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A UE, a NATO e as “zonas de turbulência” no leste e sudeste europeu

José Manuel Félix Ribeiro *

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No leste e sudeste da Europa existe uma vasta região, altamente instável e turbulenta, cuja estabilização não passa exclusivamente pelo alargamento da União Europeia ou da NATO, por mais amplos que alguns os concebam. Essa vasta região abrange o que poderemos designar — inspirando-nos em conceitos desenvolvidos por Barry Buzan — como três "Complexos de Segurança Regionais" distintos, mas interrelacionados (nomeadamente, pela presença da Rússia e da rivalidade russo-turca em todos eles): o complexo do Mar Negro, o complexo dos Balcãs e o complexo do Cáucaso, onde se acumulam dos maiores e mais perigosos focos de instabilidade para a Europa, tomada como um todo.

Esses "Complexos de Segurança Regionais" são estruturados por padrões de rivalidade ou "amizade" que têm a sua origem em razões histórico-civilizacionais, em conflitos de fronteiras e minorias, alguns deles explosivos, ou ainda em disputas pelo controlo de territórios ou passagens de grande valor estratégico. Basta recordar para este efeito:

No "Complexo do Mar Negro":

• As tensões entre a Rússia e a Ucrânia, nomeadamente em torno da Crimeia e do modo de inserção da Ucrânia num espaço geopolítico liderado pela Rússia;

• As tensões entre a Ucrânia, a Rússia e a Roménia, polarizadas pela eventual reunificação entre a Roménia e a Moldova e pêlos problemas fronteiriços da Ucrânia com a Roménia, herdados do final da 2a Guerra, e potencialmente agudizados pela descoberta recente de um vasto potencial energético no mar Negro, a ocidente da Crimeia e a oriente da foz do Danúbio;

• As disputas entre a Rússia e a Geórgia, que têm, entre outros, como pano de fundo, a luta pelo controlo do litoral do mar Negro situado a sul da Rússia e a norte da Turquia;

• As tensões entre a Rússia e a Turquia, nomeadamente em torno dos estreitos que dão acesso ao Mediterrâneo e, naturalmente, em torno da circulação marítima no interior do mar Negro.

No "Complexo dos Balcãs":

• O conflito grego-turco que ameaça a solidez do flanco sul da NATO e que, tendo raízes históricas remotas, se cristaliza hoje nas questões de Chipre e da disputa pelo controlo do mar Egeu, por razões militares e energéticas;

• O conflito entre a Sérvia, a Croácia e a comunidade muçulmana pelo controlo da Bósnia-Herzegovina que tem ocupado, desde 1991, as atenções da comunidade internacional;

• As tensões entre a Sérvia e a maioria albanesa no Kosovo que, em circunstâncias específicas, podem envolver em confrontos a Albânia, a Sérvia e a Macedónia;

• O tradicional conflito de interesses em torno da Macedónia, envolvendo a Grécia, a Bulgária, a Albânia e a Sérvia.

No "Complexo do Cáucaso":

• Os conflitos no interior da Federação Russa, envolvendo a Tchechénia;

• O conflito entre a Geórgia e as suas Repúblicas autónomas separatistas, uma (a Ossétia do Sul) controlando a principal via central de passagem do Cáucaso — da Rússia para sul — e as outras (Abkázia e Adjária) controlando uma parte do litoral do mar Negro;

• A "inimizade" histórica entre a Turquia e a Arménia;

• O conflito entre Arménia e Azerbeijão, em torno do controlo do enclave arménio de Nagorno Karabakh e da sua ligação à Arménia; bem como do acesso ao enclave azeri de Nakichevan, separado do restante Azerbeijão por território arménio.

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Os recursos energéticos e a "Zona de Turbulências"

Estes três "Complexos de Segurança Regionais", se têm as suas raízes constitutivas em tensões e conflitos geopolíticos e de segurança, estão a ser densamente interrelacionados pelas questões energéticas, que representam aspectos-chave do que poderíamos designar como "segurança económica" dos Estados envolvidos, e ameaçam agudizar algumas das tensões e conflitos referidos. Esta nova presença instabilizadora das questões energéticas pode resumir-se do seguinte modo:

• em primeiro lugar a Rússia, cuja presença nos mercados internacionais se centra hoje na energia e nas armas, e mais seguramente na primeira, vê com franca apreensão que o gigantesco potencial energético das recém-independentes Repúblicas do Cáucaso e Ásia Central ex-soviética, se desenvolva rapidamente, e em associação com o Ocidente, competindo directamente com os seus próprios recursos em petróleo e gás;

