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O sistema de controlo internacional das drogas

Joaquim Rodrigues *

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A produção, a distribuição e o consumo das substâncias cujo abuso provoca dependência e outras consequências graves para a saúde dos consumidores estão sujeitas a controlo internacional.

O sistema de controlo, actualmente em vigor, tem por base as disposições de três convenções internacionais adoptadas sob a égide das Nações Unidas: a Convenção Única (Nova Iorque 1961), (1) a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (Viena 1971) e a Convenção contra o Tráfico Ilícito (Viena 1988). Mas a criação do sistema que determinou que a cooperação em matéria de controlo de drogas constituísse matéria de direito internacional data de 1912 (Convenção de Haia) e desenvolveu-se ao longo de várias décadas, num processo em que, não raro, os consensos maioritários que permitiram a aceitação dos termos dos acordos só foram conseguidos com cedências, compromissos e retrocessos cuja recuperação nem sempre se verificaria e cujos reflexos mais graves se traduziram, na generalidade dos casos, no baixo nível de eficácia do sistema. (2)

 

Objectivos

Limitar a fins médicos e científicos o uso de substâncias cujo abuso pode provocar dependência e proteger a saúde dos indivíduos e da sociedade, é o objectivo explícito do sistema de controlo visado pelos tratados internacionais em vigor.

Pressupõe que tais substâncias tenham uso científico e médico, que se prestem ao abuso ou uso indevido, que tal abuso produza dependência e que esta constitua um problema social e de saúde de tal gravidade e dimensão que requeira consagração em sede de direito internacional.

O preâmbulo da Convenção de 1988 recapitula alguns dos factores justificativos da gravidade do problema: a extensão da procura, os efeitos nocivos sobre os fundamentos económicos, culturais e políticos da sociedade, os efeitos devastadores do tráfico ilícito, a exploração das crianças como mercado de consumo e sua utilização para a produção e distribuição, as ligações entre tráfico e actividades criminosas organizadas, os efeitos sobre a estrutura e funcionamento dos Estados (que a dimensão dos lucros proporcionados pelo tráfico possibilita).

Embora tratando-se de afirmações “genéricas”, cuja formulação não permite confirmação científica, o facto de terem sido formalmente acolhidas por todos os intervenientes é o indicador da capacidade mobilizadora das mesmas, no plano político, por um lado e, por outro, da dificuldade em fazer aceitar a eventual falta de rigor de algumas das formulações e, por maioria de razão, em introduzir alterações no próprio sistema de controlo.

 

Drogas abrangidas

A Convenção de 1961 colocou sob controlo além da papoila do ópio, do arbusto da coca e da planta da cannabis, um conjunto de 32 substâncias naturais e 53 substâncias sintéticas distribuídas por quatro tabelas anexas ao texto do tratado. A constituição de tabelas foi a forma encontrada para facilitar quer a diferenciação dos níveis de controlo dos diferentes grupos de substâncias ou compostos, quer a inclusão de novas substâncias (ou exclusão das já controladas) sem que a celebração duma nova convenção se torne obrigatória.

A Convenção de 1971 veio estender o sistema de controlo a três novos grupos de substâncias ou preparações (3) (os sedativos, sobretudo barbitúricos, os estimulantes do tipo anfetamínico e os alucinógenos) num total de 32 substâncias, que entretanto tinham surgido no mercado lícito e cujo nível de procura desencadeara a produção clandestina e o tráfico.

Também aqui as diferentes substâncias e preparações estão distribuídas por tabelas, mas os critérios de distribuição são diferentes dos adoptados na Convenção de 1961.

A Convenção de 1988 colocou sob controlo os “precursores”, substâncias químicas e solventes comummente utilizadas no fabrico de drogas, no total de 12 substâncias.

Na base das disposições das três convenções, inúmeras substâncias ou preparações têm vindo a ser acrescentadas às listas originais; algumas têm mudado de tabela e um reduzidíssimo número foi retirado do controlo. O processo de alteração das tabelas pode ser da iniciativa da Organização Mundial de Saúde ou dos Estados/Partes (com parecer obrigatório da OMS), cabendo a decisão à Comissão de Estupefacientes, com concordância prévia de cada um dos Estados/Partes das respectivas convenções.

