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NATO, Rússia e segurança europeia após o Kosovo

Luís Leitão Tomé *

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Demonstrando todo o seu poderio e o seu novo papel na segurança europeia e internacional, ao intervir no Kosovo a NATO optou por bombardear um país soberano que atentava contra uma parte da população do seu próprio território. A Aliança actuou fora do território de qualquer dos seus membros, contra um Estado soberano que não punha em causa a sua segurança, e sem um pedido ou um mandato internacional explícito. A NATO deu efectivamente provas de força, mas terá aumentado a sua credibilidade no Kosovo? Pode afirmar-se que não, por várias razões.

Em primeiro lugar, tendo em conta os objectivos da operação. A 23 de Março de 1999, o então Secretário-Geral da NATO, Javier Solana, justificava que os objectivos seriam a aceitação por Belgrado do texto de Rambouillet, a limitação das forças de segurança no Kosovo e a retirada da força "desproporcional" servia. Para sustentar estes objectivos políticos, a acção militar teria "por fim interromper os violentos ataques perpetrados pelas forças armadas e pelas forças de polícia especial servia e enfraquecer as suas capacidades de prolongar a catástrofe humana". Pouco tempo depois, a dúvida no alcance destes objectivos começou a instalar-se e novos objectivos foram sendo lançados: o auxílio humanitário às populações em fuga e à deriva, o regresso dos refugiados às suas casas, a estabilidade em toda a ex-Jugoslávia e depois em todos os Balcãs, a deposição do governo de Milosevic e a instauração de um governo democrático em Belgrado... Finalmente, exigiu-se que o governo sérvio aceitasse a presença internacional sem exigir, contudo, que fosse a NATO a compor essa presença. Contribuindo para esta "deriva" e inconsistência de objectivos, a NATO terá cometido alguns erros de previsão: acreditou que Milosevic capitulava ao fim de alguns dias de bombardeamentos aéreos; que poderia limitar a intervenção militar aos ataques aéreos sem destacamentos no solo; e que, graças aos meios tecnológicos actuais, seria possível manter uma guerra "apropriada", distante e sem baixas entre os aliados ou entre os civis sérvios ou albaneses. Para cúmulo, a organização resvalou para o anedotário internacional ao justificar como "efeitos colaterais" os enganos nos alvos militares atingidos (por vezes civis), ou acirrando outras hostilidades, por exemplo, com o bombardeamento da televisão servia e da Embaixada da China em Belgrado, oficialmente também "por acidente" !

Por outro lado, a credibilidade da NATO no Kosovo ficou igualmente comprometida pela pouca transparência nos resultados materiais efectivos de tão intensos bombardeamentos. Segundo os números então oficialmente adiantados, os cirúrgicos mísseis norte-americanos teriam destruído grande parte do potencial militar sérvio: 120 tanques, 220 viaturas de transporte blindado e mais de 450 peças de artilharia e morteiros, para além das inúmeras instalações e estruturas com interesse militar: pontes, estradas, centrais eléctricas, edifícios e centros de comando. Como é normal, os números divulgados pêlos sérvios eram muito diferentes, mas a credibilidade de Belgrado era mínima. Ainda, assim, os números eram tão díspares (por exemplo, o general Nobojsa Paukovic, Comandante militar sérvio no Kosovo, afirmou que apenas 13 tanques teriam sido atingidos) que começou a haver quem desconfiasse. Acontece que a prestigiada e independente revista Newsweek divulgou um relatório ultra-secreto de uma investigação rigorosa efectuada no Kosovo por uma equipa da NATO. O relatório da Munitions Effectiveness Assessment Team é avassalador para a credibilidade da Aliança: foram 14 os tanques, 18 os transportes blindados e cerca de duas dezenas de peças de artilharia, o material atingido. Quanto às instalações civis, incluindo pontes e edifícios, os mísseis acertaram quase sempre em... plástico, numa notável proeza de camuflagem dos sérvios. (Curiosamente este relatório quase não teve eco na nossa comunicação social!!!). A disparidade nos números pode sempre justificar-se com a "delicadeza" ou a "sensibilidade" das informações militares, mas então para que servem os briefings bi ou tri-diários de uma organização que tem como membros países democráticos?

Há ainda um outro factor a perturbar a credibilidade de outras iniciativas da Aliança Atlântica: os organismos e instituições criadas para fortalecer a confiança mútua, o diálogo e a cooperação entre a NATO e a Rússia — incluindo o Acto Fundador e Conselho Permanente Conjunto (PJC) — falharam quando testados perante uma crise real. Face a um notório conflito de interesses — interesses importantes mas não vitais para qualquer das partes — os antigos adversários e inimigos sacrificaram anos de intenso labor no estabelecimento de boas relações ignorando as posições da outra parte. E não foram esses esquemas bilaterais NATO-Rússia mas outras instituições — sobretudo a ONU, a OSCE, o Grupo de Contacto e o G8 — que possibilitaram um enquadramento político possível para que a Rússia passasse a ter um papel construtivo na crise do Kosovo e optasse por participar na KFOR.

