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Janus 2001



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Os movimentos de populações na história

Óscar Soares Barata *

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A história regista uma contínua movimentação de povos, grupos e indivíduos de um lado para o outro, que transforma de muitas maneiras as características das sociedades.

Ainda no século XIX foram as invasões e conquistas (o avanço americano para o Oeste, a penetração russa em direcção à Ásia Central, a colonização da Austrália e da Nova Zelândia, a penetração francesa na Argélia e na Tunísia, a ocupação do interior de África por europeus de várias nacionalidades), repetindo um padrão que vem de tempos imemoriais e que somente a derrota dos exércitos de Hitler (que projectava instalar colonos alemães em parte do território da Polónia e da ex-URSS) e de Mussolini (que em 1935 e 1936 invadiu e conquistou com intuito análogo a Etiópia) e do Império Japonês (cujas forças armadas ocuparam e colonizaram a Manchúria, que destacaram da China, e iniciaram a anexação da Mongólia Interior, no quadro de um processo que se transformou numa guerra que os levou a implantar-se em muito da área costeira da China e em seguida no Sueste Asiático) impediu que voltasse a ser parte da vida do nosso tempo.

No século XX, porém, o mais comum são as deslocações dos empresários à procura de oportunidades de negócio e de trabalhadores em busca de colocação melhor remunerada do que a que conseguem obter nas terras de origem. Foram, até começos da segunda guerra mundial, sobretudo europeus a caminho da América do Norte e do Sul, da África (em maior número para a Argélia, Marrocos, Tunísia, Líbia, Quénia, Rodésia do Norte e do Sul, Angola, Moçambique, África do Sul), da Austrália e da Nova Zelândia e, no quadro da ex-URSS, principalmente russos, bielorussos e ucranianos em direcção às repúblicas soviéticas da Ásia Central e aos territórios siberianos da Federação Russa. A que se juntaram menos volumosas correntes migratórias de indianos em direcção à África Oriental e a terras do Índico e do Pacífico e às Antilhas, de chineses para vários destinos da orla do Pacífico, de japoneses para a Coreia, a Formosa, o Peru e o Brasil.

São agora, quando se tornam cada vez menos numerosos os emigrantes que partem da Europa para outros continentes, grossas correntes de quadros, técnicos, pequenos empresários e simples trabalhadores manuais pouco qualificados oriundos da Ásia (índia, Paquistão, Bangladesh, China, Vietname, Coreia, Filipinas) deslocando-se para os estados do Golfo Pérsico, o Japão, a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos e a União Europeia, partidos da África do Norte e cada vez mais também da África subsariana em direcção aos países da União Europeia, saídos dos Estados da América Central e do Sul para o mercado do trabalho dos Estados Unidos, do Canadá e dos países da União Europeia. Por efeito destas deslocações misturam-se os povos, criam-se bolsas de estrangeiros que pela via das suas descendências se enraízam em terras habitadas por gente bastante diferente, interpenetram-se as culturas, alteram-se os usos, caminha-se para um mundo cada vez mais interligado.

 

O ciclo das Descobertas

A situação que se vivia em começos do século XV, quando os portugueses abrem o tempo das viagens por mares desconhecidos era marcadamente diferente. Globalmente, havia europeus na Europa, africanos em África e asiáticos na Ásia, e nada se sabia das terras a Ocidente. Só na orla do Mediterrâneo havia alguma experiência das diferenças de raça, conhecidas reciprocamente desde tempos remotos as características dos vários povos da Europa, da Ásia Menor, do vale do Nilo, do Magrebe.

 

A supremacia ibérica

Esta fase é inaugurada pêlos portugueses no século XV, com o avanço para Sul, pela costa de África, que permitiu saber mais e mais pormenorizado sobre os habitantes das terras para além da Mauritânia, a passagem do Cabo da Boa Esperança, a subida da costa oriental da África, a implantação da carreira da índia e as muitas viagens que se seguiram em todas as direcções da Ásia, que colocaram milhares de portugueses em múltiplos lugares, do Cabo da Boa Esperança ao Japão, e trouxeram ao Ocidente toda uma nova informação sobre os povos, os usos, as políticas e o comércio dessas áreas. Durante quase duzentos anos (desde a conquista de Ceuta em 1415 até perto de 1600) basicamente só os portugueses ou os estrangeiros que viajaram nos navios portugueses seguiram na direcção destas terras e as percorreram regularmente.

A travessia do Atlântico pêlos navios de Cristóvão Colombo em 1492 e, em seguida, pêlos de Pedro Alvares Cabral em 1500 trouxeram a grande novidade de terras até então inteiramente desconhecidas. E por elas se espalharam espanhóis e portugueses. Os espanhóis nas Antilhas, depois no istmo do Panamá, em seguida no México e no Peru, depois na Califórnia, no Chile e na Argentina. Os portugueses na costa do Brasil, a Norte e a Sul.

