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Qual Europa para o futuro? (I)

Elisabete Palma *

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Depois de termos considerado, nas páginas imediatamente anteriores, os modelos teóricos que representam paradigmas de pensamento para a construção europeia, podemos agora desdobrar as várias propostas em presença, expondo os seus conteúdos e identificando os seus autores, bem como os respectivos contextos em que foram apresentadas. Começamos por referir as de natureza intergovernamental e algumas de pendor federal.

 

Proposta intergovernamental: a Europa dos Estados

A ideia da constituição de uma união política remonta aos primórdios da construção europeia. Após o fracasso da CED e já depois da criação das Comunidades Europeias, o governo francês propõe aos seus parceiros um processo de negociação que leve à construção da Europa política. Contudo, as intenções da França prevêem a utilização de um método diferente do criado no quadro comunitário. Em conferências de imprensa, o general De Gaulle precisa as suas intenções a respeito daquilo a que chamou de "construção da Europa Ocidental".

A 31 de Maio de 1960 anuncia que "contribuir para edificar a Europa Ocidental como um agrupamento político, económico, cultural e humano, organizado pela acção e pela defesa, é no que a França se vai empenhar (...). Sem dúvida que as nações que se associarem não deixarão de ser elas mesmas e que a via seguida é ela mesma a de uma cooperação organizada de Estados, podendo um dia vir a tornar-se numa imponente confederação. Mas a França, naquilo que lhe respeita, reconhece a necessidade desta Europa Ocidental que foi outrora palco de sagas e da ambição das potências e que aparece hoje como condição indispensável ao equilíbrio do mundo."

Alguns meses mais tarde, a 5 de Setembro, De Gaulle aprofunda o seu pensamento sobre as intenções da França no projecto da união política: "Quais são as realidades da Europa? Quais são os pilares sobre os quais podemos edificar? Na verdade são os Estados: muito diferentes, é certo, uns dos outros, com a sua alma e a sua história, mas são as únicas entidades com o direito de ordenar e a autoridade para agir." E a 15 de Maio de 1962 toma definitivamente uma posição a favor de uma "Europa dos Estados" ao mesmo tempo que rejeita a frase "Europa das Pátrias", que vulgarmente lhe era atribuída. Assim, uma "Europa dos Estados", é a expressão que o general De Gaulle utiliza para defender a sua própria concepção de uma Europa unida baseada na existência de pátrias, nações ou Estados indestrutíveis e a salvo de qualquer intento de fusão ou desmembramento. Ou seja, uma Europa claramente de cooperação, onde vigora a intergovernamentalidade no seio das Comunidades.

 

Propostas federais: Federalismo Clássico

A ideia de reconstruir a Europa com base numa união federal das suas nações é expressa com veemência ainda no decorrer da II Guerra Mundial. O "Manifesto per un Europa libera e unita", mais conhecido como Manifesto de Ventotene, escrito em 1941 por Altiero Spinelli (futuro fundador do Movimento Federalista Europeu e futuro deputado europeu) e Ernesto Rossi (matemático) apela claramente à construção de um Estado federal firme na Europa, com exército próprio. Embora não entrando em detalhes sobre as instituições que deverão dar forma à federação europeia, este documento enuncia de forma clara os princípios de acção que inspirarão os vários movimentos federalistas. Mais recentes e concretas são as propostas de Rudolf Luster, membro da primeira geração de deputados do Parlamento Europeu, e Emílio Colombo, antigo primeiro-ministro da Itália e antigo Presidente do Parlamento Europeu.

Em 1989, Rudolf Luster elabora um Projecto de Constituição para a Comunidade, através do qual pretende que a União Europeia se transforme num Estado federal e imagina-o mesmo como os Estados Unidos da Europa. Este novo Estado, que tem na sua base uma Constituição, é composto pêlos seguintes órgãos: Conselho Regional da União, Parlamento da União, Conselho da União, Primeiro-Ministro e Governo, Presidente da União, Conselho Europeu, Tribunal Constitucional da União e Banco.

A separação de poderes na União é efectivada através da nomeação de um Governo dependente da escolha e da confiança do Parlamento Europeu e concebido como órgão sucessor da Comissão. O Conselho da União (composto por membros dos governos) colabora com o Parlamento da União (representa todos os cidadãos do Estado federal) na actividade legislativa, como órgão federal. O representante da União, externa e internamente, é o Presidente da União. O Conselho Regional da União é o representante dos interesses regionais no interior da União e possui o direito de iniciativa legislativa.

