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Racismos em Portugal: a etnicizacão e a racializacão de minorias

Diniz Lopes *

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Temos vindo a assistir por toda a Europa a um crescente aumento da discriminação de minorias étnicas e culturais. Esta discriminação traduz-se por comportamentos e actos discriminatórios individuais, colectivos e até mesmo institucionais, tanto nos países tradicionalmente receptores de imigrantes (França, Alemanha, Holanda e Reino Unido) como nos países que começaram, há poucas décadas, a receber fluxos imigratórios (Itália, Espanha e Portugal).

Contudo, sabemos que a discriminação de minorias nem sempre se fez da mesma forma. Ainda que, hoje em dia, a hierarquização de grupos humanos com base em diferenças culturais seja socialmente mais aceitável, a ideia de diferenciação racial, isto é, a hierarquização de grupos humanos baseados na sua pertença racial, manteve-se como a tónica dominante do discurso discriminatório científico e do senso comum até há algumas décadas atrás. No entanto, a ideia de raça foi sendo progressivamente abandonada no discurso científico e político-institucional, dando lugar à ideia de etnia ou de diferenças culturais. Contudo, a ideia de etnia, tal como a ideia de raça, é utilizada, fundamentalmente, como meio de justificação de relações sociais caracterizadas por assimetrias de poder.

Desta forma, a hipótese que vamos desenvolver de seguida mostra, precisamente, que o abandono da ideia de raça, e a sua consequente substituição pela ideia de etnia, está presente no discurso do senso comum e traduz, certamente, a construção de novas representações sociais sobre as diferenças entre os povos. Com isto não pretendemos afirmar que a ideia de raça desapareceu, totalmente, do discurso quotidiano, mas que o discurso discriminatório baseado na saliência das diferenças culturais entre grupos humanos e com base em hierarquizações culturais é, nos nossos dias, socialmente mais aceitável.

 

A construção de novas representações sobre as diferenças interculturais

Esta hipótese foi testada no âmbito de um estudo mais abrangente que realizámos junto de uma amostra aleatória e representativa de 600 indivíduos residentes em Lisboa e arredores (Vala, Brito & Lopes, 1999). O objectivo deste estudo era o de analisar, numa perspectiva comparativa, a estrutura e organização das crenças racistas em Portugal, bem como dos factores psicossociológicos que estão na base destas crenças. Para tal, elaborámos um questionário que compreendia, entre outras dimensões, indicadores de percepção de diferenças raciais e de diferenças culturais. Os primeiros reflectiam temas como a rejeição de intimidade sexual e de casamento, rejeição de descendência mista e a noção de inferiorização dos negros. Para medir a percepção de diferenças culturais, pedíamos às pessoas para avaliar as diferenças entre os negros residentes em Portugal e os portugueses relativamente à educação e à transmissão de valores aos seus filhos, à religião, aos valores e comportamentos sexuais e à capacidade de sucesso e bem-estar das suas famílias.

Para explorar a organização implícita destas dimensões, realizámos uma análise factorial em componentes principais. Desta análise resultaram dois factores: um que compreende os indicadores de acentuação de diferenças culturais, e outro constituído pelos indicadores de diferenças raciais. Estes resultados permitiram a construção de dois índices: um índice de diferenças culturais (a = .74) e outro de diferenças raciais (a = .68). Note-se, ainda, que é mais fácil, para os indivíduos interrogados, a expressão de diferenças culturais do que a expressão de diferenças raciais. Isto significa que aqueles que acentuam as diferenças culturais entre portugueses e negros são muito mais numerosos do que aqueles que percebem diferenças raciais entre aqueles grupos. Neste sentido, a expressão de diferenças raciais pode ter sido entendida, pêlos entrevistados, como antinormativa, ao contrário da expressão de diferenças culturais. Saliente-se, ainda, que estes dois índices possuem uma correlação média entre si (r = .33; p < 0.001). Esta correlação leva-nos a colocar a hipótese de que a percepção de diferenças culturais é uma expressão de hierarquização cultural e, portanto, uma expressão de racismo.

 

Diferenças culturais e hierarquização cultural

Para analisar esta hipótese, realizámos uma análise de regressão múltipla, tomando a atitude face aos negros como variável dependente (para uma descrição mais detalhada desta variável ver Vala, Brito & Lopes, 1999). Os resultados são apresentados na tabela.

