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2000 - Ilíada no espaço

Fernando Carvalho Rodrigues *

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O final do milénio caracteriza-se pela ligação de mil e quinhentos milhões de seres humanos por telefone. A ligação não é material. É uma comunicação escrita, falada ou vista. Não requer a quem se relaciona via telecomunicações que saia do espaço onde está. Não há transmissão do ser integral. Só do pensamento, tanto quanto for possível registá-lo em linguagem.

Com as telecomunicações não há mudança do espaço mas, apenas, da natureza de quem comunica. Pela primeira vez, a civilização ocidental viu o seu paradigma quebrado. Aquilo que chamamos civilização ocidental nasceu em Roma. Baseia-se no encontro do pensamento grego com a religiosidade judaico-cristã. O princípio central desta civilização é a tautologia de Aristóteles. "Não se pode ser e não ser, do mesmo modo, ao mesmo tempo."

Com as telecomunicações posso estar aqui e não estar ao mesmo tempo. Pago, apenas, o preço, a portagem, por estar a fazer esta viagem no tempo aos donos dos circuitos que têm, de facto, a mesma natureza que as estradas terrestres, marítimas, aéreas e para o espaço exterior, só que a taxa de portagem é por horas, minutos, segundos. Ligam seres humanos muito depressa. Isto é o grande negócio desde há cento e sessenta anos.

Nessa altura (1838) o Comité do Congresso dos Estados Unidos da América que examinava o telégrafo escreveu, pela primeira vez, que aí estavam as "auto-estradas da informação". Entretanto, no seu percurso de evolução, o Homo Sapiens sapiens que sempre acreditou em símbolos e no seu poder trilhou um caminho que lhe está na natureza. De só acreditar naquilo que via para lhe dar valor material evoluiu e passou a atribuir valor a algo que já está quase no domínio do imaterial. Passou a dar valor a electrões.

Almoçamos em Katmandu, pagamos com electrões. Compramos uns sapatos em Lisboa, trocam-nos por electrões. Dão-nos dormida num hotel a troco de electrões. Deixamos que o nosso trabalho seja pago em electrões. Ninguém já recebe dinheiro. De cada vez que fazemos uma transacção destas pagamos aos donos das estradas das telecomunicações que nos cobram portagens pelas horas, minutos e segundos que nelas estamos.

Esta é a metafísica mais partilhada por mais seres humanos. Não admira que seja o maior negócio de sempre. É o negócio de construir as estradas do tempo. As estradas do tempo têm faixas, chamam-se frequências e larguras de bandas. São suportadas em seres de silício (toda a electrónica). Conjuntamente, connosco, seres de carbono vivemos no ciberespaço onde se pode ser e não ser, do mesmo modo, no mesmo tempo. E o ciberespaço existe, embora a palavra tenha sido cunhada por Wiliam Gibsen em 1984 no seu Neuromancer.

Partilham o ciberespaço duas classes de seres que ainda se olham desconfiados: telefones, satélites, televisão, computadores, que são seres de silício e todos os outros, nós os de carbono.

Como todas as estradas novas, como todos os espaços novos, não é para fracos, nem hesitantes. A metáfora da Ilíada parece-me adequada para descrever o que aconteceu nestes últimos anos na Europa quando a oportunidade surgiu e o que sucedeu nos E.U.A quando lograram alcançar a hegemonia nas novas estradas.

Ninguém se iluda, não há mundialização, não há globalização, há uma concentração. Os E.U.A foram arrojados, são mais audazes. São vários centros. Ao contrário do resto do mundo, os Americanos acreditam que, se houver uma elite burocrática a tomar conta do Governo, os E.U.A perecem. Acreditam no modelo grego de Império. Muitos centros, muitas cidades-estado que consideram os outros grupos rivais mas que se unem quando ameaçadas do exterior. Foi assim que conquistaram a hegemonia.

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A história para a Europa dominada, nesta área, como em todas as outras, por uma elite burocrática delirante, é a parte derrotada da Ilíada. Como sempre acontece, do nada, atribuímos significado a electrões. Ora, a tudo o que tem significado para seres humanos é-lhe atribuído um valor. Este corpo de metafísica mais recente foi adoptado por quase toda a humanidade. Assim, de acordo com a UIT (União Internacional de Telecomunicações), em 1995 foram transportados 2,3 milhares de milhões de dólares por dia na forma de valor atribuído a electrões. Dizem dinheiro electrónico. Equivaleria no corpo de metafísica anterior a transportar cento e oitenta mil toneladas de ouro por dia à volta do planeta.

Admiramo-nos então que os séculos anteriores e o próximo sejam das Religiões. Querem sistema metafísico mais fantástico do que o que atribui significado e, em consequência, dá valor a electrões? Claro que há. Por exemplo, e para dar só um exemplo, uma metafísica que desse significado ao Homo Sapiens sapiens e lhe desse, portanto, valor. Um dia lá chegaremos. Por enquanto só os electrões é que têm significado e por isso um imenso valor. Em consequência, há uma guerra para a fonte e para o transporte de electrões. Começou há um século e está no seu último ano.

