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A diáspora timorense

Inês Costa Pessoa *

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Apesar das incertezas quanto ao número de timorenses residentes fora de Timor Leste, estima-se que desde a ocupação indonésia em 1975 cerca de 10.000 tenham dado entrada em Portugal e mais de 20.000 na Austrália (3.849 em 1981 e à volta de 15.0001 em meados de 90), para não falar dos muitos espalhados por diversas cidades indonésias (designadamente jovens, estudantes universitários), nem nos 80-100.000 que permanecem nos campos de refugiados de Timor Ocidental.

O recenseamento realizado pela UNTAET para o referendo de 30 de Agosto de 1999 (dados apresentados por José Júlio Pereira Gomes nesta publicação) fornece-nos uma percepção da dimensão das comunidades timorenses espalhadas no mundo, mesmo sendo um indicador insuficiente, já que apenas congrega indivíduos com idade superior a 18 anos: na Austrália foram recenseados mais de 7.000; na Indonésia 3.800; em Portugal (Lisboa) aproximadamente 2.200; em Macau quase 150; Moçambique (Maputo) perto de 50, nos EUA (Nova Iorque) 13. Encontram-se também timorenses no Reino Unido (a maioria estudantes), na Irlanda, Brasil, África do Sul, Nova Zelândia, Singapura, Filipinas, Tailândia, Hong-Kong e Malásia.

 

Os dois principais países receptores

Do conjunto de sociedades de acolhimento, Portugal e Austrália constituíram destinos preferenciais para os timorenses que optaram, ou melhor, viram-se constrangidos a abandonar a sua pátria sob pena de enfrentar as mais precárias condições de vida em termos materiais, físicos e psicológicos, ou padecer numa região assolada por conflitos armados há mais de vinte e cinco anos. Se a atracção pela Austrália decorreu em muito da proximidade geográfica, Portugal, a despeito dos 14.500 mil km que o separam de Timor Leste, não deixou de apresentar-se como uma alternativa plausível — em particular para os detentores de vínculos familiares, de sociabilidade ou simbólico-culturais com o país — dadas as facilidades de entrada no mesmo.

Distingam-se, no entanto, as migrações voluntárias que precederam o ano de 1974 e as saídas “forçadas”, proeminentes no período subsequente, derivadas de uma conjuntura de acentuada instabilidade político-social gerada pelo processo de descolonização português, agravada com o início da guerra civil no território (Agosto de 1975), seguida da invasão indonésia em Dezembro desse mesmo ano.

Por se tratar de distintas modalidades migratórias o perfil dos agentes implicados sofreu igualmente alterações. Enquanto Timor esteve sob domínio político português não há registos assinaláveis de fluxos centrífugos e as deslocações para a “metrópole”, pouco volumosas, apresentavam um carácter algo homogéneo: dos timorenses recém-chegados constavam sobretudo jovens do sexo masculino integrados na elite letrada, política ou social de Timor Leste ou com ela relacionados; a partida, quase sempre isolada, justificava-se, em especial, por propósitos laborais ou de formação académica (de nível médio ou superior).

Na segunda metade da década de 70 multiplicam-se as saídas de Timor com destino a Portugal —  com ou sem apoio institucional —  destacando-se a componente familiar destes itinerários, não obstante a chegada de jovens isolados.

As medidas restritivas impostas, entre finais dos anos 70 e princípios de 80, por uma política indonésia adversa à emigração esmoreceu os fluxos e empurrou muitos timorenses para a clandestinidade, tendência que somente veio a inverter-se quando em 1982 o programa de reagrupamento familiar acordado entre Portugal e a Austrália, aceite pelo Governo Indonésio e executado pela Cruz Vermelha Internacional, conferiu novo ímpeto às deslocações.

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A comunidade timorense instalada no país começou então a adensar-se, tornando-se mais diversificada em termos sociodemográficos. Acontecimentos como o massacre de Santa Cruz em 1991 e mais recentemente as conturbações políticas, sociais e económicas desencadeadas pelo resultado do referendo em 1999 forçaram um elevado número de timorenses a encontrar guarida noutro país até a situação na sua pátria se estabilizar. Alguns, como os representantes masculinos da juventude estudantil timorense, procuraram asilo em embaixadas estrangeiras para daí serem transferidos para Portugal.