Como se pode observar, quanto maior a percepção de diferenças culturais ou raciais, mais negativa é a atitude face aos negros. Estes resultados apoiam a nossa hipótese na medida em que, quer a representação da minoria "negros" se faça através da percepção de diferenças culturais, quer através da percepção de diferenças raciais, a forma de categorização daí resultante acarreta uma diferenciação positiva do endogrupo, isto é, do grupo dos portugueses "brancos". É neste sentido que podemos tomar a diferenciação racial e a diferenciação cultural como formas de operar distintividade endogrupal, isto é, como formas de racismo. Mas, enquanto a diferenciação do outro a partir da sua pertença racial anuncia, abertamente, uma motivação para operar uma hierarquização social, a diferenciação do outro a partir da sua cultura apenas o faz de forma subtil.

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Diferenças culturais e discriminação de minorias

A pergunta que colocamos agora é a de saber se a ideia de diferenciação cultural justifica, de facto, a discriminação de minorias. Para responder a esta questão, dividimos os inquiridos da nossa amostra em três grupos distintos: um que não estabelece qualquer tipo de diferenciação (racial ou cultural); outro que apenas estabelece diferenciação cultural; e um terceiro que estabelece diferenciação cultural e racial. Realizámos, então, uma análise de variância para verificar os efeitos da nossa categorização em alguns indicadores de discriminação presentes no questionário. Os resultados são apresentados na tabela.

Podemos verificar que os indivíduos que acentuam as diferenças culturais mostram-se mais orientados para a discriminação (nas diferentes perguntas formuladas) do que aqueles que não operam qualquer tipo de diferenciação. Assim, enquanto 10% dos inquiridos que não estabelecem diferenciação cultural ou racial consideraram uma "má ideia" facilitar a naturalização dos imigrantes negros, esta percentagem sobe para os 22% nos inquiridos que estabelecem diferenciação cultural, e para os 65% naqueles que estabelecem diferenciação racial e cultural.

Por outro lado, e no que diz respeito ao alargamento dos direitos dos imigrantes, a resposta média dos inquiridos que estabelecem diferenciação cultural é a de que estes devem permanecer como estão, enquanto que aqueles que não fazem qualquer tipo de diferenciação mostram-se a favor do seu alargamento. A restrição dos direitos dos imigrantes é defendida por 4% destes últimos, por 15% daqueles que estabelecem diferenciação cultural e por 42% dos inquiridos que estabelecem diferenciação racial e cultural. Finalmente, o aumento do número de imigrantes não é problemático para 26% daqueles que não estabelecem qualquer tipo de diferenças, contra 14% daqueles que manifestam preconceito cultural e 0% daqueles que manifestam preconceito racial.

Avaliámos, ainda, o efeito destes grupos sobre a discriminação ao nível da protecção social. Para tal, propusemos aos inquiridos o problema seguinte: "A Câmara Municipal de Lisboa dispõe de 1000 contos para distribuir pêlos habitantes mais desfavorecidos de um bairro desta cidade. Trata-se, então, de distribuir este dinheiro pelos 50 negros e pêlos 50 portugueses mais desfavorecidos daquele bairro. Como distribuiria estes 1000 contos?" A resposta média, tomando todos os grupos, mostra uma ligeira orientação para a discriminação (p.e., dar mais 50 contos aos brancos do que aos negros).

Como se pode observar na tabela 2, a discriminação dos negros nas acções de protecção social é significativamente superior nos inquiridos que manifestam preconceito cultural e, obviamente, naqueles que estabelecem diferenciação racial e cultural. No seu conjunto, estes resultados mostram, claramente, que a simples acentuação de diferenças culturais é já um indicador de uma orientação segregacionista e discriminatória (ainda que em menor grau do que a acentuação de diferenças raciais). Desta forma, as respostas de um número considerável de inquiridos que dão relevância às diferenças culturais pode ser entendida no quadro de uma hierarquização das culturas ou, pelo menos, no contexto de uma concepção que faz das diferenças culturais diferenças problemáticas, justificadoras de uma atitude mais negativa face a grupos minoritários.

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* Diniz Lopes

Licenciado em Psicologia pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Assistente Estagiário no ISCTE.

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Bibliografia

Vala, J, Brito, R., & Lopes, D. (1999). Expressões dos racismos em Portugal. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Modalidades de diferenciação e orientação para a discriminação

Link em nova janela Atitude face aos negros em função da diferenciação racial e da diferenciação cultural

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