Nos últimos anos assistiu-se à luta pelas frequências e pelas localizações das órbitas de satélite. O local do embate foi o World Radiocommunications Conference (WRC), sob os auspícios da União Internacional de Telecomunicações (UIT). Mas quando aquela conferência acabou em Outubro de 1997, os mil e oitocentos delegados dos cento e quarenta e dois países representados sabiam, ao deixar Genebra, quem iria ficar dono de todas as comunicações públicas a nível planetário.

À saída da reunião sabia-se quem eram os donos das auto-estradas da informação. Sabia-se a quem cada um dos quatro milhões de assinantes de telefones irá um dia pagar o tempo que o seu Mim está com outros Mins naquelas auto-estradas.

Vamos pagar portagem à Teledesic, à Alcatel e à Motorola. Os nomes de código dos respectivos sistemas são: LLC, Skybridge e Celestri. Sendo que há hoje 976 satélites em órbita, estes três sistemas vão estar a voar até 2007 com mais 900 satélites. Na WRC de 1995 estava atribuída uma largura de banda de 400 megahertz na banda dos 19 e dos 29 gigahertz. Em 1997 Celestri e Teledesic conseguiram mais 100 megahertz localizados nas bandas de 28,5 a 29,1 gigahertz e 18,8 a 19,3 gigahertz. Em 1997 Skybridge obteve acesso à banda Ku. Os europeus bem se esforçaram por se agarrar aos problemas que estas redes de satélite de órbita baixa poderão trazer para algumas transmissões a partir da tecnologia velha de quarenta anos dos geoestacionários.

Mas a pressão da maioria dos países, especialmente os que não têm economias desenvolvidas, é para serem dados mais espaços no espectro electromagnético a estes sistemas de satélites de órbita baixa.

Como vão ser então as telecomunicações? Vão generalizar-se a todos os habitantes do planeta. Quem serão os donos das estradas a quem todos pagaremos portagem? Para que fique mais óbvio, aí fica o quadro produzido pela Euroconsult de França (ver Infografia).

É chocante o tamanho do calcanhar de Aquiles europeu. Não tem a tecnologia. Nem de lançadores. Nem de satélites. Nem de atitude comercial. Tem uma Agência Espacial Europeia asfixiada numa burocracia dilitante. Tem operadores de telecomunicações sem estratégia contra a globalização. Antigamente chamava-se hegemonia americana. São tão primitivos que ainda pensam que globalizar é juntar, adicionar e ganhar tamanho. Dizem dimensão. O ataque a Aquiles no último ano da guerra de Tróia, tão bem contado na Ilíada, não foi maciço, não foi generalizado, foi um golpe concentrado. Mas para concentrar é preciso ter centro.

A Europa não tem centro. As redes de satélites de baixa altitude à volta da Terra providenciarão a ligação entre os Mins de todos os seres humanos do planeta. Providenciarão a auto-estrada para os Mins, andantes de pensamento. Levar-lhes-á voz, dados, imagem e ligações em rede de computadores. Não irão ser necessários nem pares de fios de cobre, nem tantas fibras ópticas, nem tantas torres na paisagem.

É que a criação estabeleceu o espectro electromagnético para nos ligarmos sem necessidade de suporte material e nós estamos a caminho de nos comunicarmos uns com os outros sem fios que nos agarrem.

Esta rede será exclusivamente americana. Porquê? Bem, vejam o caso português. Depois de lançado o PoSAT-1, que serve cento e vinte estações espalhadas pelo mundo ao serviço da organização americana VITA, que serve as forças militares portuguesas das missões de paz, o projecto apresentado pela EFACEC, EMPORDEF para uma rede de uma vintena de satélites permanece sem decisão e se não forem as Forças Armadas Portuguesas a defender para Portugal fracções do espectro electromagnético nem teremos auto-estradas da informação à escala planetária, para andar. Pagaremos sempre portagem a outros quando acharem que é conveniente que lá andemos.

Esta mesma inércia generalizou-se na Europa desde 1989. A continuar, a Europa que já não faz computadores, não estará nas telecomunicações e não fará, então, parte das que construírem as estadas do espectro electromagnético onde, mercê da busca de significado em tudo o que nos rodeia, até os electrões têm significado e por isso muito valor.

Os europeus não entenderam esta metafísica. As companhias americanas construíram-na e, por isso, têm o aplauso de todo o mundo que não poderia jamais sonhar com um telefone para cada cidadão e vão tê-lo. Esse é o futuro das telecomunicações. Está bem perto: qualquer Mim de qualquer ser humano pode comunicar com o Mim de outro ser humano, no máximo, em quatro segundos. Qual é o negócio de quem produz, lança e põe operacionais os satélites nas redes de telecomunicações. O mais fantástico de sempre: receber a portagem pelo tempo que estamos ligados uns aos outros nas auto-estradas que enlaçam uma teia de satélites.

A metafísica que atribui significado e, portanto, valor ao electrão criou, então, os donos do tempo. Saíram da WRC-97 em Genebra. O último ano do combate pertence-lhes.

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* Fernando Carvalho Rodrigues

Investigador coordenador do INETI. Director da Faculdade de Ciências, Engenharias e Tecnologias da Universidade Independente.

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Dados adicionais
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