Motivos políticos, sociais, económicos e de sobrevivência permaneceram na base deste conjunto de movimentos. Sobretudo estratégicos, sendo que a perspectiva de despertar consciências adormecidas, congregar apoios civis e políticos, mobilizar sinergias a nível nacional e internacional para a causa de Timor Leste, bem como exercer pressão junto dos organismos influentes afigurava-se mais eficaz à distância do que no local.

Portugal e Austrália figuraram e figuram no presente, para muitos timorenses, como portos de abrigo provisórios até o regresso a Timor Leste poder concretizar-se, desejo afectado pelo tempo de permanência e níveis de integração nesses países (as probabilidades de partir decrescem para os instalados há mais tempo e já enraizados). Segundo Telma Viegas, a entrada nas fronteiras portuguesas serviu também de  plataforma de passagem para quem visava, antes do regresso à pátria, acercar-se  a curto ou médio prazo do terreno australiano; daí que a partir de 1977 a triangulação Timor-Portugal-Austrália tenha ganho vigor.

Quanto à Austrália e de acordo com Wise, é em Sydney que a comunidade timorense está mais representada (concentra cerca de 1⁄3 da população), seguindo-se Melbourne (Victoria), depois Darwin e Perth e ainda Brisbane com menor peso. Do total dos residentes em Sydney no ano de 1991, 53% tinham idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos; 20% entre os 45 e os 64; 4,5% com mais de 65. Os níveis escolares frequentados eram extremamente baixos (88,6% não possuía mais do que a escolaridade obrigatória) e no domínio profissional, destacavam-se as profissões de média ou escassa qualificação. A taxa de desemprego no interior da comunidade rondava os 23%.

 

Comunidade timorense em Portugal

Segundo a ETRA (East Timor Relief Association), de 1975 até 1999 passaram por Portugal cerca de 10.000 timorenses.

A rotatividade distingue-se como propriedade singular de um agregado em permanente reciclagem, dada a chegada de novos representantes e a partida dos já instalados rumo a Timor Leste ou outros destinos. Em todo o caso, o somatório de timorenses residentes no país tem-se mostrado estável ao longo dos tempos, oscilando num intervalo balizado pelas 1500 e as 2000, 2500 presenças. 1773 é o valor registado pelo recenseamento levado a cabo pelo CCT (Centro para a Cidadania Timorense) e cujo relatório, apresentado em Março de 2000, nos permite conhecer em linhas gerais o perfil de timorenses residentes em Portugal em 1999 (os resultados abrangeram 76,4% dos indivíduos recenseados).

Não tendo sido registadas discrepâncias significativas em termos de género (538 mulheres e 566 homens com idade superior a 16 anos), relativamente à composição etária sobressaiu a predominância jovem.

Do total, um terço dos inquiridos estuda e quase metade encontra-se no activo. Destaque-se a realização de cursos de formação profissional por 36% dos interpelados (alguns possuem mais do que um em distintas áreas), registo que indicia a valorização de vertentes profissionalizantes e especializadas, bem como o desejo de incrementar o nível de conhecimentos num curto espaço de tempo (dos domínios privilegiados destaque-se a informática e electrónica; línguas; construção civil; comunicação e administração).

Debruçando-nos em torno da distribuição geográfica pelo país observa-se uma concentração inequívoca (já antes notada por Viegas) na região de Lisboa e Vale do Tejo. Quanto aos períodos de emigração para Portugal confirma-se o que acima assinalámos: 8% dos inquiridos saíram de Timor Leste antes de 1974 e os restantes fizeram-no nos anos seguintes, sobretudo na fase que mediou a guerra civil e a invasão indonésia, por um lado, e os Acordos de Nova Iorque em 1991, por outro.