Os procedimentos a seguir no processo estão descritos nos textos das convenções (art.º 3º, 2º e 12º das convenções de 1961, 1971, 1978 respectivamente).

As principais diferenças dizem respeito à convenção de 1988, onde a OICE substitui a OMS e a decisão da Comissão carece de maioria qualificada (dois terços).

A utilidade terapêutica e os riscos de uso indevido são, em última análise, os critérios que presidem à inclusão das substâncias nas tabelas e ao nível de controlo a que se submetem. Substâncias com escassa aplicação terapêutica mas com elevado grau de utilização abusiva são sujeitas a apertadas medidas de controlo; substâncias com elevada utilização médica e com reduzido grau de utilização abusiva sujeitam-se a aligeiradas medidas de controlo.

Presentemente encontram-se sob controlo internacional aproximadamente 250 substâncias ou preparações, 23 ao abrigo da convenção de 1988, 115 da convenção de 1971 e as restantes ao abrigo da convenção de 1961. Quando o sistema foi instituído em 1912 eram quatro as substâncias controladas.

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As obrigações dos Estados

As obrigações assumidas pelos Estados que aderiram às convenções são a criação de leis, regulamentos e dispositivos destinados a assegurar, no território respectivo, a aplicação das disposições previstas nos tratados, punir a sua violação e promover a cooperação com os diversos Estados e órgãos internacionais com responsabilidades no sistema de controlo —  o Secretário Geral, o Programa das Nações Unidas para o Controlo Internacional das Drogas (PNUCID), o Órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes (OICE) e a Comissão de Estupefacientes do Conselho Económico e Social (CND). (4)

No caso das substâncias sujeitas a controlo mais rigoroso (tabela I da convenção de 1961, onde se inscrevem os opiáceos, a cocaína e a cannabis) os Estados obrigam-se a, cumulativamente:

• indicar prévia e periodicamente ao OICE a estimativa das quantidades necessárias para fins médicos e científicos, as condições do fabrico, a identificação dos fabricantes, o montante dos stocks e, no caso da papoila do ópio, a área destinada ao seu cultivo;

• fornecer informação estatística retrospectiva sobre a produção, fabrico, utilização, consumo, importação, exportação, apreensões, stocks e área efectiva destinada ao cultivo da papoila do ópio;

• limitar o fabrico e a importação das substâncias às necessidades legítimas de consumo interno e de exportação;

• licenciar e controlar o fabrico, o comércio e a distribuição das substâncias, incluindo a importação e a exportação, e controlar e inspeccionar os respectivos operadores e locais onde as actividades tenham lugar;

• condicionar a entrega das drogas para consumo à prescrição médica, instituir o registo obrigatório de toda a movimentação e providenciar pela etiquetagem pormenorizada das embalagens;

• controlar a produção do ópio e da palha concentrada da papoila do ópio, no caso dos países produtores autorizados.

Medidas de controlo do tipo das acima referidas, mais reduzidas e menos restritivas, são aplicadas aos grupos de substâncias consideradas menos perigosas para a saúde pública. É o caso das substâncias inscritas nas tabelas I e II da convenção de 1988, relativamente às quais os Estados se obrigam a estabelecer e manter um sistema de vigilância do comércio internacional, a identificar as operações suspeitas e a apreender as ditas substâncias quando se preveja destinarem-se ao fabrico ilícito de uma droga.

Obrigam-se igualmente a comunicar anualmente ao Secretário-Geral o nome e contactos das autoridades nacionais mandatadas para conceder as autorizações de exportação, as modificações introduzidas nas leis e regulamentos, os dados relativos ao tráfico e as informações pertinentes surgidas em matéria de consumo indevido.

No que às sanções diz respeito, obrigam-se a tipificar como infracções penais o cultivo, a produção, a distribuição, o transporte, a importação, a exportação de qualquer das substâncias abrangidas pelas convenções de 1961 e 1971, bem como o fabrico, transporte ou distribuição de materiais ou substâncias abrangidas pela convenção de 1988, quando se preveja destinarem-se ao cultivo, produção ou fabrico de estupefacientes e psicotrópicos e ainda o branqueamento dos capitais provenientes do tráfico de quaisquer das substâncias referidas. As sanções a aplicar deverão ser proporcionais à gravidade das infracções, podendo ir de penas de prisão a perdas pecuniárias ou perda de bens, a medidas de educação, readaptação ou reinserção social como alternativa à condenação, passando por medidas de tratamento complementares das sanções penais.

