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Timor entre a Ásia e o Pacífico

Carlos Gaspar *

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Arnold Toynbee, ao sobrevoar, a partir de Darwin, a fronteira entre o impérioportuguês e a república da Indonésia em Timor, reconheceu estar a atravessaruma linha de divisão cultural, separando duas civilizações — o velho e o novomundo, a Ásia e a Austrália.

A definição de Timor Leste como uma fronteira entre Estados, impérios e civilizações resume a sua história no século XX, durante o qual o estatuto político da antiga colónia portuguesa foi sucessivamente posto em causa. Desde a Grande Guerra, a pretexto do risco de ocupação alemã, a Austrália admitiu apropriar-se da meia-ilha, sem conseguir forçar a retirada de Portugal. Durante a II Guerra Mundial, em finais de 1941, Timor foi efectivamente ocupado, primeiro pelas tropas aliadas holandesas e australianas e logo a seguir pelo Japão, que transformou o território na fronteira estratégica entre os seus domínios — a Grande Esfera de Co-Prosperidade da Ásia Oriental — e a Austrália. Na sequência dessa demonstração do valor crucial de Timor para a sua defesa, a Austrália, no fim da guerra, voltou a pôr à prova a soberania portuguesa, mais uma vez sem sucesso. Trinta anos depois, num momento crítico da guerra fria, a Indonésia invadiu e anexou Timor Leste como a mais oriental — Timor Timur — das suas províncias, restaurando, desse modo, uma fronteira asiática com a Austrália no mar de Timor, contestada por Portugal, como potência administrante do território.

Na viragem do século, tudo voltou a mudar, com a retirada da Indonésia, a intervenção de uma força militar internacional comandada pela Austrália e a instalação de uma administração das Nações Unidas, com mandato para preparar a transição para a independência de Timor Leste.

O futuro Estado timorense terá a responsabilidade de definir as políticas externas que possam ultrapassar a instabilidade recorrente que marcou a história e a geografia timorense nos últimos cem anos. A sobrevivência política e a soberania de Timor Leste dependem da qualidade dessas políticas, as quais são, por um lado, inseparáveis da estabilidade e da coesão política interna e, por outro lado, dependentes de uma resposta consistente do primeiro novo Estado do século XXI aos condicionamentos externos da sua posição internacional entre a Indonésia e a Austrália, entre a Ásia Oriental e o Pacífico, entre o velho e o novo mundo.

 

O lugar das políticas externas

Se as políticas externas são um instrumento crucial dos Estados para garantir a sua autonomia internacional, nem por isso deixam de ser o lugar electivo da interacção entre as dimensões internas e externas e, nesse sentido, não se podem separar das políticas internas.

No passado, os factores internos foram relevantes e, por vezes, decisivos, para as variações do estatuto político internacional de Timor Leste.

A negligência benigna da administração colonial portuguesa, bem como a ausência de uma capacidade militar com credibilidade mínima para defender o território, estimularam as tentações australianas e impediram qualquer resistência quer à intervenção aliada, quer à invasão japonesa. Do mesmo modo, a incapacidade portuguesa para controlar o processo de descolonização, somada à divisão fratricida das forças políticas timorenses, levou à guerra civil que abriu o caminho à intervenção militar da Indonésia, em Dezembro de 1975, e à subsequente anexação do território. Finalmente, a ilegitimidade do domínio e a ilegalidade da ocupação indonésia acabaram por impor a sua retirada de Timor Leste, selada no referendum de Agosto de 1999 pela expressão democrática da vontade inequívoca dos timorenses, que preferiram a independência a continuar integrados na República da Indonésia.

A extrema vulnerabilidade externa de Timor reclama um Estado forte, com instituições políticas democráticas, legítimas e estáveis, imunes à penetração de forças externas e com condições para unir os timorenses e contratualizar a pluralidade dos seus interesses. Do mesmo modo, o equilíbrio entre o Estado, a Igreja Católica e as Forças de Defesa parece indispensável para sustentar a coesão interna, bem como para consolidar uma identidade nacional timorense.

