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Onde estou: | Janus 2002 > Índice de artigos > Portugal e o mundo > Aspectos da conjuntura internacional > [Globalização, crescimento e convergência na economia mundial] | |||
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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Seria de esperar, de acordo com a teoria tradicional do comércio internacional (vantagens comparativas de Ricardo) e com a teoria neo-clássica do crescimento (modelo de crescimento exógeno de Solow), que a combinação destas duas grandes tendências provocasse um rápido processo de convergência entre países pobres e ricos. No entanto, a análise da evolução da economia mundial ao longo do século XX não confirma esta expectativa. Com a excepção da rápida aproximação de um pequeno grupo de países (OCDE e Novos Países Industrializados do Sudeste Asiático) aos EUA, no pós-Segunda Guerra Mundial (aparentemente atenuada ou até interrompida nos anos mais recentes), o panorama geral é uma crescente divergência entre os países desenvolvidos e os chamados países em desenvolvimento. A divergência dos níveis de produto per capita entre países ricos e pobres tem sido uma das causas do aumento das desigualdades na repartição do rendimento a nível mundial, a que se junta o aumento das disparidades dentro de cada país, quer entre regiões, quer entre grupos sociais. É também verdade que, medidas em termos do Índice de Desenvolvimento Humano (combinando o produto per capita com a esperança de vida e a disponibilidade de capital humano) as disparidades entre ricos e pobres não se acentuaram tanto. Mas esta constatação não pode servir de alibi para que deixe de se considerar a pobreza, as desigualdades sociais e a divergência entre países e regiões como questões de enorme importância, quer em termos de análise teórica e empírica, quer em termos de decisão política de implementação de medidas de combate urgente e eficaz, ao nível de cada país, mas sobretudo, a um nível supranacional e mundial. Felizmente, a agenda política internacional, confrontada com protestos e exigências crescentes, começa a reflectir sinais de uma vontade, até aqui não existente ou pelo menos pouco consequente.
Globalização O termo globalização tem sido muito utilizado mas ainda não se chegou a uma definição precisa e consensual sobre o seu significado. O que é de esperar, dada a multiplicidade de aspectos envolvidos, de natureza cultural, política, social, económica. Na sua dimensão económica, a que aqui nos interessa, pode entender-se por globalização a crescente integração das economias nacionais na chamada economia mundial, verificada nas últimas duas décadas a diversos níveis: do comércio de bens e serviços, dos fluxos de capital, dos movimento de pessoas, da difusão do conhecimento e das tecnologias. • Ao nível do comércio de bens e serviços, constata-se que uma percentagem crescente do rendimento em cada país é gasta em importações e uma parte cada vez mais significativa da produção é exportada: nos países desenvolvidos (PD) o peso do comércio externo (exportações mais importações sobre o PIB) cresceu de 27 para 39% entre 1987 e 1997; nos países em desenvolvimento (PVD) passou-se de 10 para 17% (dados do Banco Mundial). É também importante ter em conta a alteração significativa na estrutura do comércio externo, com um peso crescente dos bens manufacturados e dos serviços em detrimento dos bens primários (agricultura, matérias-primas, energia). • No que diz respeito aos fluxos de capital é de destacar uma tendência positiva que se vem consolidando: o aumento do Investimento Directo Estrangeiro (IDE), ou seja, dos investimentos que as empresas sediadas num determinado país fazem para estabelecer ou incrementar actividades empresariais noutros países. Alguns exemplos (como os anteriores retirados dos Indicadores de Desenvolvimento Mundial, do B M): em 1998, as empresas americanas investiram 133 mil milhões de dólares (m.m.d.) no exterior e as empresas estrangeiras investiram 193 m.m.d. nos EUA; os fluxos totais de IDE no mundo mais que triplicaram entre 1988 e 1998, de 192 para 610 m.m.d.; os PVD receberam, neste período e em média, cerca de um quarto do valor total destes fluxos. Quanto aos fluxos relativos ao mercado de capitais, a tendência é para o reforço dos investimentos de carteira e do recurso ao crédito bancário ser acompanhado pela diminuição dos fluxos de capital público (“ajuda” ao desenvolvimento). • Embora se tenha assistido nas últimas décadas a uma crescente migração de trabalhadores em busca de melhores oportunidades de emprego e qualidade de vida, os números envolvidos são ainda relativamente pequenos. • Um dos aspectos mais relevantes da fase actual do processo de globalização é a enorme circulação internacional da informação e do conhecimento proporcionada pela autêntica revolução nas tecnologias da informação e da comunicação (computadores e Internet). O investimento directo estrangeiro é por sua vez um veículo privilegiado de difusão das inovações tecnológicas.