Para finalizar, assinale-se que 84% dos timorenses abordados demonstraram intenção de regressar a Timor Leste, 60% dos quais pretende fazê-lo nos próximos cinco anos — a larga maioria (72%) perspectiva instalar-se em Díli, local de habitação anterior à partida para Portugal (para 37%), ou onde a proximidade face aos seus parentes ficará garantida. Tal opção é motivada pela finalidade de reencontrar familiares (75%) ou colaborar na reconstrução do território (23%).

A relativa secundarização deste último propósito face ao primeiro poderá dever-se ao facto de o regresso a Timor ser temporário para 45,6% dos interessados em voltar à sua terra natal (intenção idêntica à dos conterrâneos radicados na Austrália, segundo Wise), resumindo-se provavelmente a visitas de curta ou média duração que não envolverão estes timorenses no desenvolvimento político, socioeconómico do novo país. Num continuum marcado por dois extremos — a instalação irreversível nas sociedades hospedeiras ou o regresso irrevogável a Timor Leste — jogam-se inúmeras possibilidades como as estadias intercaladas em ambas as sociedades ou as deslocações prolongadas à terra natal.

É provável que a hipótese de uma reinstalação definitiva dependa sobremaneira do futuro político do território, da melhoria das condições socioeconómicas vigentes ou de possíveis oportunidades profissionais disponíveis, processo cuja evolução só poderá avaliar-se a longo prazo. Nessa altura dissipar-se-ão as presentes dúvidas sobre um regresso definitivo adiado ou mitificado…

 

Informação complementar

Reconstruir Timor Leste: um desafio aos timorenses regressados 

Se o papel desempenhado pelos timorenses na diáspora foi fundamental na congregação de apoios governamentais e não governamentais para os diversificados problemas enfrentados em Timor Leste, crescem as expectativas em torno daquilo que poderão concretizar no futuro caso regressem à sua pátria. Para além do evidente enriquecimento da identidade timorense — já de si sincrética em virtude da amálgama linguística, religiosa e valorativa que singulariza aquele complexo universo cultural, sincretismo continuamente alimentado através da pluralidade de influências decorrentes da coabitação e interface há muito promovidos entre a população local e os agentes externos presentes (desde a colonização portuguesa, passando pela longa ocupação indonésia, ao mais recente contacto com os representantes da UNTAET, a par de tantos outros) —  espera-se que a participação dos migrantes regressados na complexa tarefa de reconstrução do novo Estado seja acentuada. As qualificações escolares e técnico-profissionais por alguns adquiridas no estrangeiro poderão ajudar a colmatar a aguçada carência de “competências” académicas e laborais sentida no país e canalizar-se para o desenvolvimento do território. O que Timor Leste mais necessita neste momento é de minorar a sua dependência face ao exterior, organizar-se internamente e emancipar-se por meio de uma gestão eficiente e eficaz dos recursos disponíveis. Eficácia que será tanto mais bem conseguida quanto maior o número de agentes envolvidos e empenhados nessa tarefa.

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1 A dificuldade em precisar o número de timorenses radicados na Austrália advém do facto de Timor Leste não figurar nos últimos censos como país de origem, donde os naturais do território são classificados como tendo nascido na Indonésia, aspecto que, como bem salienta Amanda Wise, comporta um significado político evidente por parte do governo australiano quanto ao reconhecimento da soberania Indonésia sobre Timor Leste, posição manifestada até há pouco tempo atrás.

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* Inês Costa Pessoa

Licenciada em Sociologia pela UAL. Investigadora no Observatório de Relações Exteriores e docente na UAL.

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Bibliografia

CCT, Programa para o reforço das competências da comunidade timorense residente em Portugal, Março 2000.

ETRA http://www.etra.zip.com.au

Telma Viegas, Migrações e Associativismo de Migrantes: Estudo do Caso Timorense, ed. Universidade Aberta e Fund. Oriente, Lisboa 1998.

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Dados adicionais
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(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Caracterização da comunidade timorense residente em Portugal

Link em nova janela Caracterização da comunidade timorense residente em Portugal (1999)

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