Embora não preveja a eliminação dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias, a proposta tipicamente federal de Emílio Colombo, datada de 1990, a eles junta uma Constituição onde define de forma mais clara as competências de cada uma das instituições, as quais evoluem para uma estrutura federal.

A Comissão torna-se no único executivo. Conserva a iniciativa das leis e executa as leis e os tratados sob o controlo do Conselho e do Parlamento. O seu presidente, eleito pelo Parlamento Europeu sob proposta do Conselho Europeu, nomeia os respectivos membros e a Comissão deve receber o voto de confiança do Parlamento. O Parlamento Europeu representa os cidadãos que o elegem por sufrágio universal e directo, segundo um procedimento eleitoral uniforme. Ao Conselho Europeu, composto por chefes de Estado ou de Governo e pelo Presidente da Comissão, compete estimular a acção da União. O Conselho, composto por representantes dos Estados-membros, deve estatuir com maioria simples ou qualificada. O Tribunal de Justiça torna-se no Supremo Tribunal da União, com competência para julgar sobre a legitimidade constitucional dos actos da União.

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Propostas federais: Federalismo Cooperativo

Distanciando-se do modelo federal puro ou clássico por não o considerar muito realista para a Europa, a Comissão dos Assuntos Institucionais sobre a Constituição da União Europeia apresenta em 1994 um projecto de Constituição da União Europeia. A fórmula adoptada no "Relatório Herman" é a do Federalismo Cooperativo. Este modelo baseia-se numa dupla legitimidade democrática: a dos cidadãos e a dos Estados. Assim, os Estados e a Comunidade encontram-se associados em todas as fases de decisão (cooperação), mas a execução destas decisões é essencialmente deixada aos Estados-membros (descentralização).

Em suma, é proposto não um Estado Federal ou uma União de Regiões, mas um conjunto formado pelos Estados-membros e respectivos povos, base e pilares duma nova União. De acordo com esta proposta, é redigida uma Constituição para a União Europeia que não substitui inteiramente os Tratados, situando-se a um outro nível jurídico, ao nível superior de uma ordem estável e permanente que não poderá ser alterada a não ser excepcionalmente e de acordo com todos os representantes das duas legitimidades democráticas.

A nível institucional, o projecto mantém o sistema quadripartido, introduzindo, no entanto, algumas alterações significativas. Assim, o Parlamento Europeu passa a ser composto por representantes dos cidadãos eleitos por sufrágio universal e directo e participa com o Conselho Europeu na definição das orientações políticas gerais. Com ele partilha o poder legislativo, orçamental e de aprovação de tratados. Elege também o Presidente da Comissão. O Conselho Europeu reúne os chefes de Estado ou de Governo dos Estados-membros, bem como o Presidente da Comissão e é a instituição que dá à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e define, com a participação do Parlamento Europeu, as orientações políticas gerais. O Conselho é formado por um ministro de cada Estado-membro, competente para os assuntos da União, o qual preside a uma delegação de acordo com os preceitos constitucionais nacionais. Cada delegação exprime um voto unitário. Em conjunto com o partilha o poder legislativo, orçamental e de aprovação de tratados. Elege também o Presidente da Comissão.

O Conselho Europeu reúne os chefes de Estado ou de Governo dos Estados-membros, bem como o Presidente da Comissão e é a instituição que dá à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e define, com a participação do Parlamento Europeu, as orientações políticas gerais. O Conselho é formado por um ministro de cada Estado-membro, competente para os assuntos da União, o qual preside a uma delegação de acordo com os preceitos constitucionais nacionais. Cada delegação exprime um voto unitário. Em conjunto com o Parlamento Europeu, o Conselho delibera sobre as leis, vota o orçamento e aprova os tratados internacionais. Por último, a Comissão é composta por membros escolhidos pelo seu Presidente, de comum acordo com o Conselho, e representa o interesse geral da União. Tem poder de iniciativa e participa no poder legislativo.

 

Informação complementar

Carta dos Direitos Fundamentais

No Conselho Europeu de Colónia, 3 e 4 de Junho de 1999, é decidido que os direitos fundamentais aplicados ao nível da União devem ser consolidados numa Carta para, desta forma, lhes ser conferida maior visibilidade. A elaboração de uma Carta dos Direitos Fundamentais tem, no entanto, suscitado inúmeras questões.

Para além das interrogações acerca do seu conteúdo e do seu debatido elenco de direitos, a Carta é também vista como uma via para a constitucionalizaçëo dos tratados. Ora, uma Federação repousa numa Constituição. Poderá a Carta dos Direitos Fundamentais ser um primeiro passo nesse sentido?

