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História da imigração em Portugal (II)

Maria Beatriz Rocha-Trindade *

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Analise-se agora, em pormenor, a génese e o desenvolvimento dos principais movimentos migratórios anteriormente descritos.

 

A imigração cabo-verdiana (40 093 residentes legais em 1998)

De entre os países receptores da diáspora cabo-verdiana, Portugal ocupa o segundo lugar, atrás dos Estados Unidos. No entanto, a acumulação e a continuidade deste fluxo migratório, já iniciado nos anos 60, conduz a respectiva comunidade a ocupar destacadamente o primeiro lugar, nas estatísticas referentes à imigração legal, entre os estrangeiros residentes em Portugal. Refira-se, no entanto, que o grande movimento de entradas em Portugal por altura de 1974-75 incluiu um número considerável de funcionários públicos, professores e pessoal do sector da saúde. Integrados em maioria nos respectivos sectores em Portugal, muitas destas pessoas possuem hoje a nacionalidade portuguesa, por opção ou por naturalização.

Na época presente, no entanto, a composição sócio-económica da maioria dos imigrantes cabo-verdianos é sensivelmente mais baixa, sendo igualmente baixa a média das suas qualificações profissionais; pelo que se dedicam maioritariamente a actividades no sector industrial (designadamente na construção civil) no que respeita à população masculina, e ao serviço doméstico e de venda ambulante, para a população feminina.

Estima-se, por outro lado, que a alargada e bem implantada rede de familiares e de conhecidos daquela proveniência poderá dar cobertura a numerosas situações de imigração ilegal, pelo que o número total de residentes cabo-verdianos poderia quase aproximar-se do dobro do número acima indicado. Nessas condições de clandestinidade, criam-se condições desfavoráveis que conduzem à precariedade do emprego e à residência em zonas degradadas na periferia das grandes cidades, bem como à falta de recurso a mecanismos de apoio social, de saúde e de educação.

Em termos das estatísticas oficiais, a implantação da comunidade cabo-verdiana predomina na região de Lisboa (onde as primeiras fixações se verificaram nos bairros de Campo de Ourique, Estrela e S. Bento) e nos distritos de Setúbal e de Faro. Actualmente, as condições de habitabilidade das residências variam do muito precário nas cinturas periféricas daquelas cidades, passando pelas aglomerações de habitações de maior estabilidade nas cidades-satélites dos arredores, até ao caso da total dispersão nos centros urbanos respectivos. O factor determinante é, em primeiro lugar, a situação de imigrante legal ou clandestino; em segundo, o tempo de permanência das famílias em Portugal, dando azo a que um certo sucesso económico proporcione uma melhoria significativa das suas condições de vida.

Não se perca de vista, todavia, que existe um conjunto numeroso de personalidades e famílias de origem cabo-verdiana que têm estatuto sócio-económico elevado e projecção cultural e política significativas, estando totalmente integradas na sociedade portuguesa. Em nota final, deve enfatizar-se o facto de serem cabo-verdianas as mais activas, visíveis e numerosas associações de imigrantes, responsáveis pela organização de manifestações festivas e culturais de dimensão significativa.

 

A imigração brasileira (19 860 residentes legais em 1998)

A revolução portuguesa de 1974 abriu as fronteiras portuguesas a um número significativo de opositores ao regime de ditadura militar brasileiro, de certo modo uma contrapartida do acolhimento prestado por aquele país aos democratas que combatiam, anos antes, o regime salazarista. Nessa mesma data, o Brasil acolhia também as personalidades portuguesas que se não reviam no novo regime democrático português. No entanto, o grande país sul-americano continuava a ser, sobretudo, um país receptor de imigrantes, não tendo, à época, expressão significativa a migração económica em sentido contrário. É nos anos 80, com o início do processo de democratização brasileiro, que começa a desenhar-se uma corrente de emigração para Portugal, a qual se tem mantido desde então em proporções relativamente moderadas, da ordem de grandeza do milhar de novas entradas por ano. Apesar de este fluxo aparentar uma dimensão modesta, a sua continuidade coloca os residentes brasileiros no segundo lugar das comunidades estrangeiras.