Relativamente aos dispositivos, os Estados obrigam-se, indirectamente, a dotar os serviços de saúde, educação, justiça, controlo industrial, comercial e aduaneiro, dos meios adequados à execução das tarefas necessárias ao cumprimento das obrigações assumidas e, explicitamente, a designar uma autoridade para garantir a cooperação judiciária instituída na convenção de 1988 (art.º 7º e 17º), a criar e manter uma administração especial encarregada de aplicar as disposições da convenção de 1961 a 1971. No caso de autorizarem o cultivo da papoila do ópio, do arbusto da coca ou da planta da cannabis, os Estados obrigam-se a criar um organismo estatal para aplicação das disposições convencionais ao referido cultivo (monopólio do comércio do ópio).

Finalmente, os Estados, ao mesmo tempo que se obrigam a penalizar a posse e consumo individual (n.º 2 do art.º 3º da convenção de 1988), são incitados a adoptar medidas para prevenir o consumo, identificar, tratar, educar, readaptar e reinserir socialmente os indivíduos com consumos indevidos que queiram tratar-se (artigos 38 e 20 das Convenções de 61 e 71).

 

Informação complementar

Tipos de drogas sob controlo

Drogas naturais/de origem vegetal — Drogas obtidas por tratamento, de sofisticação variável, do produto/crude proveniente das plantas (morfina, heroína, cocaína); a presença do princípio activo pode, obviamente, apresentar variações.

Drogas sintéticas — Espectro alargado de substâncias sintetizadas em laboratórios a partir de componentes químicos (precursores/produtos originais).

As drogas sintéticas podem ser “cópias” de drogas naturais ou “criações”. Quando os precursores utilizados são naturais os produtos finais obtidos são semi-sintéticos. Os estimulantes anfetamínicos, as meta-anfetaminas, o ecstasy e as benzodiazepinas são exemplos de drogas sintéticas.

Designer drugs (drogas sintéticas de segunda geração) — São substâncias produzidas em laboratório clandestino com estrutura química semelhante à de uma droga conhecida e efeitos idênticos, mas que, pela estrutura e composição, fogem ao regime de controlo legal (apresentam características “formais” diferentes das drogas controladas). Trata-se não de “cópias” de drogas existentes mas de “criações”. São produzidas pelo menos cinco tipos de “designer drugs”: opióides sintéticos, derivados da fenciclidina, tritaminas, derivados da metaqualona, fenilakilaminas. Os opióides sintéticos são, nalguns casos, centenas de vezes mais potentes que a própria heroína!

__________
1 Emendada pelo protocolo de 1972.
2 A Convenção Única de 1961, que pressupostamente deveria acolher as disposições consagradas nos instrumentos anteriores, deixou de fora as medidas contra o tráfico ilícito constantes da convenção de 1936 (que a convenção de 1988 viria a retomar em novo contexto) por não ter sido obtido consenso.
3 As preparações estão sujeitas às mesmas medidas de controlo que a substância psicotrópica que contêm e, se contêm mais de uma dessas substâncias, as medidas aplicáveis à substância mais estreitamente fiscalizada (n.º 1 do artigo 3º da convenção de 1971).
4 O OICE tem poderes para pedir esclarecimentos aos Estados/Partes, sobre as informações prestadas e as medidas adoptadas se as considerar insuficientes, para solicitar a adopção de medidas correctivas, chamar a atenção dos Estados/ Partes, da Comissão e do Conselho, para este tipo de situações e recomendar às Partes a interrupção de operações comerciais com o Estado em falta, para além de dar conta das situações no Relatório Anual a apresentar ao Conselho.


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* Joaquim Rodrigues

Licenciado em Psicologia pela Universidade de Lisboa. Representante Nacional junto do Grupo Pompidou do Conselho da Europa.

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