Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa | ||||
Onde estou: | Janus 2001 > Índice de artigos > A "arquitectura" política europeia > As Propostas > [Modelos teóricos para a construção europeia] | |||
|
ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Nos três textos seguintes (Qual Europa para o futuro?) apresentaremos um vasto leque de proposições, umas já relativamente antigas, outras mais recentes, cobrindo a diversidade de opções de dirigentes políticos ou de personalidades influentes. Mas essas mesmas diversas opções reportam-se a concepções distintas ou a correntes de pensamento próprias, subordinando-se de algum modo a modelos teóricos, cuja análise facilita o seu enquadramento e aprofundamento. A tentativa de organizar esses modelos teóricos não pode esquecer a flexibilidade que os caracteriza (o que impede catalogações rígidas), tanto mais que por vezes eles atravessam longitudinalmente as várias posições políticas.
Modelos "clássicos": o intergovernamentalismo Há uma primeira série de propostas para a "arquitectura" política europeia que está articulada com um modelo de pensamento a que poderemos chamar "clássico", no sentido em que utiliza categorias ou maneiras de pensar mais ou menos convencionais e consagradas. Estes modelos "clássicos" podem subdividir-se em duas grandes "famílias": os modelos de tipo intergovernamental e os modelos que apontam para soluções de tipo supranacional. Os do primeiro género - intergovernamental - têm de comum um entendimento da construção europeia assente na ideia de cooperação entre Estados nacionais e soberanos. Esta concepção, aliás, coloca-se em sintonia com a chamada Escola "realista" das relações internacionais, para quem o Estado-Nação é o actor privilegiado quando não exclusivo da vida internacional, sendo o sistema mundial o conjunto anárquico de interesses nacionais em inevitável conflito, interesses esses de que justamente o Estado é portador. Para o "realismo", a soberania é um atributo fundamental das sociedades nacionais e a correlação de forças entre os actores é a chave para a compreensão das dinâmicas internacionais. Assim, as potências europeias prosseguem interesses próprios e muitas vezes irredutíveis, aceitando apenas negociar áreas de cooperação sempre que daí decorram vantagens. No caso da construção europeia, o "intergovernanentalismo" é avesso a qualquer orientação que enfraqueça as soberanias tradicionais ou a medidas que reforcem as instituições comunitárias. Manifesta-se contrário à "burocracia" de Bruxelas e privilegia a cooperação no domínio económico, pela criação de um espaço de livre circulação de mercadorias. Logicamente, defende o Conselho Europeu, onde têm assento os chefes de Estado ou de Governo, como o centro por excelência da tomada de decisões, pois aí a dinâmica é por natureza intergovernamental. Em coerência com os pressupostos, é contrário a decisões por maioria, na medida em que tal procedimento pode obrigar alguns Estados a vergarem-se à vontade de outros. Enfim, o intergovernanientalismo é uma posição politicamente de pendor conservador e nacionalista (um conservadorismo seja de direita, seja de esquerda), ou economicamente de pendor liberal (contra a regulação política dos espaços económicos).
