, a constituição de um terceiro campo, não alinhado. Uma nova organização, com o mesmo espírito, mas com outro regime processual e vocação universal, vem, agora, ocupar o lugar deixado pela malograda SDN – é a ONU. Este sistema conheceria, também ele, dois momentos distintos: o primeiro entre 1947 e 1962, marcado pela dureza na linguagem e na acção diplomática e pelo espírito de confrontação entre blocos, que, com pontos altos no bloqueio de Berlim (1948) e na Guerra da Coreia (1950-1953), culmina na crise dos mísseis de Cuba (1962) — é o tempo da Guerra Fria, pura e dura; o segundo entre 1962 e 1989, marcado pela tomada de consciência da possibilidade real da catástrofe nuclear, dominado pela necessidade imperiosa da aceitação mútua e pelo espírito de diálogo e cooperação entre blocos e de flexibilização interna dos próprios blocos — é a Coexistência Pacífica ou "Détente" que, sob avatares vários, se prolonga até ao desmoronar do Império Soviético e à reunificação da Alemanha, que fecha o sistema internacional saído de Ialta e Potsdam e abre as portas ao século XXI. Será pois a estes dois momentos da cena internacional que Portugal e a política externa portuguesa procurarão dar respostas: primeiro da República Democrática, depois do Estado Novo e, finalmente, a Democracia pós 25 de Abril.
A Primeira República e a Grande Guerra A primeira questão da política externa da I República foi a maratona diplomática para o reconhecimento internacional do regime saído da revolução de 5 de Outubro de 1910, que culminaria com êxito, em Setembro de 1911, com o reconhecimento da Grã-Bretanha. A segunda e mais importante foi, sem dúvida, a intervenção portuguesa na Primeira Grande Guerra e, consequentemente, nos trabalhos de reconstrução da paz — a fundação da SDN e do novo sistema internacional saído de Versailles. Na fase de propaganda política, entre 1890 e a implantação da República, o Partido Republicano começou por denunciar a Inglaterra e combater a aliança inglesa, que a monarquia constitucional defendia. Porém, desde os primórdios do século XX e uma vez no poder, a República não fugiu à constante histórica da política externa portuguesa, que continuou a pautar-se pelo equilíbrio Europa-Atlântico, com relevo particular para a ponderação das relações com a Espanha e a Grã-Bretanha. A Península Ibérica era, nesse princípio do século XX, marginal aos «enjeux» diplomáticos das potências europeias, e, resolvida a questão colonial portuguesa, a Europa desinteressa-se do País e Portugal corre o risco de esbater-se na cena internacional. A este facto vem juntar-se, depois da implantação da República, a aproximação entre a Espanha de Afonso XIII e a Inglaterra de Eduardo VIII. Ambos regimes monárquicos, o inimigo tradicional e a velha aliada pareciam encontrar-se, com os prejuízos previsíveis para a República Portuguesa. É nesta conjuntura internacional e a esta luz que a política intervencionista do Governo português deve encarar-se. O esforço militar desenvolve-se, primeiro em África, no teatro colonial e depois na Europa, numa operação ao tempo inédita e que configurava já o que hoje chamamos operações de apoio à política externa. Todo esse esforço justificava fundamentalmente dois objectivos políticos: o primeiro, de natureza colonial: a manutenção da integridade do Império; o segundo, de natureza europeia que registava uma dupla vertente: em primeiro lugar, particularizar e diversificar a posição portuguesa diplomática e estratégica de Portugal no contexto peninsular (a intervenção ao lado da aliada inglesa contra a neutralidade espanhola); em segundo lugar, reconquistar para Portugal o lugar perdido no concerto das Nações. De início indesejada, a participação portuguesa acaba por ser solicitada pelo Governo britânico. É pedido ao Governo de Lisboa a requisição de todos os navios alemães fundeados em portos portugueses. O pedido é aceite, ao abrigo da aliança inglesa e executado, imediatamente. Em face disso, a Alemanha declara guerra a Portugal. Após dois anos de vicissitudes várias ao nível externo e interno, a política intervencionista vencia e Portugal entrava em guerra, ao lado dos Aliados, em Março de 1916. Findo o conflito, Portugal, beligerante, vitorioso, aliado dos Aliados, procura em Versailles retirar na paz os benefícios da intervenção na guerra. Nunca tendo conseguido o prestígio internacional que procurava para o País e sobretudo um lugar na Comissão Executiva da SDN, a delegação portuguesa alcança, porém, não só as pretensões coloniais e as indemnizações de guerra, como também lugar como membro fundador da SDN. Porém, a SDN nunca viria a constituir-se como vector central da política externa portuguesa. No pós-guerra, a República concede-lhe ainda algum peso na tentativa de, ao lado da aliança inglesa, diversificar multilateralmente as relações externas de Portugal. Contudo, essa primeira tentativa de multilateralização das relações externas de Portugal acabaria com a Ditadura militar e o advento do Estado Novo.