Também nestas áreas, durante cerca de cem anos, até perto de 1600, espanhóis e portugueses foram os únicos europeus que conseguiram implantar-se com solidez, não obstante expedições ocasionais de holandeses, franceses e ingleses. Em 1570 haveria nas colónias espanholas da América 120 mil brancos e no Brasil 20 mil. Outros autores estimam a população branca da América Espanhola nesse mesmo ano entre 125 mil e 150 mil. Os portugueses do Brasil seriam perto de 31 mil em 1590.

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As conquistas dos holandeses, ingleses e franceses

A segunda etapa do ciclo abre-se com a derrota da Armada Invencível em 1588, que alterou a relação de forças nos mares. A partir daí intensificam-se os ataques de corsários às posições portuguesas e espanholas e começa a fixação duradoura de holandeses, ingleses e franceses na América, em África e na Ásia.

Na América, a Norte da Flórida, na zona fora da área de implantação de espanhóis, estabelecem-se franceses, ingleses, holandeses e escandinavos. Desde 1606 e 1608 há núcleos de franceses no Canadá. Em 1607 surge o estabelecimento inglês de Jamestown, na Virgínia. Regista-se desde 1614 a actividade de comerciantes de peles holandeses em Fort Nassau no rio Hudson. Em 1620 é fundada a povoação inglesa de Plymouth, no Massachusetts, a que se seguiram várias outras, consolidando-se a implantação inglesa. A sedução das riquezas que os espanhóis tiravam das suas índias atraía ao mesmo tempo holandeses, ingleses e franceses para as Antilhas. Será nas pequenas Antilhas, não ocupadas pêlos espanhóis, que irão fixar-se, antes da conquista da Jamaica em 1655 pêlos ingleses, no centro das comunicações espanholas. Cerca de 40 mil ingleses deslocaram-se para as West Indies até 1646, muitos dos quais passaram depois para as colónias do continente.

Em África e na Ásia avançam também holandeses, ingleses e franceses. Os holandeses tentam em 1596 tomar S. Jorge da Mina, em 1604 atacam a fortaleza de Moçambique e em Macau, em 1605 conquistam Amboína e instalam-se nas Molucas, em 1619 estão em Batavia. Em 1601 organiza-se a primeira viagem a partir de Londres para as ilhas das especiarias. O primeiro navio da companhia inglesa das índias chega à costa da índia em 1608. Os ingleses aparecem na costa de África (Gâmbia, 1618) e estabelecem-se, com autorização do Grão Mogol, na Índia, em Surate, ao norte de Damão, em 1613. Em 1640 implantam-se em Madras, a partir de 1661 dispõem de Bombaim cedida aos portugueses, em 1686 organizam ao Bengala a expedição que lhes permitirá estabelecer-se em Calcutá. Os franceses constróem um forte no lugar de S. Luís do Senegal em 1638, estão nas ilhas Mascarenhas em 1642, fundam Pondicherry na índia em 1673. A pouco e pouco, número crescente de holandeses, ingleses, franceses ao serviço das Companhias das índias Orientais percorrem a Ásia e fixam-se nos principais centros de comércio.

Por via terrestre, na mesma época, os russos avançam gradualmente os seus postos e colónias no caminho para a conquista da Sibéria.

As pequenas Antilhas, nas mãos de ingleses, holandeses e franceses tornam-se então, graças ao cultivo da cana do açúcar e de outros géneros tropicais, muito mais rendosas do que as colónias do continente, onde se vive de uma agricultura de produtos de clima temperado, do comércio das peles, da exploração das madeiras, da pesca, e, mais tarde, do comércio triangular com a costa da Guiné, as Antilhas e a Europa.

A penosidade do trabalho manual nas áreas tropicais e subtropicais depressa revelou a inviabilidade de usar em larga escala a mão-de-obra europeia. A fragilidade física dos índios também depressa tornou clara a dificuldade de os empregar intensamente em trabalhos pesados. Recorreu-se por isso aos escravos negros, trazidos de África em grande número.

Assim se estruturou uma sociedade colonial em que o México, a América Central e as Antilhas e a América do Sul continuarão a ter nos séculos XVII e XVIII, com as suas produções mineiras e economia agrícola de plantação, uma riqueza e um peso político muito mais significativo do que a área a Norte do México.

Estima-se a população das 13 colónias inglesas em 1641 em 50 mil habitantes. Em 1650 há no México e na América Central perto de 4 milhões, 10 mil nas Antilhas, 4, 5 milhões na América do Sul espanhola e 700 mil no Brasil.

Em 1774 há nas 13 colónias da América do Norte menos de 3 milhões de habitantes.