Modelos "clássicos": o funcionalismo "comunitarista" Em contraste com o anterior, os modelos de tendência supranacional preconizam, em maior ou menor grau, a superação das formas clássicas de soberania e a criação de instituições estatais ou para-estatais que ultrapassem o quadro convencional dos Estados nacionais. As dinâmicas em marcha na Europa aconselhariam assim o estabelecimento de centros de decisão supranacionais, para além da mera cooperação entre os Estados. O primeiro destes modelos de tendência supranacional é habitualmente designado como funcionalista e corresponde a uma estratégia centrada nos órgãos comunitários (por analogia com a evolução das espécies: quando uma função se torna necessária, surge um órgão para a desempenhar...; daí o termo funcionalismo). Nesta perspectiva, os Estados já não são os únicos actores em jogo e a construção europeia é vista como produto da acção conjugada de actores transnacionalizados e das instituições comunitárias. Por exemplo, os avanços no domínio da construção económica (mercado interno, moeda única...) resultariam da convergência de interesses entre as elites industriais europeias e a Comissão de Bruxelas para melhor enfrentarem a globalização. Por sua vez, da aliança entre a comunidade de juristas e os tribunais comunitários resultaria o progresso do direito europeu. Para estes novos actores, o objectivo seria o de criar um espaço onde a eficácia do mercado fosse apoiada pela regulação jurídica. Haveria assim uma interacção entre as dinâmicas sociais e as instituições comunitárias, tendo como efeito uma sedimentação gradual do "comunitarismo", isto é, uma consolidação progressiva dos órgãos estabelecidos pêlos tratados. Os Estados nacionais manteriam muitas das suas prerrogativas, mas estariam obrigados a partilhar boa parte dos seus poderes, ficando submetidos a instâncias que absorviam parcelas da soberania clássica, o que permite falar de embrião de supranacionalidade. Este processo, como vimos, seria marcado pelo gradualismo (por vezes expresso pelo anglicismo "incrementalismo"), podendo prever-se que das dinâmicas económicas e sociais resultem dinâmicas políticas e institucionais, mas admitindo transições flexíveis, fases em que a construção europeia se faria ao sabor de uma "geometria variável".
Modelos "clássicos": o federalismo No horizonte dos fundadores da comunidade europeia parece estar o ideal federalista, com todos os antecedentes de que este tema é portador e que foram anteriormente inventariados. Mas sob o termo "federalismo" esconde-se um sem número de projectos, todos eles unificados por uma perspectiva de superação dos nacionalismos e por um princípio de supranacionalidade, tentando resolver um dilema permanente que é o do equilíbrio entre os "interesses territoriais" e os "interesses funcionais" ou, se quisermos, entre as lealdades históricas nacionais e as solidariedades transnacionais. Uma vez que os espaços de regulação parecem já não caber nos limites das velhas fronteiras nacionais, impor-se-ia uma nova arquitectura institucional, oscilando entre um super-Estado polarizador dos novos centros de decisão e fórmulas mais brandas de supranacionalidade, onde o pendor federalista não se traduz necessariamente nos contornos da federação clássica. Nos textos seguintes, vamos encontrar numerosos exemplos dessa diversidade de propostas, no interior da "família" federalista, desde a forma convencional onde coabitam o poder federal e os poderes estaduais (com uma suficiente delimitação de competências para impedir sobreposição de jurisdições), até às formas de confederação compatíveis com forte autonomia dos Estados-membros. Pelo meio, situam-se propostas institucionais cuja formulação já indicia a natureza intermédia de modelos subfederais: "quase federação", federação de Estados-Nação, federação de regiões, federação de Estados e regiões... Algumas destas concepções têm sido influenciadas pelas experiências históricas de Estados federais onde as dinâmicas levaram a ultrapassar o rígido dualismo que caracteriza a federação clássica com a bifurcação poder federal/poder estadual. É o caso da Alemanha, do Canadá, em parte da Suíça. Aí se verifica um progressivo entrosamento de outros níveis de decisão e influência, segundo um modelo mais policentrado: isso tem sido designado como "federalismo cooperativo", cujos pormenores veremos mais adiante. Seja como for, este conjunto de propostas aponta para uma configuração das instituições políticas organizadas em vários patamares, uns supranacionais, outros infranadonais, sendo a hipótese federativa o fecho da abóbada da possível construção europeia.
