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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Apresentaremos inicialmente a situação nos Estados Unidos, já que este país surge como líder no conjunto dos países do Ocidente; depois passaremos para a Europa, utilizando como ponte a Grã-Bretanha, no que se refere à influência crescente do modelo americano, não deixando de mencionar, ainda que brevemente, a especificidade do caso português: "país de brandos costumes"?
O modelo americano ou a "tolerância zero" Nos anos 60 encontrávamos nos Estados Unidos uma demografia penitenciária que se orientava para um decréscimo progressivo. Discutia-se em 1975, o "desencarceramento", o "fim da prisão" e as penas alternativas. Mas a partir de 1975 (quando o número de detidos era de 380.000), verificou-se um aumento brutal da população penitenciária: "dez anos mais tarde, os efectivos dos presos tinham atingido os 740.000, antes de ultrapassarem o milhão e meio em 1995 e de se aproximarem dos dois milhões nos finais de 1998 (...) Se fosse uma cidade, o sistema penitenciário americano seria hoje a quarta metrópole do país."(Wacquant, 1999). Este surpreendente aumento da população penitenciária americana, (situando-se os Estados Unidos com uma taxa de encarceramento de seis a doze vezes superior à dos países da União Europeia) acontece num período em que a criminalidade neste país permaneceu globalmente constante, o que nos leva a admitir a tese apresentada por Nils Christie (1998), de que são as decisões político-culturais que determinam a estatística carceral e não o nível ou a evolução da criminalidade. De facto, nos Estados Unidos surge uma "nova penologia" contrária à dos anos 70, para a qual o objectivo já não é nem prevenir o crime, nem reabilitar os delinquentes, mas defender uma "ordem social", isolando os grupos percebidos como perigosos, os estrangeiros, os outros... Loïc Wacquant chama-nos a atenção para o alargamento do sistema penal, que não aparece contabilizado nestes dados estatísticos: por exemplo, o caso dos condenados a prisão com redução de pena e deixados em liberdade condicional — para além da sinergia existente entre funções de "captura" e de "observação", materializadas na América com as "fichas criminais". O mesmo autor, analisando os efectivos dos detidos nos Estados Unidos, diz que 75% corresponde a um encarceramento por pequenos delitos e em particular dos toxicómanos — tráfico de estupefacientes, assaltos, roubos, perturbações da ordem pública, como as incivilidades... —, "constituindo estes uma população que, de um modo geral, vem das fracções precarizadas da classe operária, e nomeadamente das famílias do subproletariado de cor das cidades mais afectadas pela transformação conjunta do salariato e da protecção social." (Wacquant, 1999). É assim que encontramos na América a onda da tolerância zero — termo que em Portugal costumamos associar apenas à segurança rodoviária — voltada para o combate à pequena delinquência, que concede "às forças da ordem carta branca para perseguirem agressivamente a pequena delinquência e repelirem os mendigos e os sem-abrigo para os bairros degradados" (Wacquant, 1999). O aumento repentino dos reclusos vai implicar necessariamente o aumento das despesas penitenciárias em termos do orçamento do Estado por um lado, e por outro vemos nascer uma indústria privada de encarceramento, que arranca em 1983, e em 1998 tem a seu cargo 132.572 reclusos, correspondendo hoje ao terceiro empregador do país a seguir à General Motors e Wal-Mart (Wacquant, 1999).
