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Portugueses na África do Sul

António Pina *

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A presença portuguesa na África do Sul é, desde meados dos anos 60, uma realidade altamente visível, surpreendente pela continuada persistência face às dificuldades sócio-políticas e rodeada, ao longo dos anos, de uma significativa dose de mistério. Desde a grande vaga de madeirenses, que, nos longínquos anos do salazarismo, descobriu na "nação do apartheid" um inesperado "Eldorado" para empresários empreendedores e descapitalizados, que o conceito de comunidade não mais parou de se consolidar e ampliar.

Os madeirenses na África do Sul devem ser mais de 300 mil, a acreditar não só numa grande faixa pendurada nas instalações da Casa da Madeira de Joanesburgo — situada na cidade-satélite de Alberton — como na opinião da maioria dos membros da comunidade ou ainda na observação directa das cidades e vilas sul-africanas. Em qualquer canto, em esquinas de bairros — dos mais "chiques" aos mais pobres — é presença constante um "Café" (designação local para o conceito de minimercado, com muitas frutas e legumes, em muitos casos com take-away) — com nomes tão significativos como "Madeira", "Funchal" ou outras designações portuguesas. É de tal forma grande a visibilidade dos portugueses neste tipo de negócio que os sul-africanos inventaram, por alturas do Mundial de Futebol de 98, uma anedota que reza assim: "Sabem porque é que os portugueses não participam no Mundial? Porque cada vez que lhes dão um pontapé-de-canto (repare-se que canto ou esquina em inglês se dizem da mesma forma, corner) eles abrem um café!".

 

Enraizados e persistentes

Quando o "Estado Novo" se desmoronou e Portugal concedeu a independência às suas colónias africanas, uma nova "onda" de portugueses rumou à África do Sul. Os que não se quiseram arriscar a transformar-se em "retornados" no seu país de origem, optaram pela segurança aparente da África do Sul, onde inúmeros portugueses (muitos deles madeirenses que para aqui tinham vindo mais de 20 anos antes) os acolheram, alimentaram, empregaram e ajudaram a levantar a cabeça depois do trauma da descolonização. Assim se forjaram novos laços comunitários e se criou um "cimento" novo de portugalidade no sul do continente. A década de 70 acabaria por ser a era do boom dos clubes e colectividades, especialmente em Joanesburgo, Pretória e arredores, a área geográfica conhecida por Witwatersrand.

Por alturas da transição política do apartheid para a democracia multirracial, entre 1990 e 1994, pairou o espectro de um êxodo irreversível de portugueses, tão grave foi a onda de violência política e criminal no país. A verdade é que muitos dos que partiram regressaram e, apesar da criminalidade persistir com valores assustadores em quase todo o país (já vitimou centenas de portugueses desde 1990), a presença lusa não dá sinais de retrocesso. Parece que as raízes que os portugueses criaram na África do Sul são mais profundas do que a maioria dos analistas previu em 1990/94, quando, com grande dose de simplismo, muitos adivinharam que os portugueses não aguentariam a pressão da mudança política, da criminalidade e a perda de privilégios de que gozavam como brancos.

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Perto do meio milhão

No ano 2000, tal como em 1994, o mistério sobre o número real de portugueses e luso-descendentes na África do Sul continua denso e quase impossível de decifrar. No estudo "Portugueses na África do Sul — Retraio político de uma comunidade emigrante 1990/1994", patrocinado pelo CIDAC, o autor, João Gomes Cravinho, admitia que "em relação ao número de portugueses na África do Sul, continuamos sem poder apresentar qualquer estatística fiável". Cravinho referia então que "é frequente ouvir referências a seiscentas ou setecentas mil pessoas, mas é mais provável que este número seja inferior a meio milhão", afirmando que, na altura, estavam inscritas no consulado-geral de Joanesburgo 120 mil pessoas e que os números são manipulados, amiúde, por pessoas que, ou pretendem "acentuar a importância da comunidade" ou o contrário.

Ora no ano em curso, e segundo o cônsul-geral de Portugal em Joanesburgo, Laranjeira de Abreu, estão inscritas 100 mil pessoas na sua área consular, que é, de longe, a maior do país, incluindo mesmo o Botsuana e o Lesoto, dois Estados independentes limítrofes onde, embora em menor escala, existem também comunidades portuguesas.

