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Qual Europa para o futuro? (II)

Elisabete Palma *

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Depois de termos visto o projecto de federação clássica, podemos adiantar a análise de outras propostas de "arquitectura" política para a Europa, ainda dentro do quadro federativo, mas não já segundo o conceito rígido da dualidade de poderes ao nível federal e estadual.

Entrando na apreciação de modelos mais flexíveis, reportamo-nos à confederação e à "quase federação", além de explorarmos algumas propostas quanto à estratégia a seguir para a construção europeia.

 

Proposta confederal: Confederação Europeia

É no âmbito de uma conjuntura caracterizada por europessimismo e por eurocansaço (eleições europeias de 1989 e processo de ratificação do Tratado de Maastricht) que o então Presidente da República Francesa, François Mitterrand esboça as suas ideias quanto ao futuro da Europa. Mitterrand aspira à unidade económica, monetária e política da Europa. Considera, no entanto, que a Europa tem necessidade de um horizonte, de um método de trabalho, de uma ambição mobilizadora, de acções úteis no imediato e que esta se edificará sobre numerosos pilares. Paralelamente, tem também necessidade de se tornar mais forte e mais ligada. Desenha por isso as linhas de uma Confederação para a Europa.

Uma Confederação porque são necessárias estruturas flexíveis e limitadas e porque esta representa um mínimo de conteúdo jurídico. A Confederação Europeia de François Mitterrand seria assim uma Europa onde os Estados democráticos, seguros da sua integridade e segurança, estabeleceriam livremente laços de união numa base de igualdade e de reciprocidade, no quadro dos quais seriam resolvidas as tensões e os conflitos pela via da conciliação e da arbitragem.

No âmbito da Confederação, criar-se-iam sociedades onde cada cidadão poderia gozar em pleno a sua cidadania e onde as minorias gozariam de garantias e de protecção. Dar-se-ia também lugar a um espaço unificado, onde reinaria a boa vizinhança e onde as pessoas circulariam livremente. Construir-se-iam grandes obras de interesse comum, de dimensão continental que restituiriam ao território a sua continuidade física.

 

Outras estratégias: Europa-Espaço e Europa-Potência

A proposta para a Europa (1995) de Valéry Giscard d'Estaing, antigo presidente da França, não corresponde a nenhuma das categorias tradicionais de organização dos Estados. Estaing concebe simultaneamente uma Europa intergovernamental e uma Europa federal.

Deparando-se com o alargamento como um facto, considerando que este não é compatível com o objectivo inicial dos seis países fundadores de uma Europa fortemente integrada, mas constatando que ainda assim há Estados que pretendem levar a integração mais longe, Estaing propõe uma Europa-Espaço, a Grande Europa, e uma Europa-Potência, a Pequena Europa. De acordo com esta proposta, as instituições comunitárias existentes – Comissão, Parlamento e Conselho, passam a ser as únicas instituições a funcionar à escala da Europa-Espaço. Encarregar-se-ão, daqui em diante, do futuro desta Europa. Em compensação, deixam de ser a ferramenta de uma integração europeia suplementar.

Esta Europa não terá vocação federal e deverá constituir uma comunidade de nações que gere em comum certas competências precisas, definidas pelos tratados e limitadas pela aplicação rigorosa do princípio da subsidariedade.

Paralelamente, os Estados que têm vontade de prosseguir com a integração devem agrupar-se num núcleo duro, de modo a constituir a Europa-Potência.

Este grupo é definido não por calendário, mas pela vontade – aqueles que decidem ir mais longe. Trata-se portanto, de um núcleo aberto.

A Europa-Potência deve ser fortemente integrada a funcionar, segundo a natureza das competências exercidas, como o modelo federal ou segundo um procedimento intergovernamental sancionado por votos. Deve dotar-se de uma estrutura institucional directamente ligada às estruturas nacionais, à semelhança dos Estados federais. Deve igualmente ser definida com precisão e rigor suficientes de modo a impor-se como força constitucional aos Estados que a integram.

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Outras estratégias: a Via do Grupo Pioneiro

Face a "um período de grande transição que se abre para a Europa, nomeadamente com as perspectivas do alargamento", Jacques Chirac, presidente da República Francesa, pronuncia-se a favor de um processo ambicioso de "refundação institucional da Europa". Este processo deverá culminar com a adopção de uma Constituição europeia, a qual será ratificada pêlos povos europeus por referendo. Não pretende, no entanto, a criação de um super-Estado europeu que substitua os Estados-Nação. Defende uma via original.

Chirac propõe a criação, já no ano que vem, de um "grupo pioneiro" de países favoráveis a "cooperações mais estreitas", de que a França e a Alemanha seriam as traves-mestras, com a Itália, o Benelux e a Espanha. Sugere também a criação de um secretariado encarregue de velar pela coerência das posições e das políticas dos membros deste grupo, o qual deverá estar aberto a todos aqueles que desejem integrá-lo.

