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Qual Europa para o futuro? (III)

Elisabete Palma *

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O balanço que estamos a fazer acerca das propostas para as instituições europeias no futuro ficaria incompleto sem a referência aos projectos que integram a componente regional na "arquitectura" em causa. As Regiões têm surgido como patamar importante do edifício político europeu e alguns preconizam que elas sejam peças fundamentais na institucionalização em curso. Acrescentamos ainda algumas posições que se situam claramente no campo das abordagens não convencionais, como é o caso das perspectivas acerca da democracia supranacional e pós-federal e do conceito de Estado-rede.

 

Propostas "regionalistas": a Europa das Regiões

Esta proposta alternativa ao Modelo Federal é defendida principalmente pelo colectivo agrupado em torno da denominação geral de federalismo étnico. Este modelo propõe a eliminação dos Estados e a sua substituição pelas Regiões. De acordo com o federalismo étnico, para construir uma federação europeia viável, para realizar a unidade europeia, é imprescindível, em primeiro lugar, destruir o Estado-Nação (o Estado deu já mostras evidentes da sua incapacidade para resolver os problemas colocados pela sociedade actual) e, em segundo lugar, dividir ou redefinir a Europa em pequenas sociedades políticas e muito similares em tamanho e em poder. É necessário, por conseguinte, dividir antes de unir, ou seja, há que dividir para unir.

A região converter-se-á, assim, numa célula constituinte da federação europeia, constituindo ao mesmo tempo uma unidade política e administrativa que estará de posse das liberdades mais amplas e dos meios de autogoverno mais extensos. Estas unidades de base devem governar-se livremente, dirigir as suas próprias finanças, decidir sobre o modelo de ensino que melhor corresponda às suas necessidades e o regime económico e social que seja da sua preferência. Numa palavra "regular soberanamente tudo aquilo que não tenha sido decidido, de comum acordo, confiar às autoridades federais da Europa. Como em todas as constituições federais, a sua competência será a regra, a da Federação a excepção". Por este caminho chega-se não aos Estados Unidos da Europa, sim às "Comunidades Unidas da Europa", isto é, a Europa das Regiões.

 

Propostas "regionalistas": a Europa dos Estados e das Regiões

O teórico espanhol Argimiro R. Salgado, na sua obra "El modelo Federalista de Integración Europea: La Europa de los Estados e de Ias Regiones" (1996), considera que os modelos "A Europa dos Estados" e "A Europa das Regiões" são claramente insuficientes para a Europa devido à sua visão unilateral. Nos dias de hoje, já não é possível negar a actualidade do fenómeno regionalista na Europa. Os europeus querem a integração mas também desejam a autonomia regional.

Assim, a Europa dos Estados significa a eliminação das soberanias nacionais e o surgimento de uma nova ordem jurídica superior, de poderes próprios de decisão e de tribunais encarregues de velar pelo cumprimento da lei comunitária. Trata-se de um modelo totalmente integrador, onde não há lugar para as Regiões. Por seu lado, a Europa das Regiões supõe a eliminação e a substituição dos Estados pelas Regiões quando o elevado número de Regiões na Europa torna útil e necessária a existência da instituição estatal. Defende por isso o modelo federalista de integração: a Europa dos Estados e das Regiões.

A realidade europeia demonstra, por um lado e de um modo geral, a existência de Estados fortes, integrados e com vontade de se perpetuarem no tempo. Estes são, ao mesmo tempo, os detentores da soberania e quem decide sobre o avanço do processo de integração. Por sua vez, a realidade europeia actual caracteriza-se pela vitalidade do fenómeno regional, assim como pelo seu crescente protagonismo nos âmbitos sociológico, cultural, económico e político do Velho Continente. Face a esta realidade, o federalismo apresenta uma dimensão dialéctica que propicia a conciliação e a integração dos contrários, nunca a sua exclusão. Assim, possibilita a construção de uma colectividade supranacional (União Europeia) com a preservação das colectividades inferiores (Regiões e Estados). O êxito do grande projecto europeu depende, por conseguinte, essencialmente da capacidade do Estado em se transformar, ou seja, de ceder parte dos seus atributos e prerrogativas tradicionais a favor das Regiões e da Federação Europeia.

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Este modelo federalista de articulação política da Europa apresenta, pois, três níveis: o nível federal europeu, a Federação (1° nível), o nível intermédio, o Estado (2° nível) e o nível inferior e de base, a Região (3° nível).

Esta estrutura de uma Europa federada, articulando no seu seio as Regiões, exige que estas unidades ou membros integrantes da Federação estejam directamente representados nos órgãos correspondentes a fim de poderem participar na formação da vontade e na tomada de decisões comuns. Em consequência, esta comunidade política, de carácter multi-estatal ou multinacional e multi-regional, federal e unida, terá como órgão supremo um Parlamento de estrutura bicamaral, tal como no esquema federal clássico. Ao lado da Câmara Baixa ou Popular, que representa sempre o conjunto do povo da União considerado como um todo, constitui-se a Câmara Alta, Câmara Territorial ou Senado, onde estão representadas tanto as Regiões como os Estados, ou seja, as colectividades territoriais membros. Naturalmente que esta estrutura implica que a Região deva ser considerada como uma circunscrição eleitoral.