Busca de novos conceitos para interpretar novas realidades Chamámos "clássicos" aos modelos até agora referenciados porquanto eles se movimentam num quadro que se aproxima das fórmulas conhecidas de organização política das sociedades, seja como Estados unitários seja como Estados federais. Todavia, pensadores contemporâneos, com relevo para os de formação sociológica, chamam a atenção para a evolução das sociedades europeias onde emergem fenómenos que dificilmente cabem dentro das categorias tradicionais. A mobilidade de pessoas e bens com a implosão das fronteiras, o crescente pluralismo intercultural das sociedades europeias, a multiplicidade dos actores sociais transnacionalizados (agentes económicos, comunidade científica, universidades, agentes culturais, sindicatos, grupos de meios de comunicação, movimentos associativos, organizações não governamentais...) são indicadores de uma nova realidade social que obriga a repensar os nossos próprios modelos conceptuais. Há posições favoráveis ao princípio da supranacionalidade mas que receiam que o modelo federal já não seja adaptado a estas novas realidades sociais. Há pensadores que defendem avanços ousados na construção europeia mas que não os equacionam segundo os padrões convencionais. Usam termos que alguns designam como "pós-modernos" ou mesmo "pós-internacionais", na tentativa de identificar as novas dinâmicas em presença. Em certos meios está em voga a palavra "governação" (há quem diga "governância" a partir de "governance") para exprimir não tanto a ideia de "governo" (no sentido de "executivo" do Estado nacional) mas a ideia de governabilidade a partir da pluralidade de actores tanto locais como internacionalizados, onde as novas configurações do poder se concretizam em novas esferas de responsabilidade. Outros falam de democracia cosmopolita para reflectir não apenas a necessidade de superar o conhecido "défice democrático" das actuais instituições europeias, como ainda a intenção de abertura das nossas sociedades crescentemente marcadas pelo pluralismo cultural. Conceitos como estes têm evidentemente influência nos modos de pensar a futura "arquitectura" política da Europa. É também o caso de análises acerca do Estado-rede ou do tema da democracia supranacional e pós-federal, cujos desenvolvimentos são retomados nos textos seguintes. Tais contributos, mesmo quando deixam relativamente em aberto as soluções institucionais que deles decorrem, têm o mérito de impedir que fiquemos aprisionados em conceitos obsoletos e de nos obrigar a repensar a construção europeia sem esquecer os seus povos e as suas evoluções históricas. Teremos assim melhores garantias de conseguirmos responder à questão de como organizar uma democracia supranacional.
Informação complementar Algumas expressões usadas Confederação – Associação de Estados independentes e soberanos com vista à prossecução de interesses comuns, dispondo de órgãos que lhe são próprios mas cuja autoridade deriva da dos Estados-membros. A Confederação, que tem na sua base um tratado entre Estados independentes, não constitui por isso um Estado, sendo que os Estados confederados mantêm a sua capacidade soberana, limitando algumas das suas competências nas matérias que acordam e previstas no tratado. Cooperações reforçadas – Mecanismo previsto pelo Tratado de Amesterdão (embora ainda não aplicado), que permite a um grupo de países avançar mais depressa num domínio específico da integração sem ser necessária a concordância de todos. Europa "a la carte" – Um "menu" de acordos onde a Europa serve para todos os gostos: cada Estado se associaria aos restantes apenas na medida em que, caso a caso, isso servisse os seus interesses nacionais. Federação – Repousa numa Constituição que associa as comunidades separadas e define a sua autonomia e a sua participação nas instituições federais; com a Federação cria-se um novo Estado, o Estado federal, que beneficia dos direitos reconhecidos aos Estados soberanos (negociar e ratificar tratados, ser membro de pleno direito de organizações internacionais, etc.), agregando Estados federados, assentando numa única estrutura de órgãos com duas ordens de governo, o governo central ou federal, e os governos locais ou estaduais. Geometria variável – Conceito de uma Europa flexível, com soluções múltiplas adaptadas a uma realidade evolutiva, onde vários Estados caminham para formas avançadas e outros ficam aquém em patamares inferiores; é uma espécie de recurso para manter a marcha da construção europeia nas áreas onde não há consensos entre os Estados-membros. Soberania partilhada – Embora continuando os Estados-membros a deterem em abstracto as prerrogativas da soberania, incluindo a competência exclusiva para assinar e modificar os tratados (ou, em caso limite, sair da União), esses Estados transferem para os órgãos comunitários crescentes competências e aceitam prescindir de certos atributos da soberania clássica (como a moeda própria ou, cada vez mais, capacidade de decisão em matéria de política externa e de defesa). Subsidariedade – Princípio segundo o qual a Comunidade intervém apenas se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-membros e possam ser preferencialmente alcançados ao nível comunitário. Modelos teóricos para a construção europeia
|
| |||||||