 

O poderio britânico

A terceira fase do ciclo decorre das consequências das guerras napoleónicas, que reduziram em muito o poder dos países ibéricos e fazem decair a França da posição que antes tinha. A destruição da esquadra pêlos navios de Nelson em Aboukir em Agosto de 1789, enfraquece os franceses e anula a conquista do Egipto por Bonaparte. A derrota, também por Nelson, da esquadra franco-espanhola do almirante Villeneuve em Trafalgar em Outubro de 1805, estabelece definitivamente nova relação de forças no mar, com a superioridade inglesa, que permite aos colonos da América do Norte avançar para o interior, aos ingleses sobrepor-se aos boers na África do Sul, completar o domínio da índia, ocupar a Austrália e a Nova Zelândia.

 

As Américas

A política de porta aberta dos Estados Unidos e as oportunidades de enriquecimento rápido proporcionadas pela abertura do interior da América do Norte deram-lhe em poucos anos uma predominância incontestável. Em 1850 os Estados Unidos têm já mais de 23 milhões de habitantes e em 1900 têm 76 milhões. A América do Norte torna-se cada vez mais poderosa até ultrapassar as maiores nações da Europa. No final da primeira guerra mundial o seu governo era já o árbitro da relação de forças entre as potências.

Desde o final das guerras napoleónicas até ao estabelecimento da política de quotas de entrada deslocaram-se para os Estados Unidos milhões de europeus, a um ritmo que se foi intensificando ao longo do século XIX, para atingir valores máximos em começos do século XX. No conjunto entraram no país entre 1820 e 1920 perto de 27 milhões de imigrantes, continuando o fluxo até aos anos 30.

A população do vizinho Canadá, muito reduzida em 1800, beneficia em muito menor escala do grande movimento humano deste período. O gigantesco Canadá tem menos de 2 milhões de habitantes em 1850 e pouco mais de 5 milhões em 1900.

O Brasil e a Argentina, pretendendo sobretudo mão-de-obra agrícola e tendo menos extensões de terra disponíveis para apropriação pêlos recém-chegados, são menos atraentes do que a América do Norte. Serão principalmente procurados por oriundos dos dois países ibéricos e por italianos e imigrantes católicos de outros países. No Brasil, a proibição do tráfico de escravos em 1850 e a abolição da escravatura em 1888, e a consequente escassez dramática de mão-de-obra, são os grandes marcos da evolução da imigração europeia, promovida pêlos barões do café para alimentar a expansão das suas fazendas numa época de grande crescimento do mercado e da produção.

 

A Oceania

A Austrália, aberta à colonização como colónia penal a partir de 1788, conheceu, em virtude da grande distância da Europa, uma expansão populacional muito lenta. Em 1801 tem menos de 6 mil habitantes europeus, em 1851 tem perto de meio milhão e em 1900 não atinge os 4 milhões no seu enorme território. A Nova Zelândia, que começou a ser frequentada mais intensamente por europeus, baleeiros, comerciantes, missionários, a partir da segunda década do século XIX, passou a ser objecto de colonização sistemática em 1840, com o estabelecimento da primeira colónia da companhia da Nova Zelândia e a presença do primeiro governador inglês. De algumas centenas de colonos em fins da década de 1830 passou-se a 722 mil europeus em 1900.

 

Transição na Europa

A emigração europeia manteve-se nas primeiras décadas do século XX, para começar a decair com a crise económica dos anos 30 e as limitações decorrentes da segunda guerra mundial. Depois, a quebra do ritmo de crescimento demográfico dos estados europeus e a prolongada expansão das economias europeias, conjugadas com o refluxo decorrente da descolonização iniciada no final da guerra inverteu o sentido das correntes migratórias. A Europa passou a ser agora sobretudo destino de movimentos migratórios, em vez de ser área de partida para outras terras.

Fecha-se talvez o ciclo migratório iniciado com as viagens marítimas dos portugueses no século XVI. Que foram elas próprias uma reacção às migrações islâmicas de épocas anteriores e à pressão dos turcos sobre o Império Bizantino e os cristãos da área do Mediterrâneo. As quais tiveram um paralelo a Norte com os movimentos dos Vikings e dos Varegues. E que foram precedidas pelas invasões germânicas que conduziram à desagregação do Império Romano do Ocidente. Cuja formação destruiu, por seu lado, os sistemas políticos antes criados pêlos gregos e fenícios e cartagineses, ocupando as suas terras. Um processo de invasão e sucessão que teve equivalente na Ásia Central, no subcontinente indiano, na China, no Sueste Asiático e nas ilhas do Pacífico, na África antes da implantação dos europeus, no continente americano antes de Colombo e Cabral. Não fechou o tempo das migrações que são parte ordinária da vida das sociedades.

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* Óscar Soares Barata

Professor Catedrático do ISCSP.

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