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Questões de defesa e segurança no futuro país

Mário Lemos Pires *

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Em 30 de Agosto de 1999, quando os timorenses optaram, em referendo, pela independênciae saída da Indonésia, os militares indonésios e as suas milícias agrediram eexpulsaram o povo timorense e destruíram o seu património estrutural. A ONU,presente no território mas desarmada, foi obrigada a retirar e apenas conseguiuregressar com a entrada em Timor Leste da INTERFET, a força multinacional lideradapela Austrália e legitimada pelo Conselho de Segurança da ONU.

A INTERFET conseguiu o controlo do território, a saída das forças indonésias e das suas milícias e estabeleceu um clima de segurança, embora vigiada. Em 23 de Fevereiro de 2000, após coordenada e lenta transição, a INTERFET transferiu as suas responsabilidades para as Forças de Manutenção da Paz (FMP) da UNTAET (ONU), em grande parte constituídas por forças vindas da INTERFET. A nova força, que permanece no território em 2001, tinha no início deste ano perto de 8.000 militares, para além de mais de 1.000 efectivos policiais e de 100 observadores militares desarmados. O dispositivo da força militar (expresso no mapa anexo), conta com a participação de militares de 25 países, sendo os mais expressivos (números arredondados) a Austrália (1600), Portugal (900), Paquistão (770), Jordânia (720), Tailândia (710), Filipinas (610), Bangladesh (540) e Coreia do Sul (440).

A questão que se levanta é como poderá, no futuro, o pequeno Estado de Timor Leste garantir a sua segurança e defesa.

 

Uma posição de charneira

A região geoestratégica onde se insere Timor Leste (SE Asiático/Oceania), tem presentemente quatro actores principais no âmbito da segurança e defesa:

• a Indonésia, do anterior a potência regional mas agora a braços com graves problemas de estabilidade interna;

• a Austrália, que aproveitou a fragilidade indonésia e o processo de Timor Leste para se afirmar como potência regional;

• os EUA, a única superpotência mundial em exercício, que no Pacífico é a única com capacidade de projecção militar para a região;

• e a ONU, presente administrativa e militarmente no exercício da tutela de Timor Leste.

A região tornou-se instável por razões do processo interno indonésio e da internacionalização da questão timorense. Neste quadro, o futuro Estado de Timor Leste nasce com um grau de importância, novidade, preocupação e visibilidade sobrevalorizadas face à sua dimensão e poder.

As razões desta importância acrescida de Timor Leste resultaram de o seu nascimento como Estado ter consigo a presença da ONU, do elevado grau de incerteza quanto ao seu futuro comportamento e, em particular, da sua posição de charneira nos diversos campos, agora muito mais evidenciada:

• no geográfico, entre a Indonésia e a Austrália, o Sudeste Asiático e a Oceania, o Pacífico e o Índico;

• no político, entre duas potências regionais, a Indonésia e a Austrália e duas organizações regionais, ASEAN e ANZUS;

• no cultural, entre o mundo oriental e o ocidental;

• no religioso, entre muçulmanos e cristãos.

Os Estados vizinhos estarão de olhos postos em Timor Leste, preocupados com o que pode fazer e prontos a intervir se o seu comportamento prejudicar os seus interesses ou favorecer outros. O cenário da interferência e invasão indonésia em Dezembro de 1975 pesa, assim, no planeamento da segurança e defesa do novo Estado.

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Ameaças, vulnerabilidades e potencialidades

Os objectivos permanentes de segurança e defesa de Timor Leste serão semelhantes aos dos outros Estados, orientados para a garantia da independência, a integridade territorial, a salvaguarda da liberdade e segurança das populações e património, a liberdade de acção dos órgãos de soberania e o regular funcionamento das instituições e tarefas do Estado.

As ameaças que se perfilam para o novo Estado de Timor Leste estão sintetizadas no destaque desta página.

Das vulnerabilidades com maior impacte para a organização da defesa, refere-se em especial:

• a dimensão e natureza da população e recursos de Timor Leste que, por muito limitados, prefiguram Timor Leste como uma “potência exígua”;

• a natureza insular, de meia-ilha, com fronteira terrestre permeável, um enclave no Timor Ocidental, uma pequena ilha destacada (Ataúro), um grande espaço aeronaval (onde se situa a exploração do petróleo), tudo isto a dificultar o controlo e segurança das fronteiras e o exercício da soberania no seu espaço de responsabilidade;

• a existência de uma parcela da população que se mantém favorável à integração na Indonésia, parte dela residente (voluntária ou forçada) na Indonésia e com apoios naquele país.

Em contrapartida, relevam-se duas potencialidades:

• a possibilidade de, a médio prazo, Timor Leste dispor de receitas de vulto resultantes da produção de petróleo e gás natural;

• a coesão e identidade existentes no povo de Timor Leste, consolidadas na resistência, bem como uma apreciável maturidade política.

 

Opções de segurança e defesa

O quadro estratégico regional é dominado pela presença dos dois poderosos vizinhos, a Indonésia e a Austrália, que têm relações tensas que também se prendem com o processo de libertação de Timor Leste. As forças militares destes países têm dimensões distintas, com relevo para os efectivos indonésios (activo 297.000 e reserva 400.000 face a 50.000 e 20.000 australianos (Military Balance 2001) mas com um desnível técnico e operacional favorável às forças australianas, do que resulta uma capacidade dissuasória recíproca.