O Estado Novo Durante o Estado Novo a política externa portuguesa conheceu dois momentos distintos, correspondentes a dois recortes da cena internacional: o primeiro, entre guerras, marcado pelo reforço da "velha aliança" e pelos grandes acontecimentos internacionais – a intervenção na Guerra Civil de Espanha e, questão primeira, a neutralidade na Segunda Guerra Mundial; o segundo, pós-segunda guerra, marcado pela resposta ao novo sistema internacional saído de Ialta e Potsdam. Durante os anos 30, a política externa do Estado Novo é dominada pela reacção contra o «assembleiarismo europeu» da SDN e a política multilateral da República e pelo regresso aos princípios tradicionais e ao reforço da «velha aliança», que estaria na base de toda a sua acção diplomática. Na Guerra Civil de Espanha (1936-1939), a posição portuguesa, a que não são alheias razões de ordem ideológica e de segurança do regime, é de uma estratégica duplicidade: por um lado, oficialmente, mantém a neutralidade e participa, em Londres, na Comissão de Não Intervenção; por outro, oficiosamente, não poupou apoio aos nacionalistas, com quem, findo o conflito, assina um "Tratado de Amizade e Não-Agressão", o chamado Pacto Ibérico. Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), numa tentativa, aliás conseguida, de equilíbrio entre o Continente e o Atlântico, o Pacto Ibérico, e, fundamentalmente, a Aliança Inglesa, serão o cerne da neutralidade portuguesa. As relações estreitas entre os Estados peninsulares, mantendo a distância em relação aos blocos que lhe eram próximos – Portugal em relação aos Aliados, a Espanha em relação ao Eixo – e as relações privilegiadas com a Grã-Bretanha, a quem a neutralização da Península não deixava de interessar – devido à questão de Gibraltar –, possibilitaram, através de seis anos de conflito e vicissitudes várias (as questões dos Açores, de Timor e do volfrâmio), levar até ao fim a neutralidade portuguesa.
A segunda metade do século Terminada a Guerra, Portugal, país neutro e regime autoritário, está à margem dos trabalhos diplomáticos de regresso à paz e de reconstrução do novo sistema internacional. Não o estará, porém, à evolução da cena internacional e às sucessivas fracturas que a guerra fria vai impondo até à bipolarização radical, com a definição clara das alianças político-militares e da política de blocos. É nesta conjuntura que, em 1949, e no quadro atlântico de segurança para o bloco ocidental, nasce a OTAN. O valor estratégico do território português, em particular do arquipélago dos Açores, leva as potências aliadas a convidar Portugal, que assina o Tratado de Washington, em 4 de Abril de 1949 e se torna, assim, membro fundador da Aliança Atlântica. A adesão de Portugal à OTAN significa fundamentalmente a resposta nacional ao novo desenho bipolar da cena internacional e não deixa de abrir um novo capítulo para a política externa portuguesa. Capítulo este marcado pelo alinhamento português no bloco ocidental e pela manutenção do vector atlântico para Portugal, contudo, com uma alteração de relevo: o declínio da aliança inglesa e o aparecimento dum novo eixo para a política externa portuguesa – os Estados Unidos da América. Ausente em 1945 da fundação da ONU, Portugal é convidado a integrá-la quando o agravamento da guerra fria paralisa a organização pelo veto dos Grandes no Conselho de Segurança, que, para desbloquear a situação, procuram formar os seus blocos de apoio no seio da Assembleia Geral. É neste contexto que em 1955, e após duas tentativas diplomáticas, Portugal se torna membro da ONU, reforçando o bloco ocidental. Para além duma política externa multilateral que a partir de agora passa a desenvolver, a consequência mais imediata e relevante da adesão seria para Portugal a questão colonial – primeiro o embate teórico com o espírito anticolonialista dominante na Assembleia Geral da ONU, depois, o isolamento e a hostilidade da comunidade internacional face à política colonial portuguesa, que a ONU reflectiu e veiculou até à descolonização portuguesa depois de Abril de 1974. A revolução de 25 de Abril de 1974 vem determinar uma redefinição da política externa portuguesa de acordo com o espírito do MFA, cujo programa se traduzia, no campo internacional, basicamente em dois princípios – «democratização» e «descolonização». O primeiro leva Portugal a quebrar o isolamento internacional em que vivera nos últimos anos do Estado Novo e a restabelecer relações diplomáticas com a generalidade dos países na cena internacional; o segundo, a iniciar o processo de descolonização que viria a pôr fim ao ciclo do Império. Depois de Abril de 1974, a política externa portuguesa oscilou entre duas orientações de fundo, que balizam também dois períodos distintos. A primeira, no período pré-constitucional, durante e vigência dos governos provisórios e marcadamente nos de maior preponderância militar, é caracterizada por uma certa indefinição da política externa, pela prática de diplomacias paralelas e, na sua perspectiva global, orientada para um neutralismo de pendor terceiro-mundista. A segunda, que se inicia com o período constitucional e se prolonga até aos nossos dias, caracterizada por um posicionamento externo unívoco e rigoroso, que reclama para Portugal a sua condição de país ocidental, simultaneamente europeu e atlântico. Neste sentido, a "opção europeia" e a fidelidade à Aliança Atlântica constituirão os eixos fundamentais da política externa da Democracia. A manutenção do eixo atlântico traduz-se no reforço das relações bilaterais com os Estados Unidos da América e na presença e empenhamento de Portugal na OTAN. O eixo europeu é a grande novidade da política externa da Democracia e traduz-se na integração no Conselho da Europa e no pedido de adesão à CEE, percurso que culmina em 1986 com a integração plena de Portugal na Comunidade. Se a estes dois eixos se juntar o desenvolvimento das relações pós-coloniais e dos laços de cooperação e amizade com os novos países de expressão portuguesa, estão definidas as grandes orientações do posicionamento externo e da presença de Portugal no Mundo no final do Século XX.
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