Durante o período de transição, caberá ao grupo pioneiro mostrar o caminho. Chirac deseja que os países do grupo pioneiro se apoiem "no novo procedimento de cooperação reforçada definido durante a CIG (...), e se necessário, fora dos tratados". Este grupo terá por missão, a partir do próximo ano, "procurar uma melhor coordenação das políticas económicas, o reforço da política de defesa e de segurança e uma maior eficiência na luta contra a criminalidade".

Ao sugerir a criação de um "secretariado encarregue de velar pela coerência das posições e das políticas" dos seus membros, o presidente propõe um meio termo ao reclamar um certo grau de organização para tornar tangível o novo aprofundamento. Trata-se de uma inovação em relação ao informal Conselho do Euro, encarregue da coordenação das políticas económicas. De acordo com Jacques Chirac, esta estrutura deve situar-se fora das instituições europeias de modo a não cair sob o domínio da Comissão e a tornar-se num instrumento nas mãos dos governos nacionais.

Paralelamente, o presidente propõe a elaboração de uma futura Constituição europeia. Esta não se limitará a dizer quem faz o quê na Europa. Deve também reorganizar os tratados a fim de tornar a sua apresentação mais coerente e mais compreensível para os cidadãos. Deve igualmente responder à questão dos limites e fronteiras da União (será que incluem a Ucrânia e a Turquia, ou não?) e precisar a natureza da Carta dos Direitos Fundamentais. Mas deve sobretudo prever os ajustes institucionais necessários, tanto do lado do executivo como a nível do Parlamento, de modo a reforçar a eficácia e o controlo democrático da União.

A posição de Jacques Chirac, mais do que exprimir claramente quais deverão ser e como funcionarão as futuras instituições da União, aponta uma via, a de um grupo de Estados que pretendem ir mais longe e que o devem fazer com base nas cooperações reforçadas. O resultado final não deverá, no entanto, ser uma federação ou qualquer outro tipo de organização convencional. De facto, embora tendo presente que o processo de unificação europeia deu já lugar a transferências de soberania importantes, em particular o euro e o Tribunal Europeu do Luxemburgo, Chirac distancia-se de intergovernamentalistas e federalistas: "Renunciemos aos anátemas e às simplificações e convençamo-nos por fim de que as instituições da União são e continuarão a ser originais e específicas".

 

Informação complementar

Cooperações Reforçadas

Ao sugerirem papa a construção europeia estratégias no sentido de os Estados que pretendem ir mais longe na integração se agruparem e avançarem num aprofundamento das relações nos domínios que considerem pertinentes, quer Valéry Giscard dïstaing, quer Jacques Chirac apontam para uma solução que, em certa forma, é já possível de se concretizar no âmbito da actual DE: as cooperações reforçadas.

Trata-se de um mecanismo previsto pelo Tratado de Amesterdão mas que nunca foi aplicado e que permite a um grupo de países avançar mais depressa num domínio específico da integração sem ter de esperar pela concordância de todos.

Este mecanismo é considerado uma hipótese bastante viável nos domínios da justiça e assuntos internos (Schengen constitui um bom exemplo de uma cooperação mais estreita) e nos da política externa e defesa, não excluindo a sua aplicação ao primeiro pilar (CEE, CECA e CEEA). A proposta de Jacques Chirac levanta mesmo a hipótese de se constituírem cooperações reforçadas à margem dos tratados e da estrutura institucional da UE.

Europa-Potência, a Pequena Europa. De acordo com esta proposta, as instituições comunitárias existentes — Comissão, Parlamento e Conselho— passam a ser as únicas instituições a funcionar à escala da Europa-Espaço. Encarregar-se-ão, daqui em diante, do futuro desta Europa. Em compensação, deixam de ser a ferramenta de uma integração europeia suplementar. Esta Europa não terá vocação federal e deverá constituir uma comunidade de nações que gere em comum certas competências precisas, definidas pêlos tratados e limitadas pela aplicação rigorosa do princípio da subsidiariedade.

Paralelamente, os Estados que têm vontade de prosseguir com a integração devem agrupar-se num núcleo duro, de modo a constituir a Europa-Potência. Este grupo é definido não por calendário, mas pela vontade — aqueles que decidem ir mais longe. Trata-se portanto, de um núcleo aberto. A Europa-Potência deve ser fortemente integrada e funcionar, segundo a natureza das competências exercidas, como o modelo federal ou segundo um procedimento intergovernamental sancionado por votos. Deve dotar-se de uma estrutura institucional directamente ligada às estruturas nacionais, à semelhança dos Estados federais. Deve igualmente ser definida com precisão e rigor suficientes de modo a impor-se como força constitucional aos Estados que a integram.

