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A defesa comum europeia

Paula Monge Tomé e Luís Leitão Tomé *

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A arquitectura europeia de segurança e defesa define-se num quadro complexo de círculos concêntricos que articulam entre si três sistemas relativamente autónomos mas interdependentes: um sistema global, pan-europeu, institucionalmente centrado na OSCE; um sistema euro-atlântico, institucionalmente assente na NATO e no Conselho de Cooperação Euro-Atlântico; e um sistema estritamente europeu, centrado na IESD e na PESC.

Mas o que significa, em concreto, "Defesa Europeia"? E a defesa da Europa ou é a defesa criada e garantida exclusivamente pelos europeus? Porque se pensarmos em termos de defesa da Europa, é evidente que ela não poderá ser garantida sem o auxílio dos EUA. Contudo, nos planos político e institucional, é claro que a referência a "defesa europeia" significa a defesa da Europa pelos europeus. Para reduzir ambiguidades, a tal "defesa comum europeia" é entendida como um "produto" da NATO, no sentido em que, em grande medida, qualquer esforço para definir e implementar a identidade europeia de segurança e defesa é explicada como complementar da NATO e como reforço do "pilar europeu" da Aliança. A Defesa europeia centra-se, sobretudo, no papel dos membros europeus da NATO – na sua contribuição para a segurança euro-atlântica, no poder efectivo que detêm em termos de decision-making e de capacidade operacional de intervenção, e na forma como os interesses europeus são verdadeiramente defendidos e preservados no seio da Aliança. Não é surpreendente, portanto, que sendo 11 dos 17 membros europeus da NATO igualmente membros da UE (e no futuro serão certamente mais!) a questão da "defesa europeia" seja uma das principais preocupações comunitárias.

Acontece que, sendo hoje praticamente consensual na Europa (e até nos EUA) a necessidade de uma maior convergência europeia em matéria de segurança e defesa – sobretudo para promover a influência, o poder e o prestígio políticos da Europa, para evitar a duplicação de custos entre as múltiplas defesas nacionais europeias, ou para "autonomizar" o flanco europeu da aliança em termos de decisão, mobilização e intervenção em crises e conflitos "menores" que ecludam na Europa —, subsiste toda uma rede complexa de obstáculos que precisam de ser eficazmente ultrapassados. Por exemplo, não é fácil, política e institucionalmente organizar uma "defesa comum europeia", e criar uma espécie de "Exército comum" como se prevê, quando nem todos os membros europeus da NATO fazem parte da UE ou da UEO, ou quando nem todos os Estados da UE e da UEO pertencem à Aliança Atlântica, ou ainda quando existem países neutros na Europa que assim pretendem continuar. Por outro lado, qualquer defesa comum pressupõe a existência de interesses comuns. Contudo, na Europa o peso das diferentes, e muitas vezes opostas, perspectivas estratégicas e de interesses nacionais torna difícil a percepção do interesse comum europeu. E há ainda o melindre que será a criação de uma estrutura de comando comunitária!

Na realidade, a dificuldade não é criar forças multinacionais europeias, o que aliás já vem acontecendo, mas sim criar uma defesa comum europeia. Há ainda outros três tipos de factores que se, por um lado, contribuem para justificar a necessidade de se avançar com a defesa europeia, por outro, podem também ser impeditivos da sua efectiva implementação. Vejamos esses três factores.

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A concorrência das despesas militares com as outras despesas públicas

Esta concorrência sempre existiu, mas é um facto que em tempo de "paz" é muito mais difícil convencer as opiniões públicas da necessidade de aumentar as despesas militares. Nas próximas décadas este problema pode agravar-se com o envelhecimento da maior parte das populações dos países europeus. Em 1950, entre os 12 países mais populosos do mundo, 5 pertenciam, ou viriam a pertencer, à Aliança Atlântica: EUA, Reino Unido, França, Itália e Alemanha. Em 1998, já só se encontravam nesse ranking os EUA e a Alemanha. Em 2050, encontraremos aí apenas os EUA. Por outro lado, nas próximas décadas, 9 países europeus conhecerão uma acentuada queda demográfica: Bélgica, Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Holanda, Portugal, Espanha e Reino Unido. O que significa que, no futuro, as populações europeias, envelhecidas, exercerão uma pressão cada vez mais forte sobre os respectivos governos para que usufruam dos "dividendos da paz" e limitem as despesas em matéria de defesa em proveito de outras preocupações como a saúde e as despesas sociais. A queda da taxa de natalidade, ligada a um acréscimo da procura de mão-de-obra jovem, conduzirá inevitavelmente a exércitos mais reduzidos, obrigando as capacidades de defesa a dependerem ainda mais da tecnologia. Conseguirão os líderes europeus e nacionais convencer as opiniões públicas e os eleitores da necessidade de investimentos acrescidos nas defesas nacionais e europeia? Ou estarão os governos nacionais dispostos a abrir mão de investimentos na respectiva Defesa Nacional em proveito da Defesa Comum Europeia?