A decisão anunciada sobre a língua portuguesa como uma língua oficial do futuro Estado é um contributo importante nesse sentido, marcando a fronteira linguística entre Timor Leste e os Estados contíguos.

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A posição internacional de Timor Leste

A questão mais interessante na feitura das políticas externas de Timor Leste é definir a sua posição internacional e, mais precisamente, a sua filiação regional, dada a força crescente das tendências de regionalização na política internacional do pós-guerra fria.

Trata-se de uma questão crucial, para consolidar o estatuto político e estabilizar a identidade internacional de Timor Leste, inseparável da sua integração nas instituições multilaterais regionais, determinante para um Estado na fronteira entre a Ásia do Sudeste e o Pacífico, duas regiões internacionais — as duas únicas — cujos Estados pertencem todos, sem excepção, respectivamente à Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e ao Fórum das Ilhas do Pacífico. Nenhum faz parte de ambas e a escolha por uma ou por outra imprime uma marca identitária, que distingue os Estados asiáticos dos Estados do Pacífico.

Pela história e pela geografia, Timor Leste pertence à Ásia Oriental. O mapa situa a ilha no prolongamento das Sundas menores e no limite do grande arquipélago indonésio, bem dentro da “pegada” geográfica da Ásia do Sudeste. Pelo lado da história, Timor nunca esteve ligado ao Pacífico. Portugal não fez parte da Comissão do Pacífico Sul, formada pelas potências ocidentais com territórios nessa área, e nenhum dos micro-Estados da região, excepto o Vanuatu, se interessou no passado pelo problema timorense.

A única ligação relevante a esse espaço passa pela relação com a Austrália, mas esta não parece querer associar Timor Leste ao Fórum das Ilhas do Pacífico.

Ao contrário, tanto a expansão do império japonês na II Guerra Mundial, como a anexação indonésia, acentuaram a inserção asiática de Timor.

Pelos interesses nacionais, Timor Leste poderia querer ser membro tanto da ASEAN, como do Fórum das Ilhas do Pacífico. Porém, a composição das duas instituições é mutuamente exclusiva. No Fórum, Timor seria um Estado comparativamente importante entre os minúsculos Estados insulares do Pacífico — um dos três, com a Papua Nova-Guiné e as Fidji, cuja população seria superior a meio milhão de habitantes. Paralelamente, essa filiação poderia prolongar uma relação securitária com a Austrália, embora à custa de se tornar uma periferia de uma periferia, relativamente relevante num quadro multilateral regional sem relevância internacional.

Entre os Estados da ASEAN, Timor seria o mais pobre e um dos mais pequenos — o Bornéu tem uma população menor e Singapura um território mais exíguo. Não obstante, seria uma periferia de uma região importante e, no quadro da ASEAN, poderia tirar partido dos princípios de não-interferência e de respeito pela integridade territorial e pela independência dos Estados membros, a melhor garantia disponível para a segurança timorense perante a Indonésia.

Pelos imperativos estratégicos, a escolha torna-se ainda mais difícil. A história timorense demonstra os perigos da sua posição como um território isolado na fronteira entre dois espaços regionais e entre as duas principais potências da Ásia do Sudeste e do Pacifíco.

Nos últimos vinte e cinco anos, Timor Leste representou um factor recorrente de perturbação das relações entre a Indonésia e a Austrália, na origem de mudanças significativas nas suas políticas externas.

O reconhecimento australiano da anexação indonésia assinalou a prioridade da “asianização” na orientação estratégica da Austrália, a retirada da Indonésia e o referendum de 1999 estiveram no centro da ruptura da quase-aliança entre as duas potências regionais.