As grandes organizações regionais, a ASEAN e a APEC, não estão especialmente vocacionadas para as questões de segurança nem de defesa colectiva.

O Conselho do Pacífico — ANZUS — criado em 1951 entre a Austrália, a Nova Zelândia e os EUA, orientado para estudos da defesa do Pacífico, tem agora uma existência meramente virtual. No entanto, o ASEAN Regional Forum debate assuntos de segurança e promove o desenvolvimento da diplomacia preventiva.

Neste quadro, o vulnerável e frágil Estado de Timor Leste terá de procurar apoios e alianças para garantir a sua defesa e fazê-lo sem comprometer a sua soberania.

A solução mais segura e de continuidade é a permanência da ONU após a independência, a pedido de Timor Leste, em condições e tempo a acordar.

O processo será de passagem progressiva das responsabilidades da ONU para Timor Leste, mas é difícil perspectivar capacidades de Timor Leste para assumir em pleno estas funções e por quanto tempo mais se disponibilizará a ONU.

Assim, a perspectiva aponta para a necessidade de futuras alianças e/ou acordos de cooperação para garantir capacidades operacionais (terrestres, marítimas e aéreas) que Timor Leste não terá tão cedo ou nunca terá; prováveis apoios poderão vir dos vizinhos, em particular e mais imediato da Austrália que tem mostrado grande disponibilidade, mas envolvem grandes riscos de perda de soberania e de dependência. Estes riscos podem ser minimizados recorrendo de preferência a apoios multilaterais, em que Portugal tem lugar privilegiado e a ONU é uma presença desejada.

Paralelamente, Timor Leste pode e deve desenvolver uma diplomacia preventiva, com prioridade junto da ONU, dos países vizinhos, das organizações regionais e, mais longe, junto da UE e da CPLP, aproveitando os bons ofícios de Portugal.

Muito importante, também, é a segurança interna que ficará, após a independência, sob a responsabilidade exclusiva de Timor Leste, num quadro político perturbado e com pressões externas e com instrumentos jurídico-administrativos incipientes e forças policiais exíguas. Neste quadro é previsível o recurso aos meios militares timorenses, uma opção de grande sensibilidade política, militar e de imagem externa.

No ano de 2001, ainda sob tutela da UNTAET mas com o consenso dos políticos timorenses, começaram a ser organizadas as futuras Forças de Defesa de Timor Leste (FDTL) (ver informação complementar).

A sua exiguidade marcante em meios humanos e materiais, em particular face aos vizinhos, reforça o quadro de apreensões que envolve a segurança e defesa do novo Estado.

 

Informação complementar

Ameaças a Timor Leste

Ameaças Internas:

Acções subversivas contra a coesão e identidade nacional, com ou sem apoio internacional;

Acções de terrorismo ou guerrilha por movimentos contra a ordem constitucional, com ou sem apoio internacional;

Acções de crime organizado como tráfico de drogas e armas, pirataria, extorsão e outros, com ou sem ligação transnacional.

 

Ameaças Externas:

Acções militares para forçar ou controlar o poder político legítimo, invocando razões de segurança regional;

Violação de fronteiras e utilização abusiva do espaço estratégico de responsabilidade de TL;

Acções de guerrilha, por infiltração, para destabilização interna ou apoio de movimentos ou grupos internos.

 

As Forças de Defesa de Timor Leste (FDTL)

A criação oficial das FDTL teve lugar no dia 1 de Fevereiro de 2001, em Aileu, perante formatura geral das FALINTIL que, nessa data, se extinguiram para dar lugar à nova força de que constituem o núcleo inicial.

Na fase da transição para a independência, as FDTL dependem da UNTAET através do seu comandante Taur Matan Ruak, o antigo comandante das FALINTIL que, na data, foi promovido a brigadeiro-general e empossado no novo cargo.

A estruturação das FDTL, decidida pela UNTAET com base num estudo do King´s College de Londres e numa proposta do CNRT debatida no seu Congresso de Agosto de 2000, tem por referência um estatuto administrativo-jurídico definido pela UNTAET para a força e seus elementos. Para os assuntos de defesa de Timor foi entretanto criado, na UNTAET, um gabinete chefiado pelo timorense Dr. Roque Rodrigues.

 

A missão atribuída pela UNTAET às FDTL consiste em:

- Providenciar a defesa militar de Timor Leste, do seu povo e do seu território;

- Providenciar apoio à comunidade civil, a pedido das autoridades civis, em ocasiões de desastres naturais e outras emergências.

 

A configuração, por agora adoptada, é muito simples:

- Um comando único, conjunto;

- Uma componente de Forças Regulares, na base de dois batalhões de infantaria com armamento e equipamento ligeiro e uma pequena componente naval;

- Uma componente de Forças de Reserva com dois batalhões de reservistas;

- Um centro de instrução;

- Uma base logística;

- Uma pequena base naval.

Os dois batalhões das Forças Regulares, cuja instrução é da responsabilidade primária da cooperação técnico-militar de Portugal e da Austrália, deverão estar operacionais antes do final de 2001 para constituir a força militar inicial do novo Estado de Timor Leste.

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* Mário Lemos Pires

Major-General do Exército. Secretário Geral do EuroDefense Portugal. Membro do Centro de Estudos Estratégicos do IAEM. Colaborador do Jornal de Notícias. Ex-governador de Timor.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Dispositivo da força de manutenção de paz (FMP) da UNTAET em 2001

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