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Janus 2001



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Educação e sistema educativo

Joaquim Azevedo *

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Este breve texto pretende apenas assinalar algumas das "tendências pesadas" na evolução do sistema educativo português, nos últimos vinte-trinta anos e apontar algumas perspectivas do seu provável desenvolvimento futuro. Portugal, como refere Sérgio Grácio (1999), é um país de escolarização recente.

Enquanto, no período entre as duas grandes guerras e no pós-guerra, a generalidade dos países europeus investiu decididamente na educação e na formação, o nosso país só o fez nos anos 80 e 90, com o desfasamento temporal de uma geração. Os resultados estão à vista de todos e, embora não esteja tão visível, este é um constrangimento que não se ultrapassa depressa. Além de ser recente, o processo de escolarização massiva da população portuguesa tem sido lento e difícil, tais são as resistências que uma população de pais não escolarizados coloca à acelerada escolarização dos filhos.

O "atraso estrutural" português, no contexto europeu, persiste nos anos 90, vinte anos depois de fortes investimentos na educação. Este investimento pode traduzir-se, por exemplo, nos valores da despesa em educação em percentagem do PIB. Esta, em 1970, era de 1,9%, tendo passado para 4,4%, em 1980, para 4,9%, em 1990, para 5.6%, em 1993,e para 6,5%, em 1998. O ensino primário, actual 1º ciclo do ensino básico, nos últimos trinta anos, passou da área mais atendida à área mais abandonada do sistema educativo português.

Esta perda progressiva verifica-se, antes de mais, nas frequências: de 992.446 alunos, em 1970/71, evoluiu-se para 492.828, em 1998/99. A rede escolar desequilibrou-se profundamente, sem qualquer estratégia de reordenamento, o número de professores aumentou até 1990, sem qualquer política específica de qualificação em serviço, e subiu em flecha o número de docentes que trabalha isolado e em escolas de pequena dimensão, com os quatro anos de escolaridade na mesma sala e ao mesmo tempo.

A qualidade, é evidente, degradou-se progressivamente. E os alicerces, apesar de tanta mudança que há no mundo de hoje, não mudaram de sítio (Azevedo, 1995). Da qualidade das aprendizagens a realizar ao longo da escolarização depende a qualidade das primeiras aprendizagens, primeiras e nucleares. Os ensinos secundário e superior, sobretudo este último, tornaram-se a prioridade das prioridades e o "ensino primário" continua esquecido. A recente atenção à educação pré-escolar, embora muito importante, não corrige esta tendência pesada. Conseguimos criar uma escola de massas, criando as condições infra-estruturais para acolher uma procura sempre crescente.

A principal política do ME, nos últimos vinte anos, foi a de construir milhares de novas escolas, satisfazer a procura. Esta é uma tarefa quase integralmente cumprida, na viragem do século. O modelo pedagógico orientador da escola de massas foi subordinado à unificação escolar, do 1º ao 12° ano de escolaridade. A sociedade portuguesa tornou-se mais aberta, mais democratizada, embora se tenha ficado muito aquém do esperado pois se confundiu escola de massas com massificação escolar, igualdade de oportunidades com a oferta do mesmo currículo para todos. A ilusão foi útil, os resultados pessoais são de monta, a eficácia social terá sido reduzida, sobretudo em termos de redução das desigualdades.

O ensino secundário, que era diversificado e acolhia perto de 26.000 alunos, em 1970, unificou-se em seguida, nos anos 70, e diversificou-se de novo e rapidamente, na transição dos anos 80 para os anos 90. Foi o subsistema que mais se reestruturou nos últimos trinta anos, acolhendo, em 1998, perto de 380.000 jovens, agora com três anos de duração. Uma nova rede de escolas profissionais, criadas em 1989, e o lançamento dos cursos técnicos nas escolas secundárias conduziram a uma inflexão na procura social, havendo actualmente cerca de 28% dos alunos do nível secundário a frequentar cursos de tipo técnico e profissional (contra 1% em 1984).

Subsistem, no entanto, as maiores dúvidas acerca da orientação política que vai prevalecer para este segmento do sistema de ensino. Desde 1994 que não se tomam medidas de correcção das suas anomalias, o que tem facilitado a degradação da qualidade do ensino e das aprendizagens.