 

A "partilha do fardo" na segurança da Europa

Colectivamente, os membros europeus da NATO contabilizam cerca de 2,5 milhões de militares e os membros da UE contam 1,9 milhões, enquanto os EUA dispõem "apenas" de 1,4 milhões. Apenas três Estados europeus — Alemanha, Itália e Grécia — reagrupam 800.000 soldados, ou seja, cerca de 60% dos efectivos americanos. Ora, analisados estes números, e se tivermos em conta o poderio dos países em questão, não é difícil perceber a fraquíssima eficácia dos sistemas militares europeus, comparados aos dos EUA. De acordo com a categorizada análise da Brookings Institution, os orçamentos de defesa agregados dos membros europeus da NATO representam cerca de 60% do orçamento dos EUA, mas a sua capacidade de projectar forças é de apenas 10-15% da de Washington! O diferencial é demasiado, mesmo se os europeus não têm os compromissos e as ambições globais dos EUA para projecção de poderio militar.Outros números demonstram ainda que, embora com economias semelhantes, os EUA gastam mais do dobro do que os europeus (juntos) na defesa — mais de 290 biliões USD gastos por ano pêlos EUA contra menos de 140 biliões USD gastos por ano pêlos europeus. Por outro lado, com mais de 60% da população da NATO, os aliados europeus contribuem com 40% do total das despesas com a defesa e com menos de um terço dos gastos do equipamento, no seio da Aliança. O diferencial é ainda mais significativo noutra área vital: enquanto os EUA gastam, por ano, cerca de 30 biliões USD em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, as nações da UE, em conjunto, investem apenas menos de 10 biliões, contribuindo apenas para um quarto do "Research and Development" da Aliança. Ora, sendo os EUA, de longe, a mais poderosa potência militar do mundo, e continuando a registar também os maiores orçamentos de Defesa, significa que o hiato face aos europeus só pode aumentar. Como se não bastasse, esta "desigualdade" de poderio militar foi dramaticamente manifesta por ocasião das crises na ex-Jugoslávia, em particular no Kosovo, o que influenciou o planeamento e a conduta das operações militares, com óbvias implicações políticas: a decisão política, bem como a condução e a gestão operacionais foram praticamente um exclusivo americano, embora em nome de todos os aliados. Compreendem-se assim as permanentes campanhas americanas em favor de uma mais "justa" partilha do "fardo" (burden sharing) da segurança europeia, bem como os anseios europeus de um maior equilíbrio político e estratégico face aos EUA. Mas haverá coragem e vontade política na Europa para efectuar as reformas necessárias na "defesa europeia" com vista à promoção desse equilíbrio? Como conciliar os dois sistemas, europeu e euro-atlântico? E como encararão os nossos aliados americanos uma efectiva maior "autonomia" e mesmo "competição" da Defesa Europeia?

 

As consequências económicas dos alargamentos e do auxílio à Europa de Leste

As pressões americanas para a "partilha do fardo" fazem-se sentir, não tanto ao nível do investimento europeu na Defesa, mas antes na factura a pagar para o desenvolvimento e modernização dos nossos vizinhos europeus de Leste. Por exemplo, se bem que a decisão e a condução das operações militares na ex-Jugoslávia tenham emanado sobretudo de Washington, são os europeus, nomeadamente a UE, quem assume, de longe, o maior esforço: primeiro, para financiar essas operações e, depois, para promover a reconstrução, o desenvolvimento e a estabilidade da Europa balcânica. Por outro lado, é evidente que são os países membros da UE a suportar os avultados custos do longo, penoso, vasto e caro processo de adesão dos PECOs à UE, bem ainda como o apoio ao desenvolvimento de outros países não candidatos à adesão. Finalmente, é também claro que o encargo financeiro americano para com a adesão de novos membros à NATO é muito reduzido, recaindo mais uma vez o "fardo" financeiro sobre os seus aliados europeus. Assim, será este colossal esforço financeiro da UE, com vista à promoção, desenvolvimento e integração da Europa de Leste, compatível com maiores investimentos na pesquisa e na tecnologia militares e, sobretudo, na reorganização dos exércitos nacionais e na implementação de uma defesa comum europeia? Ou então, que prioridades serão estabelecidas?

Unidade na diversidade, a Europa terá, ao definir uma Defesa Comum Europeia, que contar não só com os problemas reais de ordem institucional e operacional, mas também com os problemas da construção da identidade e da percepção do interesse comum europeu, principalmente, mas também euro-atlântico.

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* Paula Monge Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP.Docente na UAL Investigador da NATO. Assistente no Parlamento Europeu.

* Luís Leitão Tomé

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP.Investigadora da NATO. Investigadora de História Contemporânea.

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