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As ilações russas

A campanha da NATO contra a Jugoslávia provocou uma reacção profundamente hostil por parte da Rússia, precipitando as relações Rússia-Ocidente para níveis perigosos que alguns analistas russos não hesitaram em comparar com as crises de Berlim e de Cuba no início dos anos 60. Na interpretação russa, os anos de "parceria" e de institucionalização da cooperação não impediram a Aliança de arriscar tudo num conflito local, transformando-o numa nova fonte de tensões Leste-Oeste, com possibilidade de escalada para fora dos Balcãs. Com efeito, muitas das ilusões russas desvaneceram-se com o início dos bombardeamentos da NATO. Mas não foram apenas os mitos de parceria, da segurança comum e cooperativa, da institucionalização da cooperação e confiança, ou mesmo de uma aliança estratégica NATO-Rússia para a estabilidade do "velho Continente" a ficarem seriamente comprometidos. Na perspectiva de Moscovo, a possibilidade da Rússia e da NATO se encontrarem de novo em campos opostos noutros conflitos regionais não pode ser descartada, com as óbvias possibilidades de escalada. Aparentemente, a NATO já não precisa do mandato das Nações Unidas, ou do consentimento tácito russo, como pré-condição para o uso da força militar. Sobre a NATO recaem, então, não só os complexos e as percepções — que se julgavam ultrapassados — de Guerra Fria, mas uma nova concepção de que a Aliança Atlântica, não sendo puramente defensiva, é antes uma instituição que pode perturbar a segurança na Europa, em vez de a garantir, ou mesmo um instrumento de agressão e de interferência junto de outros Estados e organizações. É evidente que as veementes objecções russas resultam de inúmeros factores — razões de instabilidade e de política interna, o complexo de ex-superpotência, a situação no Cáucaso e noutras regiões no interior da própria Federação e da CEI, o receio de marginalização na comunidade internacional —, mas é inegável que a desconfiança da Rússia em relação à Aliança e ao Ocidente cresceu exponencialmente com a campanha da NATO contra a Jugoslávia, tanto mais que esta surgiu num contexto em que a Aliança Atlântica aprovava um novo conceito estratégico e abraçava três novos membros do "campo" anteriormente tutelado por Moscovo. Por outro lado, um dos principais factores contribuintes para a oposição russa foi um genuíno receio de que o Kosovo fosse apenas um precedente. Afinal, como afirmaram alguns deputados na Duma, quem poderia garantir que depois da Jugoslávia, a Rússia ou algum dos seus vizinhos não seria a próxima vítima dos bombardeamentos da NATO? A sensibilidade russa nesta questão foi ampliada pêlos apelos da Geórgia e do Azerbaijão para que a NATO interviesse nos seus conflitos internos, bem como pelo facto de 9 dos 12 Estados membros da CEI apoiarem (ou não se oporem) declaradamente a campanha da NATO — para além da Rússia, as excepções foram a Bielorrússia e o Tadjiquistão. Moscovo acabou por aceitar fazer parte da operação de peacekeeping e da KFOR — para impedir que a NATO unilateralmente fixasse as suas condições, para reafirmar os interesses russos na região, e para proteger a minoria servia dos "terroristas" albaneses —, mas a corrida desenfreada das forças russas em missão na Bósnia no âmbito da SFOR para o aeroporto de Pristina demonstrou que a Rússia pode desencadear acções imprevisíveis e até irracionais.

As tensões abrandaram e, mais tarde, a Rússia normalizaria as suas relações com a NATO, mas as feridas ficaram, com sequelas evidentes para a segurança europeia. Moscovo tornou-se mais cautelosa e "realista" nas suas relações com a Aliança, mostra-se mais desconfiada das iniciativas do Ocidente e menos permissiva à presença de estrangeiros (leia-se, ocidentais) no seu território, como demonstrou a propósito da Tchetchénia, e passou a dar um enfoque ainda maior ao seu arsenal nuclear como principal factor de dissuasão e equilíbrio face a "ameaças externas" — como é manifesto na nova doutrina militar russa. Finalmente, Moscovo passou a procurar também uma nova aproximação aos outros países europeus, mesmo que membros da NATO, como meio de contrabalançar a influência e o poderio americano nos destinos da segurança europeia.

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* Luís Leitão Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Docente na UAL Investigador da NATO. Assistente no Parlamento Europeu.

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