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O ensino superior explodiu, nos anos 90 e a procura continua a crescer dentro do respectivo grupo etário. Em 1970, havia 49.461 alunos inscritos no ensino superior, dos quais apenas cerca de 3.200 frequentavam o ensino superior privado. Em 1980, os alunos ascendiam já a 87.256 e, em 1990, eram 186.780. A partir deste ano lectivo deu-se a explosão da procura e da oferta: em 1994 já eram mais cem mil do que em 1990 e, em 1998, são ainda mais cinquenta mil, prefazendo cerca de 380.000 no fim dos anos 90. Há evidentes problemas de qualidade, há desperdícios enormes, com reprovações elevadas e abandonos prematuros, os diplomas banalizaram-se e o desemprego de diplomados atingirá actualmente mais de vinte mil jovens. Os ganhos pessoais e sociais são notáveis, os problemas criados são quase da mesma dimensão.

O sistema teve necessidade de recrutar muitos milhares de professores. Fê-lo sem grande controlo: era professor quem queria e possuía habilitações "suficientes" para leccionar, ou seja, um diploma académico; não houve controlo das entradas, a não ser por via das ESE e dos centros de formação de professores de algumas universidades.

A maioria dos docentes que está no sistema não obteve uma formação específica prévia, embora tenha tido acesso a uma formação em serviço. Além disso, não há qualquer regime eficiente de avaliação do desempenho profissional dos docentes, não estão definidas quaisquer modalidades para premiar o mérito daqueles que se dedicam à sua profissão, a progressão na carreira é automática e baseia-se simplesmente no tempo de serviço, ou seja, não há padrões de excelência, o que torna a mediocridade o principal padrão de referência.

A educação e a formação ao longo da vida estão hoje na agenda política de todos os governos dos países desenvolvidos. Entre nós, após um percurso ziguezagueante, em que a educação de adultos foi prioridade, nos anos 70 e início dos anos 80, tempo durante o qual a taxa de analfabetismo se foi reduzindo progressivamente, nunca houve um verdadeiro investimento forte e persistente na formação e qualificação generalizadas da população adulta. Nem o acesso aos fundos comunitários, após 1986, facilitou esta missão, uma vez que ela foi relegada sempre para um plano secundário, tendo-se canalizado os fundos para a formação de população mais jovem. Ainda hoje, volvidos vinte anos, e num quadro social bastante alterado, a formação e a qualificação dos adultos continua sem um rumo socialmente concertado e claro, sucedendo-se os programas pontuais e sectoriais e as pequenas experiências inovadoras.

 

Um futuro incerto

Que tendências se desenham? Que futuro irá trilhar o sistema educativo português, no contexto europeu e mundial que o envolvem e condicionam? Todos sabemos que aumentou muito a incerteza sobre os dias que se avizinham.

No entanto, creio que é possível e útil, pelo menos como alerta, registar um conjunto de tendências gerais de evolução e de desafios a que se tem de fazer face. Muito sucintamente, eles são:

Há sinais evidentes de fragilidade e de esgotamento do "modelo moderno de educação escolar". As mutações sociais que ocorreram nos últimos decénios foram profundas e estão a produzir alterações do contexto, da procura, da oferta, dos mandatos sociais em relação à educação e à formação. Tudo muda, excepto o quadro institucional em que operam e se definem, como social e educacionalmente relevantes, as instituições educativas. Tal situação (de crise permanente) é insustentável a prazo, por mais tempo que vigorem ainda os mitos e as crenças que sustentam o modelo moderno de educação. Face à sua crescente invalidez, seria aconselhável proceder a uma profunda e ponderada reinstitucionalização, ponderação esta que deve ocorrer tanto no plano local e nacional, como no plano internacional.

A retórica política diz, para legitimar a incapacidade para superar esta crise contínua, que o tempo das grandes reformas já acabou e que agora chegou o tempo dos ajustamentos contínuos. Depois, talvez venha o tempo dos ajustamentos sistémicos ou, quem sabe, o tempo das reformas mundiais. Ou talvez, quem sabe, nada de especial se passe nos próximos vinte anos, para além da lenta degradação dos sistemas educativos nacionais.