• em segundo lugar a Rússia receia que novas rotas de escoamento da energia vinda dos Estados do Cáucaso e da Ásia Central, que não passem pelo seu território, possam utilizar o território da Turquia, em trânsito para o Mediterrâneo Oriental, dando a Ankara um papel chave no fortalecimento da independência daqueles Estados; sendo que, por sua vez, as rotas de escoamento da Ásia Central e do Cáucaso que, atravessando território russo, usam portos do mar Negro supõem, actualmente, a passagem dos estreitos, para chegar ao Mediterrâneo, deparando-se com o antagonismo da Turquia;

• em terceiro lugar a Rússia receia a independência energética da Ucrânia (que robusteceria economicamente a sua independência política face a Moscovo), obtida quer por relações com o Azerbeijão (por via da Geórgia), por relações directas com países do golfo Pérsico ou em consequência da entrada em desenvolvimento e exploração dos vastos recursos que se supõe existirem no off-shore, a ocidente da Crimeia;

• em quarto lugar a Rússia considera os países balcânicos, em especial a Bulgária e a Grécia, como decisivos na sua estratégia energética, querendo usá-los para construir rotas de escoamento da Ásia Central e do Cáucaso que estejam libertas dos estreitos e da Turquia (vd. rota que, vinda do porto russo de Novorrossisk, atravessando o mar Negro e usando o porto búlgaro de Burgas, terminaria num porto grego do mar Egeu), além de pretender reforçar a dependência dos próprios países balcânicos dos fornecimentos energéticos da Rússia.

Ou seja, uma parte dos padrões de rivalidade ou amizade que referimos atrás como estruturando os três "complexos de segurança regionais" podem vir a ser "incendiados" pelo petróleo e pelo gás, ou seja por razões, de "segurança económica" ou de competição acesa por valias geoeconómicas (vd. funções de trânsito).

 

Dos alargamentos a uma arquitectura "Pan Europeia"

Basta observar a extensão destas periferias leste e sudeste da União Europeia, onde se localizam quase todos os conflitos principais que ameaçam a estabilidade europeia, para se perceber que, mesmo que não existissem outras razões de peso (e elas existem e estão bem presentes na questão do papel da Rússia na futura arquitectura geopolítica da Europa), a sua estabilização dificilmente se poderia conceber através de alargamentos sucessivos, quer por parte da União Europeia, quer da NATO. Mas por outro lado, se aceitarmos trabalhar numa "família de cenários" em que estas duas organizações continuariam a ser centrais na arquitectura política europeia (e terão que ser as duas, pois qualquer delas só pode existir na presença da outra, pois caso contrário o crescimento funcional de uma levaria ao apagamento da outra, e deste processo resultaria, como consequência, uma inevitável fractura na primeira [1]), pode conceber-se uma nova organização geopolítica da Europa que envolvesse:

• Alargamentos selectivos da UE e da NATO, necessariamente articulados entre si, mas não inteiramente sobrepostos;

• Criação de um novo quadro de cooperação económica muito mais vasto do que seria de conceber através de qualquer alargamento da União Europeia, e que não excluísse a Rússia.

 

Os alargamentos da UE e da NATO

A partir da composição actual da UE e da NATO, realizar-se-iam dois alargamentos. O alargamento selectivo da União Europeia incluiria:

• Estónia, Letónia e Lituânia;

• Polónia, Rep. Checa e Eslováquia;

• Hungria e Eslovénia;

• Turquia e Chipre.

E o alargamento da NATO abrangeria:

• Áustria, Eslováquia e Eslovénia;

• Bulgária e Macedónia.

 

A criação de uma "Comunidade do mar Negro e dos Balcãs" (CHNB)

Esta Comunidade incluiria:

• Ucrânia, Roménia/Moldova;

• Bulgária, Macedónia, Albânia, Sérvia, Montenegro, Bósnia/Herzegovina e Croácia;

• Geórgia, Azerbeijão e Arménia. Seria uma comunidade dispondo:

• de um acordo de associação com a União Europeia (que abrangeria o comércio e o investimento, a energia, a cooperação para o desenvolvimento e a segurança interna), cuja concretização tornaria possível a pertença simultânea da Grécia e da Turquia à União Europeia e a esta comunidade;

• de um acordo de associação com a Rússia (comércio e energia), compatível com um acordo comercial e económico entre a União Europeia e a Rússia, a definir.

Esta comunidade seria suportada por um acordo quanto à exploração e desenvolvimento dos campos petrolíferos disputados pela Ucrânia e Roménia e quanto aos oleodutos que escoassem os hidrocarbonetos do Cáucaso/Ásia Central e aos que estabelecessem novas ligações Rússia /Balcãs.

__________
1 Ou seja só enquanto os EUA forem uma potência europeia pode a União Europeia ter a garantia de não se fracturar.

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* José Manuel Félix Ribeiro

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.Subdirector Geral do Departamento de Planeamento e Prospectiva.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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