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Atitudes e representações dos residentes face aos emigrantes

Albertino Gonçalves *

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Na sociedade portuguesa, como se relacionam os residentes com os emigrantes? Que posturas e imagens partilham a seu respeito? Como variam e porquê?

Os resultados aqui apresentados provêm de um inquérito, concluído em 1994, sobre as relações entre residentes e emigrantes. A amostra, probabilística, abrangeu 509 eleitores dos concelhos de Braga (367) e de Melgaço (142), estratificados por três grupos de posições sociais: 184 das novas classes médias diplomadas (professores, enfermeiros, assistentes sociais, educadores), 163 das classes médias independentes (comerciantes, artesãos e pequenos patrões) e 162 operários. Entre outras questões, pedia-se aos inquiridos que se pronunciassem, através de escalas de intensidade ou de concordância, acerca de atributos expressos em adjectivos ou frases, referentes aos emigrantes. Com base nas respostas obtidas, podemos distinguir dois blocos de atributos, consoante propiciam convergências ou cavam clivagens entre as diversas classes e níveis de instrução. O primeiro pode, por sua vez, subdividir-se em quatro grupos de atributos alusivos: 1) à "saga" da emigração, 2) à visibilidade, ao exibicionismo e às pretensões dos emigrantes, 3) à sua sobrevalorização do dinheiro e 4) ao seu "estrangeirismo".

A capacidade de trabalho constitui uma imagem de marca do emigrante português, no país e no estrangeiro. A garra, a coragem, a ambição e, até certo ponto, a teimosia fazem parte do seu percurso de vida. Para "dar o salto" é preciso ousadia e para enfrentar agruras e vicissitudes em terra alheia faz falta desenvoltura, perseverança e espírito de sacrifício. Nestes rasgos, consensuais, concentra-se a "gesta do emigrante", patente nos romances, filmes, canções e homenagens. Associando estes traços ao perfil do emigrante, na mente de muitos perfila-se, aliás, a ideia de que foram os mais trabalhadores e audazes e os menos resignados que engrossaram o caudal da emigração. Vida atribulada, mas alegre. Ambiciosos, mas honestos. Se é certo que procuram subir na vida, fazem-no pelos seus próprios meios, com muito esforço e aforro. Quanto à alegria, trata-se, porventura, de uma impressão motivada pela exuberância testemunhada em tempo de férias.

A visibilidade, o exibicionismo e o exagero das pretensões dos emigrantes constituem três dimensões interligadas. Quase todos os inquiridos concordam que "se reconhece facilmente um emigrante". "Estejam onde estiverem dá-se pela sua presença", devido às suas indisfarçáveis particularidades (e.g., os automóveis ou as formas de falar) mas também à sua "arrogância" e excesso. No Verão, os emigrantes parecem transvazar do seu ser ("onde estão dois ou três parecem vinte"), avolumam-se subvertendo o quotidiano dos residentes. Até nas estradas os carros são demais e os emigrantes um perigo! As próprias casas, "mais para mostrar do que para usar", são encaradas como participando desta espécie de incontinência ostentatória. Se acerca da generosidade e do esbanjamento dos emigrantes as opiniões se dividem, logo se reúnem na crítica da sua relação com o dinheiro. Tidos como gente de posses, os emigrantes são acusados de sobrestimar o seu valor e alcance. Obcecados, "só vivem para o dinheiro", acabam por acreditar, inclusive, que o dinheiro pode comprar tudo. Outro altar que os residentes se mostram renitentes em venerar é o do "estrangeiro". Para os emigrantes, só o que é estrangeiro é que é bom. A prova são as casas que, copiadas de além-fronteiras, saltam à vista na paisagem. O estrangeirismo que pior cai prende-se, no entanto, com a linguagem. Um português a falar "sabe-se lá o quê" entre compatriotas, na terra natal, eis uma anomalia perante a qual os residentes não transigem. Inquiridos sobre o motivo deste uso, a maioria (65%) indica o exibicionismo.

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Se os residentes se apressam a reconhecer virtudes aos emigrantes, se ponderam que a "emigração foi boa para a região" e até os admitem como invejáveis aos olhos de parte da população, não escondem, contudo, o enfado e indignação perante as suas excentricidades. Embora em minoria, alguns assumem "evitar, no Verão, os locais mais frequentados pelos emigrantes". A imagem do emigrante emerge assim ambivalente. A profusão de homenagens pode coexistir com um veredicto que, por si só, é todo um programa: "Os emigrantes tomam-se por mais do que aquilo que são".

Importa colocá-los no devido lugar. Cada uma a seu modo, todas as classes desenvolvem práticas de rebaixamento, de vária índole, para os chamar à realidade e (re)compor a ordem. Os atributos até aqui considerados dividem, eventualmente, as opiniões mas não diferenciam significativamente as classes e os níveis de instrução. Não é o caso dos que abordaremos de seguida, que tendem a distanciar os "diplomados" dos "independentes" e dos operários, cristalizando dois pontos de vista distintos. Podemos agregá-los em três grupos.

O primeiro inclui atributos que envolvem o saber e a arte de viver. Pertencem a este lote frases e adjectivos atinentes à cultura e às boas maneiras ("cultos", "evoluídos", "educados"), ao comedimento ("calmos", "modestos") e às competências e gostos ("cuidam bem da educação dos filhos", "fazem bom uso do dinheiro", "sabem gozar as férias", "vestem bem"; "as casas mostram bom gosto", "destoam da paisagem" ou "deviam ser proibidas").

É a propósito destes juízos que as posições dos diplomados, pelo exacerbo da crítica, mais se afastam das dos independentes e operários. O segundo reúne frases que condensam uma espécie de balanço de ordem consequencial das atitudes e opiniões dispersas no grupo precedente: "Os emigrantes são uma companhia agradável", "deve-se apoiar as festas aos emigrantes" e "os emigrantes conseguiram subir na sociedade".

Enfim, o último grupo é composto por frases associadas a questões projectivas. "Os residentes têm uma boa opinião dos emigrantes", "recebem-nos bem quando vêm de férias" e "os emigrantes dão uma boa imagem de Portugal no estrangeiro" relevam de questões indirectas em que os inquiridos se projectam relaxando a autocensura. Tal como no primeiro grupo, as posições depreciativas dos diplomados voltam a extremar-se das assumidas pelos independentes e operários.

Conjugando 41 itens (18 adjectivos e 23 frases), elaborámos um índice aferidor do apreço pelos emigrantes, cuja amplitude teórica vai de -61,5 (o menor) a +61,5 pontos (o maior). Com as reservas que este género de exercício merece, este índice proporciona uma sinopse deveras esclarecedora da distância social das diversas classes sociais e níveis de instrução face aos emigrantes: de acordo com os gráficos apresentados consoante se passa, por um lado, dos operários indiferenciados aos professores do secundário e, por outro, do ensino primário ao superior, o apreço pêlos emigrantes diminui. Foi ainda possível, graças a análises multivariadas, vislumbrar quais os factores que mais "explicam" esta variação. Curiosamente, mantendo algumas variáveis inalteradas, a profissão, o género, a idade e a propriedade económica pouco ou nada influenciam a variação do apreço pêlos emigrantes. Dos factores considerados, o nível de instrução destaca-se como o mais decisivo, seguido, de longe, pelo local de residência, a escolaridade do pai e a relação com a emigração, isto é, ter sido o próprio ou algum familiar próximo emigrante. 

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* Albertino Gonçalves

Licenciado e Mestre em Sociologia pela Universidade de Paris (Sorbonne). Doutorado em Sociologia pela Universidade do Minho. Professor Associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho.

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