Creio que as grandes reformas são mais do que urgentes, mas não as reformas estatistas, centralistas, iluminadas, que descem douradamente da administração sobre as escolas e os actores, para mudar alguma coisa e deixar ficar tudo na mesma.

A crise é institucional porque cada vez mais as escolas perdem relevância educativa e ganham relevância consumista. É preciso, tão-só, reinventar as instituições escolares, desenvolvendo, por exemplo, novos modos de organização dos professores, dos alunos, das disciplinas e dos horários, novos modos e tempos de aceder à informação, de estudar, de pesquisar, de trabalhar em grupo e de cooperar com o de "fora" da escola, criando redes de instituições e de actores educativos.

O incrementalismo orçamental e a satisfação dos interesses instalados, política que se tem seguido e à qual se chama "política de pacificação do sistema", não travará qualquer efeito de degradação. Investem-se na educação pública mais de 6% do PIB e não há qualquer mecanismo geral de controlo da qualidade daquilo que se faz. O paradoxo é total: qualquer fábrica de torneiras tem mecanismos rigorosos de controlo de qualidade, gestores altamente qualificados, normas de certificação a cumprir, mas as escolas, essas, podem perfeitamente funcionar sem qualquer controlo porque afinal existem para fins socialmente muito menos nobres, como educar pessoas, sustentar projectos pessoais de vida. É preciso travar a degradação da qualidade, controlar as aprendizagens realizadas, avaliar continuamente as práticas pedagógicas e os desempenhos das escolas, apoiando-as nos seus projectos educativos, com corpos técnicos muito competentes e eficientes (agências nacionais). A qualidade das aprendizagens realizadas no 1° ciclo tem de ser garantida, o que requer outra priorização das políticas. Tem de haver textura organizacional e humana para realizar o apoio individual a cada uma e a cada um dos alunos de todas as escolas e de todos os níveis e modalidades de ensino e formação.

As pessoas que moram nos alunos têm de passar a ser o centro do sistema e não os alunos, esses sujeitos colectivos detentores de direitos e deveres, a quem se destinam ingloriamente políticas igualitaristas. Exige-se uma nova cultura de qualidade e de rigor.

Deveriam ser evitados todos os abandonos precoces e desqualificados do sistema escolar. O ensino técnico e profissional deveria expandir-se, sempre dentro de padrões de elevada qualidade e o ensino superior deveria ser substituído, para muitos jovens, por especializações profissionais, como trampolim para os primeiros "empregos"/actividades.

Os parceiros sociais deviam intervir muito mais activamente na formulação e avaliação das políticas de formação profissional, inicial e contínua. A formação superior deve flexibilizar-se imenso, de modo a acolher (e favorecer) a procura de formação ao longo de toda a vida, em novos regimes de alternância.

A formação em serviço (in situ) dos docentes deve ser a prioridade, inserida nos processos de reinstitucionalização das escolas e de melhoria do seu desempenho. O mérito dos professores deve ser premiado, criando-se padrões de excelência. Os profissionais jovens e adultos carecem de novos meios de certificação das aprendizagens realizadas ao longo da vida e devem aceder a novas modalidades de aprendizagem formal, ao longo de toda a vida.

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* Joaquim Azevedo

Licenciado em História pela Universidade do Porto. Doutorado em Ciências Sociais da Educação pela Universidade de Lisboa. Director o IEP. Membro eleito pelo Parlamento para o Conselho Nacional de Educação.

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Bibliografia

AZEVEDO, Joaquim, Avenidas da Liberdade. Questões de política educativa. Porto: Edições ASA, 1994.

AZEVEDO, Joaquim, Ensino Primário (1°ciclo): quando se descuram os alicerces. Público, 1995.08.14.

AZEVEDO, Joaquim, Voos de borboletas. Escola, Profissão, Emprego. Porto: Edições ASA, 1999.

GRÁCIO, Sérgio, "Síntese", in Colóquio/Educação e Sociedade. 1999(5) 11:17.

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Dados adicionais
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