Crescimento económico Por crescimento económico entende-se o aumento sustentado da produção de bens e serviços de uma economia, consumidos ou utilizados nessa ou noutras economias (procura interna e externa), através da utilização de recursos produtivos que geram o valor acrescentado (rendimento) necessário à sua remuneração (lado da oferta). Quando se analisa o crescimento económico de um país não está tanto em causa a existência de flutuações do produto provocadas por variações na procura (ciclo conjuntural), mas sobretudo o mecanismo que permite aumentar de forma sustentada o chamado produto potencial (o que se pode obter com a utilização plena dos recursos). Este mecanismo é complexo e pode numa primeira abordagem ser decomposto em dois tipos de forças ou causas do crescimento. As causas directas, mais facilmente identificadas e quantificadas, dizem respeito ao crescimento quantitativo e qualitativo dos factores produtivos (trabalho, capital, recursos naturais) e ao aumento da eficiência com que os factores são combinados (organização e gestão e outras melhorias técnicas não incorporadas). Para o aumento do bem-estar médio dos cidadão de um país, o crescimento que realmente interessa é o do produto per capita, que está ao longo do tempo, e descontando possíveis variações do esforço de trabalho da sociedade, estreitamente associado à evolução da produtividade do trabalho. Em termos práticos, e simplificando, o aumento da produtividade do trabalho pode conseguir-se de duas formas: por um aumento da quantidade de capital (físico e humano) por trabalhador ou pelo progresso técnico. Como causas indirectas do crescimento, essenciais mas de difícil quantificação, destaca-se um conjunto de factores de enquadramento da actividade das empresas: os direitos de propriedade, a estabilidade política e social, a ausência (ou, pelo menos, um nível não muito elevado) de corrupção, a qualidade do sistema de ensino e investigação, a dotação de infra-estruturas públicas, o bom funcionamento, em geral, das instituições, e para o que aqui mais nos interessa, a natureza da ordem económica internacional (grau de barreiras ao comércio; regulação monetária e financeira). Com efeito, o carácter mais ou menos propício das relações económicas internacionais reflectiu-se na performance de crescimento da economia mundial ao longo do século XX (ver primeira tabela da página anterior). As fases de maior crescimento correspondem a períodos de maior abertura ao comércio e de regulação monetária e financeira eficaz (período anterior à Primeira Guerra Mundial; “idade de ouro” do crescimento nas três décadas e meia posteriores à Segunda Guerra). A fase de proteccionismo e egoísmos nacionais entre as guerras correspondeu o mais fraco crescimento.
Convergência e divergência Por convergência (real) entende-se o processo de nivelamento dos níveis de produto per capita (PIBpc) ou da produtividade do trabalho entre países e regiões. Este processo pode ser visto numa dupla perspectiva: de diminuição de uma qualquer medida de dispersão (o coeficiente de variação, por exemplo) da amostra dos níveis de PIBpc em causa (convergência enquanto homogeneização); de aproximação dos níveis de PIBpc dos países seguidores ao do país líder tecnológico, os EUA (convergência enquanto catchingup). Do que se trata é pois de comparar países, e para o fazer é necessário ter alguns cuidados metodológicos no tratamento estatístico dos diferentes valores do PIB: usar uma moeda comum (o dólar americano), a preços de um determinado ano (deflacionar as séries), em paridades de poder de compra (ter em conta os diferentes poderes aquisitivos das moedas, ou seja, os diferentes níveis de custo de vida, que reflectem em particular diferenças significativas no preço dos serviços). De acordo com a teoria económica tradicional, como já se disse, é de esperar que o processo de crescimento e globalização produza uma tendência para a convergência entre economias ricas e pobres: o efeito das vantagens comparativas do comércio externo, num contexto de disponibilidade pública (sem custos) da tecnologia e rendimentos marginais decrescentes na acumulação de factores (capital físico e capital humano), faz com que a taxa de crescimento da produtividade seja maior nos países com menor intensidade capitalística (quantidade de capital por unidade de trabalho). Em contraponto, os desenvolvimentos mais recentes da teoria do comércio internacional e da teoria do crescimento (os modelos de crescimento endógeno), ao colocarem o acento tónico no carácter dinâmico das vantagens competitivas, num contexto de rendimentos crescentes (externalidades positivas na acumulação de factores, sobretudo o conhecimento e as ideias), e de tecnologia não inteiramente pública (por exemplo, protecção através de um sistema de patentes), aponta no sentido de uma divergência crescente entre economias (países ou regiões) ricas e pobres. Esta é a chamada “controvérsia teórica da convergência”, que se reflecte na análise empírica do fenómeno. Se pegarmos numa amostra relativamente pequena de economias bem sucedidas nas últimas quatro ou cinco décadas (OCDE e alguns Novos Países Industrializados da Ásia), verificamos que existe convergência no duplo sentido referido, de homogeneização e de aproximação ao líder, EUA (ver infografia). No entanto, se considerarmos uma amostra alargada de países, a tendência é para uma clara divergência entre ricos e pobres. Este facto é normalmente constatado na ausência de correlação negativa entre taxa de crescimento de um país e nível inicial de que esse país parte (ver infografia). Mostra-se assim que não é necessariamente condição de sucesso automático de um país a mera disponibilidade de uma “vantagem pelo atraso relativo”, ou seja, o enorme potencial de crescimento por imitação de tecnologias e modelos alheios, num contexto de crescente globalização. Há outros requisitos indispensáveis, que se podem identificar através das chamadas causas directas e indirectas do crescimento (ver informação complementar). A ausência destes requisitos está na base da maior parte dos bloqueios ao desenvolvimento das economias do Terceiro Mundo, com graves consequência para os níveis de vida, educação, saúde e bem-estar de largas centenas de milhões de pessoas.
Informação complementar Globalização e desenvolvimento: oportunidades e desafios A globalização tem até agora beneficiado essencialmente os países mais desenvolvidos. No entanto, as suas vantagens podem estender-se aos PVD. A diminuição das barreiras ao comércio permitem explorar economias de escala inacessíveis em mercados de reduzida dimensão e despoletar um processo de crescimento orientado para as exportações. Associado a este crescimento está a criação de riqueza, factor decisivo para o aumento dos níveis de bem-estar. Outro benefício da globalização é o acesso a uma extensa gama de bens de consumo, novas tecnologias e conhecimento. É hoje relativamente consensual que a imitação de ideias e a adopção das melhores práticas aos diversos níveis da actividade económica é uma condição essencial de sucesso. O investimento directo estrangeiro tem neste contexto um papel decisivo. No entanto, o aproveitamento destas oportunidades coloca alguns desafios aos países em desenvolvimento. Para além dos factores de natureza quantitativa essenciais ao crescimento (acumulação de factores, particularmente capital físico, capital humano e infra-estruturas), é essencial conseguir-se um enquadramento favorável à criação de riqueza: um quadro macroeconómico sem grandes desequilíbrios (ao nível da inflação, contas públicas e contas externas), um bom funcionamento dos mercados (concorrência e sistema adequado de incentivos), um grau aceitável de coesão social (repartição de rendimentos mais equitativa) e, em geral, um bom desempenho das diversas instituições (sistema político, justiça, administração pública, educação, saúde, sistema monetário e financeiro). A estes requisitos internos, normalmente designados “capacidades sociais” devem juntar-se o reforço das ajudas ao desenvolvimento, e sobretudo, uma profunda reformulação das instituições internacionais. Só assim se poderão enfrentar com êxito as dificuldades colocadas pelo processo de globalização em curso: incerteza económica associada aos efeitos de graves crises financeiras ou a fases de retracção da procura internacional; diminuição da capacidade da política macroeconómica em responder a este tipo de choques; perturbação social, decorrente de uma penalização das actividades e sectores em declínio, das empresas menos competitivas e dos trabalhadores menos qualificados.* João Carlos Lopes Doutorado em Economia. Docente no ISEG. Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Crescimento económico e comércio internacional Países desenvolvidos - um clube de "convergência virtuosa" Produtividade do trabalho em 105 países
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