Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa | ||||
Onde estou: | Janus 2001 > Índice de artigos > Actualidade das migrações > A emigração portuguesa > [A comunidade portuguesa em Macau nos anos 80 e 90] | |||
|
ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI!
Os pioneiros Há cerca de 450 anos, em plena época de apogeu lusitano e de expansão da cultura ocidental pelo mundo, com o desbravar de novos mares e novas terras, chegavam os primeiros portugueses ao extremo oriente, instalando uma feitoria em Macau, península geograficamente privilegiada para as trocas comerciais com os países do sudeste asiático que se transformou, naquele tempo, não só no principal veículo de comunicação entre Portugal e a China, como palco de importantes contactos entre os, então percepcionados, universos ocidental e oriental. Fortemente impulsionado pelas missões na sua tarefa de evangelização, (tendo assumido os jesuítas um papel fundamental neste processo como difusores do catolicismo por toda a Ásia), o estabelecimento dos portugueses neste porto de abrigo, rapidamente transmutado em entreposto comercial e civilizacional, favoreceu a edificação das primeiras capelas e habitações em Macau, até finais do século XIX, partilhado por uma dupla de comunidades distintas, relativamente endocentradas, dando origem a duas realidades separadas por barreiras linguísticas e culturais: a cristã, português e o Bazar, cidade chinesa. Não obstante a diversidade e discrepância de fontes a propósito do número de portugueses residentes no território, Ana Maria Amaro reúne um conjunto de referências que apontam para cerca de 500 registados em 1563/64 (nesta mesma data Montalto Jesus alude à presença de 900, possivelmente estando ali integrados os filhos e as mulheres dos enviados do Reino; 437 em 1625, havendo para este ano outra indicação sobre a existência de aproximadamente 800 sujeitos de nacionalidade portuguesa no interior dos mais de 10.000 habitantes da cidade, somatório também enunciado na documentação relativa a 1635. Verificou-se que no início do século XVIII e em virtude do declínio do comércio com o Japão a presença portuguesa em Macau diminuiu bastante, tornando-se muito pouco expressiva por comparação com a chinesa, já nessa época francamente maioritária, tendência esta que parece ter-se perpetuado ao longo de todo o século XIX (em 1878 assinala-se um total de 737 portugueses no território) e começos do século XX. Quanto à estrutura social da comunidade portuguesa ali radicada entre os séculos XVI e XVIII, consta ser composta por representantes civis e militares do Reino; pela Igreja e Ordens religiosas; Adjudicatários e rendeiros dos vários monopólios da coroa; comerciantes e mercadores privados; soldados, marinheiros e artífices.
O fluxo de portugueses nas décadas de 80 e 90 Supõe-se que no presente século o fluxo contínuo de portugueses com destino a Macau remonte aos primeiros anos da década de 80, não só em virtude do restabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a China, mas sobretudo dado o exponencial crescimento económico verificado na região. Este trânsito adquire contornos específicos, basicamente decorrentes da condição singular de Macau — cidade chinesa governada por portugueses. Nesse sentido, a promoção do funcionamento da máquina administrativa ali implementada implicava o recrutamento de técnicos especializados oriundos de Portugal (habitualmente acompanhados pelo respectivo agregado familiar), muitos deles convocados para nela ocupar lugares intermédios ou de direcção de avultado prestígio. Esta mobilização justificava-se, num primeiro plano, por questões linguísticas: o português, língua veicular do aparelho governativo e idioma oficial do território a par do chinês, era dominado apenas por uma pequena minoria da população residente — alguns macaenses e somente 3% de chineses (sobretudo os que pretendiam aceder a cargos de maior importância no funcionalismo público). Por outro lado, e não obstante a existência de uma elite intelectual e letrada de chineses em Macau, o espaço carecia de capital humano detentor de elevados índices de escolaridade ou de formação adequada a categorias profissionais que demandassem exigentes qualificações, vislumbrando-se uma extensa oferta de trabalho especializado e níveis de remuneração substancialmente tentadores para os activos credenciados — daí que não tenham sido raras as ocorrências de ascensão social de portugueses oriundos da "República", expressas pela metafórica identificação daquele local à "árvore das patacas". Em finais da década de 90 habitavam em Macau cerca de meio milhão de indivíduos dos quais mais de 95% de etnia chinesa. Lamentavelmente, não houve um organismo oficial em Portugal capaz de nos precisar o número de cidadãos portugueses que se deslocaram para Macau no decurso das duas décadas em estudo. Seguindo o vector nacionalidade, acresce a dificuldade em aceder a estes dados tendo em conta que uma significativa parcela da população chinesa natural de Macau optava pela nacionalidade portuguesa, outrora símbolo de distinção social e factor adjuvante à penetração no mercado público de trabalho. Parece, pois, não haver certezas quanto ao somatório de elementos pertencentes ao agregado lusófono (sem contabilizar os macaenses) presentes em Macau nos dois decénios em estudo: se em consonância com a informação divulgada pelos media este alcançou os 2-3% do total de pessoas ali radicadas, segundo a Direcção dos Serviços e Censos de Macau os valores assinalados variaram entre 0,4 e 1%. Esta discrepância poderá residir na hipótese dos muitos portugueses oriundos das ex-colónias — igualmente inseridos na comunidade portuguesa do território — permanecerem, nas estatísticas oficiais, incluídos na imprecisa categoria de "outras" presenças, contribuindo, assim, para a percepção de um agregado lusófono menor do que era na realidade. Note-se que apesar de uma representação quantitativamente minoritária, a exiguidade numérica dos portugueses em nada comprometeu o forte poder distintivo e simbólico que lhes era conferido, capital habitualmente não possuído na sociedade de partida. Sublinhe-se, todavia, que tais estatutos não eram extensíveis a todos os membros daquele agregado étnico, pois este compreendia a sua própria estratificação: paralelamente aos numerosos técnicos especializados dos sectores público e privado (médicos, enfermeiros, advogados, engenheiros, arquitectos, professores, entre outros), a cidade albergou indivíduos menos credenciados que exerceram funções laborais não tão prestigiadas no interior da máquina administrativa ou no seu exterior — nos ramos comercial e hoteleiro, fundamentalmente. Afastando-nos da argumentação sobre o facto de Macau ter sido ou não colónia portuguesa, a verdade é que são inúmeros os indicadores de endocentramento comunitário e guetização psicossocial lusófona, capazes de nos dar conta de um espírito colonialista, nem sempre manifesto mas existente. Sem a pretensão de desconstruir a idílica imagem mediática e politicamente divulgada de uma sociedade multicultural baseada na tolerância, no respeito e aceitação por parte dos agentes integrados nas diversas comunidades presentes, cabe-nos precisar que entre um relacionamento interétnico geralmente ausente de conflito e um envolvimento próximo e profundo (só muito pontualmente desenvolvido) figurava um destacável fosso. Fosso, fruto em nosso entender de alguns dos seguintes factores: a barreira linguística; uma consciência étnica acentuada, a par do desenvolvimento de sentimentos de pertença intra-comunitários evidentes; expressões culturais e estilos de vida distintos; uma política governativa que pouco estimulou o intercâmbio cultural bem como o ideal multicultural (igualdade de direitos para as diferentes presenças étnicas); e sobretudo, o carácter dominantemente temporário e passageiro da estadia para a maioria dos portugueses.