A inclusão da Carta nos tratados constitui para uns a possibilidade de finalmente se enveredar no sentido de tornar realidade o ideal federalista ao passo que outros temem precisamente que esta se inscreva numa lógica federalizadora, uma expressão clara e definitiva na dotação da União Europeia de uma Constituição.

Em princípio, o objectivo deste documento é o de identificar, alargar e clarificar os valores em que os Estados-membros e os cidadãos da UE se enquadram. O processo de redacção da Carta está praticamente concluído. A sua natureza, porém, ficará definida somente quando se decidir sobre a extensão dos direitos a cobrir e sobre a força jurídica deste instrumento.

 

A Federação de Estados-Nação

Ao contrário de Rudolf Luster, Jacques Delors não pretende que a União Europeia se transforme nos Estados Unidos da Europa. Entre 1989 e 1990, Delors, ainda como Presidente da Comissão Europeia, provoca o debate sobre a construção europeia. As posições então expressas foram reafirmadas no início de 2000. O seu objectivo é a união das velhas nações europeias num modelo que permita saber quem faz o quê. Daí que fale duma Federação de Estados-Nação: Estados-Nação porque não acredita no desaparecimento da nação, a qual continua a ser vital traduzindo um sentimento de pertença e de cidadania activa; e Federação porque é o único sistema que permite ao cidadão compreender quem faz o quê e a quem se dirigir. Para alcançar estes objectivos, Jacques Delors propõe que se conclua um novo tratado dentro dos tratados europeus. Com vista à instituição do seu modelo, a Comissão deve tornar-se no executivo político capaz de desbloquear os interesses comuns essenciais, executivo esse responsável perante o Parlamento Europeu e perante os Estados representados, ou no Conselho Europeu ou numa segunda câmara composta por representantes dos parlamentos nacionais. Considera também que um avanço no sentido de uma maior integração terá necessariamente que ser personificado. Assim, apresenta duas soluções: o Presidente da Comissão torna-se o Presidente de facto da União ou o Conselho Europeu elege por dois ou três anos, no seio de uma troika, um Presidente da União que colaborará estreitamente com um Vice-Presidente e com o Presidente da Comissão.

Embora apresentando uma estrutura com características tipicamente federais, este modelo não assenta numa constituição e prevê a manutenção dos Estados-Nação.

A 12 de Maio de 2000, também Joschka Fischer sugere para a Europa uma Federação de Estados-Nação. A nível institucional propõe a passagem da União de Estados para uma parlamentarização integral numa federação europeia.

Baseada numa Constituição, a Federação de Estados-Nação deverá ser dotada de um Parlamento e de um Governo europeus com verdadeiros poderes legislativos e executivos. O Parlamento tem que representar duas coisas: uma Europa dos Estados-Nação e uma Europa dos Cidadãos. A solução pode ser um Parlamento com duas câmaras. A primeira câmara seria composta por deputados eleitos que seriam igualmente membros dos parlamentos nacionais e quanto à segunda, ter-se-á que decidir entre o modelo do Senado (senadores eleitos directamente pêlos Estados-membros) e uma Câmara de Estados (idêntica ao Bundesrat alemão).

Da mesma forma, existem duas opções para o executivo europeu, ou Governo. Pode decidir-se a favor do desenvolvimento da forma actual do Conselho Europeu para um verdadeiro Governo europeu, e neste caso o Governo europeu seria formado a partir dos Governos nacionais, ou pode tomar-se a actual estrutura da Comissão como ponto de partida e optar-se pela eleição directa de um Presidente com vastos poderes executivos.

Embora com estas características a proposta de Fischer seja claramente no sentido de uma federação no sentido clássico do conceito, a diferença verifica-se ao nível da cedência de soberania. Com o seu projecto Fischer não pretende criar um novo Estado federal e acabar com os actuais Estados-membros. Pretende sim criar uma estrutura federal com a qual os Estados-membros dividem a soberania. Para o autor, a concretização da integração europeia só pode ser bem sucedida se for precisamente feita com base numa divisão da soberania entre a Europa e o Estado-Nação.

Quer a proposta de Jacques Delors quer a proposta de Joschka Fischer vão no sentido de uma Federação de Estados-Nação. No entanto, em ambas ficam por definir até onde vai a cedência de soberania dos Estados para o poder central e, por conseguinte, quais as competências de cada um dos níveis de poder. Ou seja, é muito difícil por esta via distinguir estes modelos dos de federação.

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* Elisabete Palma

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Assistente de Investigação no Observatório de Relações Exteriores.

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