O facto de se tratar de imigrantes portadores, na generalidade, de qualificações profissionais médias ou superiores, acabou por desencadear uma crise nas relações Portugal-Brasil, com o caso dos dentistas brasileiros a quem foi inicialmente recusada autorização de exercício da sua profissão em Portugal. Ultrapassada esta situação, as relações bilaterais normalizaram-se, havendo hoje significativos investimentos nos dois sentidos, o que não deixará de estimular, igualmente, o intercâmbio de pessoas. Os brasileiros exercem em Portugal actividades predominantemente no sector dos serviços especializados: design, profissões artísticas, publicidade, produção dos media, informática, institutos de beleza, restaurantes e bares e no sector desportivo do futebol. A sua implantação verifica-se sobretudo em áreas urbanas, com particular incidência na capital e nos distritos do Porto e de Aveiro.

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A imigração angolana (16 487 residentes legais em 1998)

Sendo Angola, anteriormente, o território com maior número de residentes de ascendência europeia (e, muitos destes, de naturalidade angolana) não é de estranhar que constituíssem na generalidade o maior número de Retornados no êxodo verificado entre 1975 e 1976. Entre eles contava-se grande proporção de empresários, comerciantes, funcionários públicos e quadros superiores. Por alturas dos anos 1977 e 78 verificou-se novo afluxo de pessoas de qualificações altas e de estatuto sócio-económico elevado, que vieram a reconhecer a sua incapacidade de se integrar na nova sociedade angolana. Numa terceira etapa, a partir dos anos 89-90, deu-se um novo movimento de saída de angolanos, de qualificações médias muito abaixo dos fluxos anteriores e com as motivações principais de procurar trabalho e de fugir ao recrudescimento da guerra civil em Angola.

São maioritariamente angolanas as fixações de imigrantes no Bairro da Bela Vista (Setúbal), Bairro da Torre (Cascais), no Vale da Amoreira (Barreiro), na periferia norte da Amadora, nas Charnecas da Quinta Grande (Aeroporto), nos Bairros da Serafina, Santa Apolónia (Poço do Bispo) e nas Zonas J e N (Cheias), freguesias estas da Região de Lisboa. Outro pólo de fixação importante situa-se no Porto, entre São Bento e Vila Nova de Gaia. De uma maneira geral a comunidade encontra-se ideologicamente fraccionada e, em geral, considera baixas as probabilidades de vir a regressar a Angola.

 

A imigração guineense (12 894 residentes legais em 1998)

Dado ter sido um teatro de guerra muito activo na última parte do período colonial, foi-se desenhando uma consciência do fim próximo desse regime, o que levou à partida regular da totalidade da população de ascendência europeia entre 1974-1975, bem como de largo número de guineenses de raiz africana. Ao contrário do que se passou com os retornados de Angola, a saída da Guiné não teve carácter súbito e imperativo, antes organizado e regular. A imigração de guineenses para Portugal por motivações económicas adquiriu expressão no início dos anos 80 e tem vindo reforçar-se, lenta mas constantemente.

Desde a independência até ao presente tem existido também um limitado contingente de jovens que prosseguem os seus estudos em Portugal. A recente convulsão política na Guiné (1998) agravou a situação económica naquele país, sobretudo devido à quase total destruição das infra-estruturas produtivas. Este facto tem feito acentuar a procura de Portugal como destino de recurso.

Os principais núcleos de fixação dos guineenses em Portugal situam-se nos distritos de Lisboa e Setúbal. As famílias mais abastadas, correspondendo à migração inicial de quadros e funcionários, localizam-se em Campo de Ourique, Avenidas Novas e Benfica; as populações mais desfavorecidas habitam a zona J da freguesia de Marvila, Santo António dos Cavaleiros (Loures) e Paço de Arcos (Oeiras). Na margem Sul, em Almada/Laranjeiro e Corroios/Seixal.

 

A imigração moçambicana (4 429 residentes legais em 1998)

Salvo no tocante a quantitativos de muito menor dimensão, as fases do processo de migração moçambicana assemelham-se ao caso de Angola: um fluxo inicial aquando da independência (1975), com representantes de todas as classes sociais e de ascendências europeia, africana e asiática; alguns anos depois, um novo fluxo de saídas de estratos sociais mais elevados, por falta de inserção conseguida na nova sociedade moçambicana; finalmente, um movimento lento mas contínuo de saída de famílias e de indivíduos em procura de trabalho e de residência em Portugal.

Tendo em conta a distância entre os dois países e o muito baixo rendimento médio da população, justifica-se que seja relativamente pouco expressivo o volume da emigração de trabalho moçambicana para Portugal.