Os Estados mantêm as suas próprias constituições, em concordância com a Constituição da União e com direito às suas próprias particularidades, e participam na formação da vontade da União através do Senado. As Regiões, por sua vez, têm também a sua própria norma institucional básica, respeitando sempre tanto a Constituição da União como a Constituição do Estado de que fazem parte. Mormente, as Regiões participam tanto na formação da vontade da Federação como na dos respectivos Estados através do Senado federal e do Senado estatal, respectivamente. Por outro lado, entre os Estados e as Regiões haverá um estatuto jurídico diferenciado, com direitos e poderes distintos, assim como uma representação diferenciada nos órgãos da União.

 

Informação complementar

O "Estado-Rede"

Face às visões e interesses contraditórios que rodeiam a unificação da Europa e à falta de entusiasmo por parte dos cidadãos, parece milagroso que o processo de integração esteja tão avançado. Este êxito imprevisto deve-se, em parte, ao facto de a União Europeia não substituir o Estado-Nação existente e ser um instrumento fundamental da sua sobrevivência na era da globalização. Mas esta convergência de interesses tem ainda que encontrar uma expressão institucional para ser operativa.

Para Manuel Castells, o elemento chave no estabelecimento gradual da legitimidade da União Europeia, sem pôr em causa a sua capacidade de fazer política, é a habilidade das suas instituições para se vincularem com níveis sub-nacionais de governo — regional e local — mediante uma extensão deliberada do princípio da subsidariedade.

O autor vai buscar a ideia de que a União Europeia "está organizada essencialmente como uma rede que pretende combinar e compartilhar soberania mais que transferi-la para um nível superior". Esta análise, desenvolvida e teorizada por Waever aproxima mais a unificação europeia da caracterização do neomedievalismo institucional; o mesmo é dizer, uma pluralidade de poderes que se sobrepõem, segundo a descrição realizada há alguns anos por Hedley Buli e da qual fazem eco numerosos analistas europeus como Allan Mine: o Estado Rede.

Trata-se de um Estado caracterizado por compartilhar a autoridade (legitimidade para usar a violência) por toda uma rede. Uma rede, por definição, tem nós, não um centro. Os nós podem ser de tamanhos diferentes e podem estar entrelaçados por relações assimétricas na rede, de tal modo que o Estado rede não impede a existência de desigualdades políticas entre os seus membros. Com efeito, as instituições governamentais na rede europeia não são iguais. A Alemanha é o poder económico hegemónico, mas a Grã-Bretanha e a França têm muito mais poder militar e no mínimo, a mesma capacidade tecnológica. Não obstante, prescindindo destas assimetrias, os diversos nós do Estado Rede europeu são interdependentes, de tal modo, que nenhum nó, nem sequer o mais poderoso, pode passar sem os restantes. Esta é a diferença entre uma rede política e uma estrutura política centralizada.

Os dados disponíveis e os debates recentes da teoria política parecem sugerir que o Estado Rede, com a sua soberania de geometria variável, é a resposta dos sistemas políticos aos desafios da globalização. E a União Europeia pode ser, até à data, a manifestação mais clara desta forma de Estado emergente, provavelmente característica da era da informação.

 

Democracia Supranacional e Pós-Federal

No âmbito da obra "Repenser 1'Europe" (1996), Mário Telò faz uma análise da evolução da construção europeia, considerando que a União Europeia é actualmente uma Federação de Estados-Nação.

Para este autor, o meio século da pequena Europa, protegida pela ordem bipolar, é caracterizado por uma dialéctica de conservação, simbolizada pêlos Estados-Nação, e de progresso, encarnado pela perspectiva europeia federal. O modelo federal dos Estados Unidos da Europa constitui um factor fundamental da dinâmica de integração durante os cinquenta anos que se seguiram à II Guerra Mundial. Lentamente produz-se uma situação em que não só os Estados soberanos não infringem as prerrogativas dos outros mas moderam as suas em virtude de valores e interesses comuns. O resultado dessa dinâmica é uma realidade institucional, jurídica e económica desprovida de precedentes na Europa e mesmo única no mundo. Não se trata do triunfo do modelo federal, mas sobretudo de uma Federação de Estados-Nação sui generis, onde cada passo no sentido da comunitarização é contrabalançado por procedimentos intergovernamentais. Trata-se de um modelo de democracia que ultrapassa a visão federal clássica ao mesmo tempo que evita um modelo puramente intergovernamental. A originalidade deste modelo reside em vários aspectos. É original no princípio de legitimidade dupla (cidadãos e Estados) e no princípio da cidadania dupla (nacional e supranacional). Por seu lado, a dinâmica comunitária coexiste com os Estados-Membros sem pretender substituí-los por dinâmicas informais ou federá-los num modelo estadual.

No entanto, ao constatar que este modelo se confronta actualmente com dois desafios, o défice democrático da União e o alargamento, percebe também que a União não está preparada para os enfrentar. Pretende assim que, dentro da Federação de Estados-Nação, se evolua no sentido de uma maior articulação da soberania e da supranacionalidade sem, contudo, se evoluir para o modelo federal. Aos seus olhos, o modelo federal do passado (solução que alguns consideram perfeita porque permite equilibrar a responsabilidade e a descentralização com a concentração da autoridade) aumenta as fraquezas e as contradições da União alargada.

Aquilo que perspectiva é uma União Europeia que não seja apenas uma democracia internacional como actualmente, mas também transnacional e supranacional e, eventualmente, um dos actores potenciais de uma ordem democrática de cooperação e de segurança que se desenvolverá à escala mundial.

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* Elisabete Palma

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Assistente de Investigação no Observatório de Relações Exteriores.

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