Informação complementar Perfil dos chineses estudantes de língua portuguesa e suas representações sociais acerca dos portugueses Os dados resultantes de um inquérito aplicado a uma amostra constituída por 226 elementos de etnia chinesa a estudar português como língua estrangeira em três instituições escolares de Macau, indicam-nos serem maioritariamente os jovens adultos do sexo masculino, falantes de cantonês e com idades compreendidas entre os 25 e os 30 anos que o fazem, motivados pelo objectivo de aceder "a uma língua que lhes é útil" ou pelo desejo de promoção profissional. No que concerne às correspondentes ocupações cerca de 36% são estudantes, 23% funcionários públicos e 12% polícias e quanto às habilitações literárias mais de 7O% frequentam um curso superior. Para além da aprendizagem do português, avaliada como uma língua difícil, rica e musical, o domínio do inglês é igualmente uma realidade para uma significativa parcela dos interpelados. Em sua opinião, os naturais de Portugal são, de uma forma geral, simpáticos, alegres e preguiçosos, um pequeno número de inquiridos considera-os também vaidosos, comunicativos, críticos e arrogantes, hospitaleiros e aventureiros, havendo ainda quem tivesse assinalado o facto de apreciarem fumar e beber "bicas". Fonte: Maria José Grosso, in Educação e Juventude, n.º 2, H série, pp. 1O-11 – Direcção dos Serviços de Educação e Juventude de Macau. http://www.terravista.pt/mussulo/1788/grosso.html
Quem são os macaenses? O termo macaense, de extrema ambiguidade, presta-se a múltiplas e distintas interpretações, sendo utilizado para referenciar não a nacionalidade (já que Macau é território chinês) mas a pertença étnica e/ou a naturalidade dos elementos que constituem um dos mais importantes grupos socioculturais presentes em Macau, também conhecidos por "filhos da terra" ou "portugueses do Oriente" (estimam-se entre 8 a 10.000 indivíduos). Se para alguns macaense é todo aquele que nasceu em Macau independentemente da sua pertença comunitária, outros adicionam à naturalidade a ascendência étnica destes indivíduos. Parece-nos que o senso comum promove a identificação dos macaenses a uma filiação luso-chinesa, fruto de ligações de homens portugueses que em Macau se fixaram ou que por lá passaram, a mulheres chinesas instaladas no território (são menos frequentes os laços matrimoniais de portuguesas com chineses). Porém, estudiosos como Ana Maria Amaro ou João Pina Cabral ampliam esta perspectiva defendendo a descendência euro-asiática dos macaenses, resultante da miscigenação de europeus (entre os quais um significativo número de portugueses) com indianas, malaias, japonesas, filipinas e só mais recentemente com chinesas estabelecidas naquela cidade. Todavia, se não é correcto atribuir aos macaenses uma descendência exclusivamente luso-chinesa ou sino-portuguesa, a verdade é que este grupo desempenhou, desde sempre, uma extraordinária função de intermediação entre ambas as comunidades. Tratando-se de um agregado étnico cuja identidade está imbuída de um forte hibridismo e sincretismo cultural, derivados da pluralidade de padrões de referência a que os seus membros acederam, a simultânea aproximação aos sistemas de valor e matrizes culturais quer da comunidade conectada com a máquina governativa, quer da população chinesa— sendo o bilinguismo a expressão mais evidente — concedeu-lhes, durante a administração portuguesa do território, um lugar algo privilegiado no interior daquela sociedade. Amaro, Ana Maria, Macau: O Final dum Ciclo de Esperança, UTL, 1997. Cabral, João Pina. Lourenço, Nelson, Em Terra de Tufões — Dinâmicas Macaenses, Instituto Cultural de Macau, 1993. Jesus, C. A., Montalto de, Macau Histórico, Ed. Livros do Oriente, Set. 1990. População residente em Macau segundo a naturalidade População residente com três e mais anos segundo a língua corrente e nacionalidade (1991-1996) População residente com três e mais anos segundo a língua corrente e origem dos ascendentes (1991)
|
| |||||||