 

A "quase Federação"

Também dentro do Federalismo surgem outras propostas que, embora apontando para o modelo federal, não têm como resultado prático uma federação na acepção clássica do conceito. São as Quase Federações.

O Projecto Spinelli é uma das iniciativas que, no início dos anos 80, marca o regresso à grande ambição de uma união política. Criada em 9 de Julho de 1981, a comissão institucional do Parlamento Europeu, presidida por Altiero Spinelli, redige um projecto de tratado sobre a União Europeia. Segundo este projecto, a Comissão tornar-se-ia no único órgão executivo da União, sendo o seu presidente nomeado pelo Conselho Europeu. O Conselho Europeu, composto pêlos chefes de Estado e de Governo, manter-se-ia como cerne da cooperação intergovernamental. O Parlamento Europeu deixaria de ser um órgão meramente consultivo passando a partilhar o poder legislativo e orçamental com o Conselho da União. O Conselho da União, distinto do Conselho Europeu, seria composto por representantes dos governos e partilharia com o Parlamento o poder legislativo.

Embora reconhecendo a importância da representação dos governos dos Estados-membros ao conceder-lhes completa soberania no domínio da cooperação, este projecto, no domínio das acções comuns, retira aos Estados o monopólio do poder legislativo e o voto por unanimidade. Por outro lado, embora apontando para o modelo federal, o Relatório Spinelli esboça uma arquitectura para a Europa baseada num tratado. Acresce ainda que o próprio projecto não prevê que esta seja a estrutura definitiva para a União, antes uma fase de um processo de integração gradual e diversificada. Poderá talvez por isso considerar-se que propõe para a Europa uma estrutura federal com intergovernamentalismo institucional, ou seja, uma Quase Federação.

Em Setembro de 1994, também Karl Lamers, então porta-voz para os Negócios Estrangeiros do Grupo CDU/CSU no Bundestag, e Wolfgang Schàuble, então presidente do Grupo CDU/CSU no Bundestag, apresentam uma proposta com características claramente federais mas cujo resultado prático não se pode apelidar de federação na acepção clássica do conceito. Ao nível do desenvolvimento institucional, o objectivo deve ser o de reforçar a capacidade de acção da União Europeia e de desenvolver os seus fundamentos democráticos e federais. Para resolver o problema constitucional da União, ou seja, saber quem faz o quê, propõem a elaboração de um documento quase-constitucional que delimite claramente as competências da União, dos Estados-membros e das regiões, e que defina também as ideias fundamentais sobre as quais assenta a União. Este documento deve inspirar-se no modelo federal e no princípio da subsidariedade, não apenas no que concerne a delimitação das competências mas igualmente na questão de saber se certas tarefas devem ser assumidas pelos poderes políticos e, portanto, pela União, ou desempenhadas pela sociedade civil.

Embora baseando-se no modelo federal, os autores não propõem de forma clara uma federação, desde logo porque é deliberadamente referido corno um documento quase-constitucional e não uma constituição, pilar básico de uma federação clássica.

Já a nível institucional, o modelo proposto encontra-se muito próximo do de uma federação. As alterações propostas ao actual estado de coisas vão no sentido de a Comissão passar a exercer os atributos de um Governo Europeu, o Conselho, para além de outros papéis relevantes no domínio intergovernamental, o papel de uma Segunda Câmara — Câmara dos Estados — (princípio da igualdade entre todos os Estados-Membros), e o Parlamento assumir as funções de um órgão legislativo (partilha dos votos em proporção ao número de habitantes), em parceria com o Conselho. Nesta proposta, apenas não é referida a figura do Presidente da federação.

O grupo parlamentar da CDU/CSU apresenta também uma proposta que, apontando para o modelo federalista, acaba por na prática não chegar a sê-lo. Este grupo propõe igualmente a elaboração de um documento quase-constitucional que defina, de forma clara, os poderes entre a União Europeia, os Estados-Nação e as regiões e os valores fundamentais nos quais a União Europeia se fundamenta. Este documento deve apontar para um modelo de "Estado Federal". A reforma das instituições deve orientar-se para a conceptualização de um novo equilíbrio institucional, segundo o qual o Parlamento Europeu deverá, progressivamente, transformar-se num órgão legislativo com igualdade de direitos em relação ao Conselho; o Conselho, para além de exercer funções no campo intergovernamental, assumirá o estatuto de uma segunda câmara, isto é, uma câmara dos Estados-Membros; a Comissão exercerá funções de um Governo Europeu.

Face à ausência de um presidente da federação neste projecto e devido à opção no sentido de um documento quase constitucional na base desta nova Europa, a mesma poderá talvez ser rotulada de uma Quase Federação.

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* Elisabete Palma

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Assistente de Investigação no Observatório de Relações Exteriores.

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