Fixaram-se os primeiros imigrantes desta origem principalmente nos concelhos de Peniche, Torres Vedras e Tavira. No momento actual são dominantes os núcleos residentes em Santo António dos Cavaleiros, Loures e Odivelas, todos a NW da cidade de Lisboa. Existe um certo número de jovens que prosseguem estudos superiores nas Universidades de Coimbra e do Porto e, em menor número, em Lisboa. Para além do exercício de actividades na Administração Pública e em profissões liberais, são em muito maior número os empregos de baixa qualificação profissional, designadamente na construção civil e em serviços domésticos.

 

A imigração santomense (4 388 residentes legais em 1998)

Trata-se de uma imigração recente, só com expressão significativa a partir do início da década de 90, quando a abolição do regime de partido único conduziu a uma desestruturação económica e, a curto prazo, à perda de empregos e de rendimentos.

Portugal aparece como um porto de abrigo, não só para os santomenses mais desfavorecidos como também para indivíduos com qualificações médias ou superiores, obtidas sobretudo em países do Leste europeu, particularmente na área da saúde.

Os seus principais pólos de fixação situam-se, regra geral, em espaços periféricos urbanos muito degradados a NW da cidade de Lisboa: Santo António dos Cavaleiros, Quinta do Mocho (Loures), Vale do Chícharo ("Jamaica"), Charneca do Lumiar. Na margem Sul do Tejo: Costa da Caparica, Santa Marta de Corroios, Barreiro.

Existe um número significativo de imigrantes santomenses ilegais (entrados como turistas com um visto de 30 dias), que procuram emprego junto de angariadores e de subempreiteiros de construção civil da mesma nacionalidade.

 

Imigração proveniente da União Europeia (48 223 residentes legais em 1998)

Sendo embora difícil distinguir entre a exacta condição de imigrante económico e outras situações aplicáveis aos residentes em Portugal desta proveniência, verifica-se, no entanto, que se encontram relativamente dispersos por todo o país, embora com uma concentração dominante em Lisboa e na região do Algarve.

Entre quadros superiores e técnicos de empresas estrangeiras ou multinacionais do sector industrial ou terciário; passando por empresários por conta própria, em explorações agrícolas, corretagem de terrenos e prédios e em empreendimentos hoteleiros; até, finalmente, ao número significativo de pessoas que vivem das suas reformas ou de outros rendimentos, sem efectivamente deterem uma ocupação produtiva, verificam-se todas as situações e gradações possíveis, se bem que caracterizadas em média, por um estatuto sócio-económico relativamente alto. Prevê-se que esta componente da população estrangeira residente tenda, no futuro, a continuar o seu crescimento regular.

 

A imigração de comunidades asiáticas (4 350 residentes legais em 1998 oriundos da China, Japão e índia)

A ocupação do então designado Estado da índia pela União Indiana em 1961 deu origem a um movimento de entrada em Portugal (e também em Moçambique) de goeses, tanto de ascendência europeia como de etnia indiana. Crê-se que tal veio a desencadear, por arrastamento, uma imigração de pessoas da própria União e dos países vizinhos (designadamente Paquistão e Bangladesh).

A integração dos goeses, geralmente de estatuto sócio-económico médio a elevado, processou-se sem problemas visíveis. Quanto aos demais, embora no conjunto a sua expressão numérica seja modesta, trata-se de uma imigração de sucesso, sendo os membros destas comunidades detentores de grande número de lojas de retalho de produtos importados do Oriente, bem como de restaurantes e outros serviços marcados pela origem étnica.

A sua principal área de fixação situa-se em Lisboa, designadamente nos bairros dos Anjos, Desterro e Mouraria, bem como a NW desta cidade, em Santo António dos Cavaleiros (Loures). Características semelhantes tem a comunidade chinesa, não apenas proveniente de Macau mas também da China continental (especialmente das regiões de Cantão, Xangai e Norte da China).

Em número da ordem de grandeza de um milhar, estão dispersos no tocante ao local de residência, particularmente em Lisboa. Especializaram as suas actividades (geralmente com carácter familiar) no domínio dos serviços e comércios étnicos, embora se deva salientar que, neste último caso, é muito significativo o volume de negócios de alguns destes empresários. Não se fará menção neste capítulo da comunidade timorense já que, por um lado, ela se não integra exactamente na condição de imigrante mas antes na de refugiado; por outro, na medida em que se espera que eles venham em parte a regressar, a prazo, ao novo país de Timor Lorosae.

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* Maria Beatriz Rocha-Trindade

Doutorada em Sociologia pela Universidade de Paris I Sorbonne. Agregada em Sociologia pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Professora Catedrática da Universidade Aberta. Directora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais/CEMRI (Ministério da Ciência e Tecnologia).

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