Parece, no entanto, que a maior dificuldade em avaliar o número de portugueses pelas inscrições consulares se prende com o "hábito" luso de não ligar grande coisa ao facto de estar ou não inscrito nas representações diplomáticas. Para muitos, a ida aos consulados só se justifica quando são precisos ou um passaporte ou um bilhete de identidade, entretanto perdidos ou expirados. Para muitos essa situação só se verifica uma vez na vida (ou nunca) e muitos tratam dessas formalidades durante as suas viagens a Portugal.

O alheamento em relação a Portugal é bem patente no número de emigrantes residentes na África do Sul que estão inscritos nos cadernos eleitorais portugueses: 7500. E mesmo desses só uma parte exerce o seu direito de voto. Em eleições legislativas recentes não chegaram a votar 5 mil inscritos. Outro elemento curioso e que define a indiferença da comunidade perante os seus próprios direitos enquanto emigrantes é dado pela eleição, em 1997, do Conselho Permanente das Comunidades, o primeiro organismo alegadamente representativo da diáspora escolhido por eleição directa. Apenas 1050 pessoas votaram em toda a África do Sul, o que retirou, à partida, peso, capacidade de manobra e muita da legitimidade ao Conselho local. Em todos os consulados de Portugal na África do Sul (Joanesburgo, Cabo, Durban e Pretória) estão inscritas cerca de 300 mil pessoas.

Segundo um estudo elaborado para consumo interno da Embaixada de Portugal em Pretória pelo diplomata Carlos Gomes da Silva (que serviu durante cinco anos como conselheiro cultural e social na África do Sul), as maiores concentrações de portugueses situam-se, na área do consulado de Joanesburgo, em Rustenburg, Welkom, Witbank, Bloemfontein, Nelspruit e Komatipoort. Segundo o mesmo estudo, existirão cerca de 25 mil na área consular do Cabo, que engloba o Cabo Ocidental, Cabo Oriental, Norte do Cabo e as cidades de East London e Port Elizabeth, onde residem cônsules honorários.

Em Pretória (que possui um consulado próprio), garante o mesmo autor, residem 25 mil portugueses, enquanto na área de jurisdição do consulado de Durban existirão mais de 8 mil portugueses.

Segundo o cônsul português em Durban, Walid Saad, estão hoje inscritos no seu consulado 10 mil portugueses, sendo provável que alguns dos inscritos tenham, entretanto, regressado a Portugal. Mas essa não passa, também, de uma percepção.

Pela análise destes números é fácil depreender que os 300 mil podem perfeitamente ser, na realidade, perto do dobro ou talvez mais. Várias componentes contribuem para inflacionar os números oficiais. Para além do citado "vício da não-inscrição", ressalta a dúvida sobre os números de luso-descendentes, que têm direito a passaporte português (poderão tê-lo ou não requerido, mas podem, de qualquer forma fazê-lo) na África do Sul, aqueles que aqui residem ilegalmente (sem autorização legal de trabalho ou de residência) e os que vivem períodos intercalados em Portugal e na África do Sul (e que são em número razoável).

Um madeirense que pediu o anonimato, e que reside há mais de 30 anos no país, estando em contacto diário com a sua comunidade, garantiu que os "ilegais" são pelo menos 30 mil. Estes, segundo a fonte, graças à ineficácia das forças da ordem e à "lei do suborno", conseguem viver anos a fio no país sem serem apanhados e repatriados.

Pouco ou nada se sabe igualmente sobre o que fazem os portugueses na África do Sul. Calcula-se que, na sua maioria, sejam comerciantes do sector alimentar. Mas essa percepção pode ser baseada na falsa premissa de que, sendo esse o sector mais visível, se assume que os comerciantes constituam a maioria.

Na verdade, uma comunidade tão vasta distribui-se pelos mais diversos sectores económicos. Há portugueses na indústria, nas minas e noutros sectores sofisticados da economia, em particular os mais jovens (muitos formados neste país e que pouco ou nada têm em comum com a comunidade dos seus pais), os que vieram de Moçambique e de Angola e muitos oriundos de Portugal continental.

A maioria dos observadores acredita sinceramente que o número total de portugueses no país seja superior ao meio milhão, alguns calculam mesmo que se aproxime do milhão. Mas as vozes discordantes não são de desprezar. Laranjeira de Abreu, que há cerca de um ano é cônsul-geral em Joanesburgo, pensa que mesmo o número de inscritos peca por excesso. "Muitos foram-se embora e não estão abatidos nos cadernos", garante, explicando que só com a entrada do novo sistema informático do Ministério dos Negócios Estrangeiros as estatísticas serão mais correctas.

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* António Pina

Correspondente da Lusa na África do Sul. Colaborador da SIC e TSF.

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