O problema parece evidente: para ultrapassar os riscos de instabilidade nessa fronteira entre a Ásia e o Pacífico é indispensável encontrar uma fórmula de integração institucional e de alianças regionais que possa, por um lado, neutralizar a questão timorense como um perturbador das relações entre a Indonésia e a Austrália e, por outro lado, conter a interferência das duas grandes potências regionais em Timor Leste. Se essa fórmula for imposta pela Austrália ou pela Indonésia, ou por ambas, o novo Estado ficará submetido a uma tutela externa; se, pelo contrário, resultar de uma política timorense, a sua independência poderá prevalecer.

 

Os dilemas da política externa

O contexto estratégico da posição internacional de Timor Leste aponta para escolhas impossíveis para um novo e muito pequeno Estado, que não dispõe, obviamente, das condições mínimas indispensáveis para garantir, por si mesmo, a sua segurança externa.

Idealmente, a independência timorense podia ser permanentemente garantida pelas Nações Unidas ou, ainda melhor, por um protector externo, como os Estados Unidos. Como nenhuma dessas possibilidades é seriamente considerada, o futuro Estado, sem mais, tenderá a ser ou dependente da Indonésia, ou da Austrália, ou mesmo de ambas, se as duas potências se entenderem num regime de condomínio sobre Timor Leste.

Perante esse quadro, para assegurar a sua independência o novo Estado deve procurar tornar-se imune aos jogos de competição e aliança entre a Austrália e a Indonésia. Como não pode ter uma política de isolamento, nem impor autonomamente a sua neutralidade, o Estado timorense, para anular o padrão de interferência das duas potências regionais no seu território, tem de estar, simultaneamente, de ambos os lados, para nenhum deles dominar Timor Leste.

Essa regra pode traduzir-se numa combinação entre alinhamentos multilaterais e alianças bilaterais, dentro e fora do contexto interregional que caracteriza a posição de Timor Leste na linha de demarcação entre a Ásia e o Pacifico. Se o futuro Estado conseguir ser membro da ASEAN, sem prescindir de um acordo de defesa com a Austrália, talvez possa estabilizar a sua posição como um aliado asiático da Indonésia e um aliado democrático da Austrália. Para essa fórmula ter uma credibilidade razoável, Timor Leste não deve ficar refém dessa dupla aliança e tem de alargar a sua inserção regional e internacional. Por um lado, pode construir, desde o período de transição, uma aliança securitária com o Japão — uma das duas grandes potências da Ásia Oriental e o principal aliado regional dos Estados Unidos — e, por outro lado, consolidar a sua ligação com Portugal e com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, importantes para fortalecer a sua identidade singular na comunidade asiática.

As alternativas para a sobrevivência de Timor Leste como uma entidade política separada são ou reproduzir o modelo da Papua Nova-Guiné, ou depender de uma dupla garantia da Austrália e da Indonésia como fiadores da sua independência.

Existem sinais num e noutro sentido. O empenho da Austrália da intervenção militar internacional em Setembro de 1999 e, posteriormente, na força de manutenção de paz das Nações Unidas podem antecipar uma vontade de garantir, mesmo unilateralmente, a estabilidade da fronteira estratégica terrestre com a Indonésia em Timor Leste, tal como se passa no caso da Papua Nova-Guiné. Paralelamente, a proposta indonésia de constituição do Fórum do Pacífico Ocidental aponta no sentido de uma tutela conjunta e assenta numa simetria entre Timor Leste e a Papua Nova-Guiné, ambos convidados a pertencer ao novo Fórum interregional, ao lado da Indonésia e da Austrália: as duas potências regionais garantiriam, concertadamente, os dois perturbadores situados na demarcação estratégica entre a Ásia e o Pacífico.

Nenhuma dessas alternativas é inevitável e nenhuma está inscrita na história ou na geografia. A comunidade timorense formou a sua identidade nacional na resistência contra realidades tidas por irreversíveis e pode voltar a surpreender os mais pessimistas.

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* Carlos Gaspar

Professor Associado Convidado do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Lusíada.

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