A Europa: do Estado social ao Estado penal? Encontramos hoje na Europa um discurso veiculado pêlos media, pêlos dirigentes políticos, e que tende já para um discurso de senso comum, à volta do medo do crime, da "violência urbana", das incivilidades, criando um sentimento de insegurança na vida quotidiana. A este respeito importa chamar a atenção para um artigo de David Garland, que aborda a questão do controlo da criminalidade na sociedade contemporânea a partir dos discursos criminológico — governamentais do Reino Unido. Diz-nos Garland que "a criminologia actual é cada vez mais dualista, polarizada e ambivalente", contendo duas respostas diferentes: uma voltada para aquilo a que Garland chama "a criminologia da vida quotidiana", sendo que o que está em causa é a nossa capacidade de adaptação, ou seja, a responsabilização do cidadão frente a uma característica da sociedade contemporânea, implicando mais um risco a evitar. Esta postura comporta o pressuposto de que a segurança deixa de ser garantida a todos os cidadãos pelo Estado, passando a ser mais um produto a distribuir segundo as forças do mercado. Para a outra política, voltada para a defesa de uma abordagem fortemente punitiva, mais lombrosiana, o delinquente é o outro, o estrangeiro, pertencente a um grupo social e cultural diferente do nosso, e perante o qual não tem qualquer sentido uma atitude de solidariedade. Mas o que se passa de facto quanto às taxas de encarceramento nos países membros da União Europeia? Verificamos um aumento rápido e contínuo das taxas de encarceramento em todos os países da União Europeia de 1985 a 1995: "De 90 a 125 prisioneiros por 100.000 habitantes em Portugal, de 60 a 105 em Espanha, de 90 a 100 em Inglaterra (com o País de Gales), de 75 a 95 em França, de 76 a 90 em Itália, de 65 a 75 na Bélgica, de 35 a 50 respectivamente a 65 nos Países Baixos e na Suécia e de 35 a 55 na Grécia" (Wacquant,1998). Este aumento das taxas de encarceramento na Europa, é acompanhado por discursos políticos, como o de Jospin, em França, em Junho de 1997, elevando a segurança à categoria de questão primordial do Estado; em Inglaterra, observamos, segundo a mesma lógica, a publicação da lei de 1998 "sobre o crime e a desordem", que instaura, por exemplo, o recolher obrigatório para os menores de 10 anos (Wacquant, 1999). Verifica-se de facto por toda a Europa a proliferação de dispositivos variadíssimos, visando restabelecer a "segurança": nas escolas, empresas, bairros e na cidade. Estes dispositivos são muitas vezes apresentados como óbvios, "naturais", incluindo por exemplo a vigilância por vídeo nos lugares e transportes públicos, ou em empresas privadas, a vigilância electrónica, a vigilância informática... Tudo isto nos faz pensar no 1984 de Orwell, ao mesmo tempo que nos deveria levar a reflectir sobre o principal pressuposto das ciências sociais, claramente formulado por Mareei Mauss: "qualquer fenómeno social é obra da vontade colectiva, e quem diz vontade humana diz escolha entre diferentes opções possíveis" (in Wacquant, 1999).
Portugal: país de brandos costumes? Em relação a Portugal introduziremos apenas algumas notas, chamando a atenção para a existência de um problema social, que é de facto a sobrelotação prisional existente no país. Esta questão remete para a questão fundamental de sabermos em que tipo de sociedade queremos viver. Analisando os quadros apresentados, podemos ver a nossa "vocação de liderança" quanto aos seguintes aspectos: • Portugal é o país da CE com o maior número de reclusos por 100.000 habitantes. • Em termos de inflação carceral na União Europeia (1983/1997), Portugal ocupa o terceiro lugar, com uma taxa de inflação de 140%. • Em termos de duração média de detenção, Portugal ocupa o primeiro lugar. • No que se refere ao número de detidos de cada sexo, Portugal tem uma percentagem de população feminina reclusa francamente superior à de todos os países da Europa comunitária (10%, cf. Tournier, 1997). • Portugal é um dos países com taxas de prisão preventiva mais elevadas, com uma percentagem de 49,1% de detidos preventivos por 100 000 habitantes, (cf. Ferreira, 1999). Ferreira, Vítor Pena, "Sobrepopulação Prisional e Sobrelotação em Portugal", Temas Penitenciários, n° l, Lisboa. DGSP. 1999. Garland, David, "Les contradictions de la 'société punitive': le cas britannique", Actes de Ia recherche en sciences sociales, 124, Paris, Setembro de 1998. Tournier, Pierre, "La population carcérale dans les pays européens", in Encyclopedia universalis, Paris, Universalia, 1992. Tournier, Pierre, Statistiques pénales annuelles du Conseil de L’Europe. Enquête 1997, Estrasburgo, Conselho da Europa, 1999. WacquanT, Loïc, Les Prisons de la misère, Paris. Raisons d’agir, 1999.Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Inflação carceral na União Europeia O encarceramento dos Estados Unidos e na União Europeia em 1997 Duração média de detenção na União Europeia
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