Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2002 > Índice de artigos > Portugal e o mundo > Aspectos da conjuntura internacional > [Um novo ciclo ambiental nas políticas internacionais]  
- JANUS 2002 -

Janus 2002



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Um novo ciclo ambiental nas políticas internacionais

Aníbal Lamy *

separador

No âmbito das negociações sobre políticas ambientais, 2001 foi um ano de desenvolvimentos sem precedentes, que marcou, decisivamente e para o longo prazo, as grandes linhas da negociação política e económica à escala global.

Os resultados das negociações internacionais no ano 2000/2001 trouxeram um conjunto de surpresas, tanto nas conclusões de cimeiras como das alterações climáticas, quanto no movimento de contestação que, desde Seattle, acompanhou de forma violenta as negociações de maior peso político na chamada globalização.

A grande referência destas evoluções foi a Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro em 1992, onde a protecção ambiental e o valor do ambiente como património do planeta e dos seus habitantes foram reconhecidos num âmbito global sem precedentes. Várias bases das relações internacionais foram alteradas em poucos dias, embora o alcance destas alterações se tenha vindo a mostrar ao longo da década já passada:

• o lançamento das Convenções-Quadro institucionalizadas no âmbito da ONU;

• a aceitação — igualmente institucionalizada — de que os problemas ambientais ultrapassam fronteiras;

• a consequente imposição de limites às soberanias nacionais;

• a utilização do ambiente como impulsionador do direito de ingerência internacional nas soberanias nacionais;

• a consciência, embora pouco explorada e aprofundada, de que progressivamente a protecção ambiental viria a influenciar e limitar outros temas de discussão global, como o do comércio livre e o da livre circulação de capitais;

• a mudança de filosofia e prática de grandes Instituições, como o Banco Mundial, que veio a tornar-se um dos promotores económicos das políticas ambientais nos Países em Vias de Desenvolvimento, directamente ou através de instituições por si geradas e/ou geridas, casos do GEF – Global Environment Facility e do Prototype Carbon Fund, o primeiro surgido da Convenção da Biodiversidade e que se expandiu como instrumento financeiro de suporte para várias outras preocupações (protecção da camada de ozono, por exemplo), o segundo criado como um instrumento para teste aos possíveis mecanismos de mercado do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC). 

A UNFCCC — ao abordar uma temática tão universal e com impactes significativos em toda a economia mundial —, adquiriu uma visibilidade e importância que transcendeu a de todas as restantes Convenções-Quadro saídas da Cimeira da Terra, tanto mais que na prática integra e ultrapassa em âmbito todas as temáticas tratadas especificamente nas restantes convenções.

O Protocolo de Quioto a esta convenção, aprovado na cidade do mesmo nome em Dezembro de 1997, tornou-se na primeira proposta de criação de um acordo de compromisso legal e económico à escala mundial, vinculando todos os países industrializados a gerir e controlar as suas emissões de 6 gases geradores do chamado efeito de estufa no planeta. De todos estes gases o mais representativo é o dióxido de carbono (CO2). Por isso mesmo, todas as emissões de gases com efeito de estufa passaram a ser referenciadas pela unidade Tonelada de Dióxido de Carbono Equivalente (CO2 e ton).

Concretamente, os países industrializados comprometeram-se a reduzir as suas emissões globais em 5,2% relativamente aos níveis de emissões de 1990 (baseline), cabendo à UE uma redução média global de 8% e aos Estados Unidos uma redução de 7% face ao baseline, cujo cumprimento seria verificado no período de 2008-12.

Este Protocolo integrou mecanismos de mercado como instrumentos de minimização dos impactes económicos do esforço de redução de emissões nas economias dos países desenvolvidos, o que aconteceu pela primeira vez no âmbito de qualquer instituição de intervenção global, sob proposta baseada na experiência dos EUA nos seus programas de controlo das emissões com efeitos de chuvas ácidas e com efeitos sobre a camada de ozono.

Topo Seta de topo

O Protocolo estabeleceu períodos de compromisso e verificação de objectivos por parte dos países signatários, assim como regras de controlo de mercado e de performance ambiental, balizas e parâmetros de avaliação. O processo de definição dos conteúdos, regras de funcionamento, responsabilização, controlo, verificação e monitorização, iniciado em 1997, foi acompanhado por uma mobilização considerável dos agentes económicos, de ONGs e de grupos de países, unidos económica e politicamente - caso da UE — ou por interesses políticos comuns — caso do G77+China.

Embora o custo estimado para o cumprimento destes objectivos globais de redução de 5,2% no período de 2008-12 fosse de cerca de 200/300 biliões de USD (1) — um valor francamente insignificante no quadro das economias mais desenvolvidas — as reacções dos grandes players à escala global, tanto políticos como económicos, distribuiu-se por todo o leque de possibilidades, pró e contra.

Os efeitos directos políticos e económicos da implementação do Protocolo, assim como os efeitos colaterais — igualmente políticos e económicos — sentidos durante as negociações e na fase experimental dos mecanismos de mercado, atiraram-no para as luzes da ribalta da opinião pública e influenciaram de forma marcante a evolução da política ambiental e económica de inúmeros países e regiões, redefinindo assim um enquadramento para as negociações entre as Partes à UNFCCC. Neste contexto, as posições entre blocos económico-políticos e grupos de países com afinidades de interesses foram-se cristalizando, com repercussões geoestratégias em várias frentes.

Várias posições antagónicas entre a UE e os EUA deram origem a batalhas negociais e comerciais, casos do Protocolo de Quioto, dos OGM — Organismos Geneticamente Modificados — e da restrição da UE à importação de carne de bovino norte-americana em cuja alimentação tivessem sido incorporadas hormonas.

Os países produtores de petróleo, visivelmente atingidos pela redução previsível do consumo do ouro negro caso o Protocolo de Quioto viesse a ser implementado, levantaram por diversas vezes a questão das indemnizações a pagar pelos países mais desenvolvidos.

Ao longo do processo negocial, os vários blocos e países mostraram, quase sempre, posições de política externa, nem sempre coerentes com as suas políticas e práticas económicas internas.

Assim, a UE, claramente líder da oposição às teses mais liberais defendidas pelos EUA, veio a consagrar o Princípio da Precaução como critério de decisão de toda e qualquer política comunitária, levou à reunião da OMC em Seattle uma proposta para o reforço da importância dos critérios de responsabilidade ambiental e de saúde pública na prática comercial e decidiu avançar com a criação de um Mercado Interno do Carbono a partir de 1 de Janeiro de 2005 e até 31 de Dezembro de 2007, antecipando o período de compromisso do Protocolo de Quioto, que se prevê tenha o seu início em 1 de Janeiro de 2008.

No entanto, já após a revisão traumática e em baixa que levou à aprovação do Protocolo de Quioto na segunda fase da COP-6 em Junho de 2001, a Comissão Europeia decidiu adiar a decisão sobre o fim dos subsídios ao carvão, assim como adiou a publicação da directiva sobre o mercado interno de emissões de dióxido de carbono.

Nos EUA, se bem que o governo evitasse quaisquer referências ao Protocolo de Quioto, durante o anterior governo Democrata, cerca de metade dos Estados avançaram com legislação específica de apoio a medidas de redução de emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa.

Grandes empresas globais, como a BP e a Shell, iniciaram os seus mercados internos de carbono com objectivos claros de redução de emissões e de preparação para o período de compromisso definido no Protocolo de Quioto (2).

De uma maneira geral, as economias reagiram bem e com algum entusiasmo ao potencial de negócio aberto pelos mecanismos de mercado do Protocolo, claramente demonstrado pelas inúmeras acções de teste, demonstração e criação de empresas, mecanismos financeiros especializados e organizações representativas dos interesses económicos criadas para acompanhar as negociações internacionais e as oportunidades de negócio decorrentes desde a Conferência de Quioto em Dezembro de 1997.

A Europa comunitária, os EUA, o Japão, a Noruega e a Suíça multiplicaram os Projectos de Eficiência Energética, Energias Renováveis e Florestação no âmbito do Programa Experimental de Implementação Conjunta (AIJ) da UNFCCC, em que o país hospedeiro e o promotor partilham os custos de instalação e de exploração do projecto. Os países escolhidos foram, maioritariamente, as economias em transição e países com florestas tropicais (Costa Rica, Bolívia, Brasil).

As negociações em torno deste Protocolo atingiram o seu primeiro pico junto da opinião pública na 6ª Conferência das Partes (COP-6), realizada em Haia em Novembro de 2000, com um calendário muito próximo da reunião da OMC em Seattle, palco dos primeiros confrontos entre manifestantes antiglobalização e as forças policiais, que vieram a repetir-se em todas as cimeiras realizadas desde então. Esta Conferência saldou-se por um fracasso, em parte decorrente da falta de vontade da UE em fazer cedências aos EUA em áreas críticas, caso da imposição de reduções domésticas e a limitação dos mecanismos de mercado a um recurso suplementar, e caso da não aceitação dos sequestros de carbono como reduções de emissões convertíveis em títulos transaccionáveis ou como valor acumulável em depósito.

Na sequência das eleições presidenciais de 2000 nos EUA — onde a Presidência Democrata cedeu lugar à Republicana — e da primeira parte da COP-6, os EUA decidiram sair das negociações do Protocolo de Quioto, designadamente por ser atentatório da economia norte-americana e, leia-se, da sua liberdade de opções em matéria de política de economia ambiental.

Durante o primeiro semestre de 2001, as diplomacias de todo o Mundo desenvolveram esforços intensos no sentido de trazer os EUA de volta ao Protocolo de Quioto, embora sem sucesso. Na segunda fase da Conferência das Partes, que teve lugar em Bona em Junho de 2001, a UE e países com posição similar acabaram por sacrificar todos os pontos da sua posição de Novembro de 2000, tendo com isso isolado os EUA — que permaneceram fora do Protocolo — e conseguido a aprovação do Protocolo em condições necessárias para a sua ratificação.

A necessidade política de aprovar o Protocolo e conseguir criar as condições para a criação de um instrumento político, legal e económico à escala mundial, que possa servir de primeiro degrau para um desenvolvimento posterior mais eficaz, acaba por ter um efeito quase nulo no plano da protecção ambiental e no problema das alterações climáticas.

Com efeito, se uma redução das emissões em 5,2% por parte dos países desenvolvidos não evitaria o efeito cumulativo crescente de gases com efeito de estufa na atmosfera, o novo valor acordado — 1,8% de redução face aos níveis de 1990 — terá um efeito verdadeiramente simbólico e não altera o problema que enfrentamos face ao efeito de estufa e à crescente preocupação de sectores económicos (principalmente seguradoras) com os prejuízos económicos potencialmente causados pelas alterações já verificadas no clima à escala global, e de que o gráfico anterior nos dá uma perspectiva.

As consequências para as relações internacionais são, no entanto, muito mais do que simbólicas, tanto do ponto de vista político como económico. As atitudes e comportamentos ambientais dos países passam, igualmente, a ter uma exposição anteriormente ignorada. E esta exposição, refira-se, é simultaneamente política, social, económica e ambiental.

Em 1 de Agosto de 2001, o Reino Unido aprovou o seu mercado interno de carbono equivalente (UK Emissions Trading Market), o primeiro à escala mundial. Num cenário altamente provável, a UE terá o seu mercado interno a funcionar experimentalmente em Janeiro de 2005, o Protocolo de Quioto será ratificado nesta sua versão ligeira e os EUA permanecerão isolados na sua decisão de resolver o problema das emissões de gases com efeito de estufa da forma mais conveniente à sua economia, o que para já significou uma aposta decisiva no aumento do recurso aos combustíveis fósseis, com cerca de 1.000 novas centrais de ciclo combinado a gás natural autorizadas e previstas, embora sem abastecimento de gás natural garantido.

Este cenário desenrola-se, portanto, num outro cenário mais amplo: a geoestratégia dos recursos naturais face aos recursos endógenos. Com efeito, a dependência das economias industrializadas no tocante aos combustíveis fósseis parecia favorecer o investimento em novas alternativas endógenas e renováveis que seriam necessariamente impulsionadas pelo Protocolo de Quioto, nomeadamente porque nenhuma nova descoberta de depósitos de gás natural ou de petróleo veio alimentar, nos últimos anos, a expectativa de que os ritmos de crescimento do consumo de energia com recurso a combustíveis fósseis possa manter-se.

Chegamos ao segundo semestre de 2001 com um equilíbrio instável entre a aposta na economia pré-Quioto — prevalecente na ideologia política e na economia actual e, portanto, em vantagem — e na tendência para uma economia mais dependente de recursos endógenos. Este equilíbrio representa uma tendência lenta para a segunda opção, que poderá acelerar se factores de instabilidade política com impacte nas geoestratégias actuais se fizerem sentir.

__________
1 Christian Vrolijk, Kyoto Mechanisms Business Opportunities in Portugal and Spain, Lisboa, 11 e 12 de Maio, 2000
2 A BP definiu como objectivos do seu mercado interno a redução, até 2010, de 10% das suas emissões de dióxido de carbono equivalente face ao ano de 1990. A Royal Dutch/Shell definiu uma redução de 20% sobre o ano de referência, a cumprir até 2002.


separador

* Aníbal Lamy

Pós-Graduado em Gestão e Políticas Ambientais pela FCT da Universidade Nova de Lisboa. Administrador da Renatura Corporation.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Concentração atmosférica de CO2

Link em nova janela Perdas em catástrofes decorrentes de furacões

Link em nova janela Projecção da temperatura média global até 2100

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2003)
_____________

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores