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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! O recenseamento realizado pela UNTAET para o referendo de 30 de Agosto de 1999 (dados apresentados por José Júlio Pereira Gomes nesta publicação) fornece-nos uma percepção da dimensão das comunidades timorenses espalhadas no mundo, mesmo sendo um indicador insuficiente, já que apenas congrega indivíduos com idade superior a 18 anos: na Austrália foram recenseados mais de 7.000; na Indonésia 3.800; em Portugal (Lisboa) aproximadamente 2.200; em Macau quase 150; Moçambique (Maputo) perto de 50, nos EUA (Nova Iorque) 13. Encontram-se também timorenses no Reino Unido (a maioria estudantes), na Irlanda, Brasil, África do Sul, Nova Zelândia, Singapura, Filipinas, Tailândia, Hong-Kong e Malásia.
Os dois principais países receptores Do conjunto de sociedades de acolhimento, Portugal e Austrália constituíram destinos preferenciais para os timorenses que optaram, ou melhor, viram-se constrangidos a abandonar a sua pátria sob pena de enfrentar as mais precárias condições de vida em termos materiais, físicos e psicológicos, ou padecer numa região assolada por conflitos armados há mais de vinte e cinco anos. Se a atracção pela Austrália decorreu em muito da proximidade geográfica, Portugal, a despeito dos 14.500 mil km que o separam de Timor Leste, não deixou de apresentar-se como uma alternativa plausível — em particular para os detentores de vínculos familiares, de sociabilidade ou simbólico-culturais com o país — dadas as facilidades de entrada no mesmo. Distingam-se, no entanto, as migrações voluntárias que precederam o ano de 1974 e as saídas “forçadas”, proeminentes no período subsequente, derivadas de uma conjuntura de acentuada instabilidade político-social gerada pelo processo de descolonização português, agravada com o início da guerra civil no território (Agosto de 1975), seguida da invasão indonésia em Dezembro desse mesmo ano. Por se tratar de distintas modalidades migratórias o perfil dos agentes implicados sofreu igualmente alterações. Enquanto Timor esteve sob domínio político português não há registos assinaláveis de fluxos centrífugos e as deslocações para a “metrópole”, pouco volumosas, apresentavam um carácter algo homogéneo: dos timorenses recém-chegados constavam sobretudo jovens do sexo masculino integrados na elite letrada, política ou social de Timor Leste ou com ela relacionados; a partida, quase sempre isolada, justificava-se, em especial, por propósitos laborais ou de formação académica (de nível médio ou superior). Na segunda metade da década de 70 multiplicam-se as saídas de Timor com destino a Portugal — com ou sem apoio institucional — destacando-se a componente familiar destes itinerários, não obstante a chegada de jovens isolados. As medidas restritivas impostas, entre finais dos anos 70 e princípios de 80, por uma política indonésia adversa à emigração esmoreceu os fluxos e empurrou muitos timorenses para a clandestinidade, tendência que somente veio a inverter-se quando em 1982 o programa de reagrupamento familiar acordado entre Portugal e a Austrália, aceite pelo Governo Indonésio e executado pela Cruz Vermelha Internacional, conferiu novo ímpeto às deslocações. A comunidade timorense instalada no país começou então a adensar-se, tornando-se mais diversificada em termos sociodemográficos. Acontecimentos como o massacre de Santa Cruz em 1991 e mais recentemente as conturbações políticas, sociais e económicas desencadeadas pelo resultado do referendo em 1999 forçaram um elevado número de timorenses a encontrar guarida noutro país até a situação na sua pátria se estabilizar. Alguns, como os representantes masculinos da juventude estudantil timorense, procuraram asilo em embaixadas estrangeiras para daí serem transferidos para Portugal. Motivos políticos, sociais, económicos e de sobrevivência permaneceram na base deste conjunto de movimentos. Sobretudo estratégicos, sendo que a perspectiva de despertar consciências adormecidas, congregar apoios civis e políticos, mobilizar sinergias a nível nacional e internacional para a causa de Timor Leste, bem como exercer pressão junto dos organismos influentes afigurava-se mais eficaz à distância do que no local. Portugal e Austrália figuraram e figuram no presente, para muitos timorenses, como portos de abrigo provisórios até o regresso a Timor Leste poder concretizar-se, desejo afectado pelo tempo de permanência e níveis de integração nesses países (as probabilidades de partir decrescem para os instalados há mais tempo e já enraizados). Segundo Telma Viegas, a entrada nas fronteiras portuguesas serviu também de plataforma de passagem para quem visava, antes do regresso à pátria, acercar-se a curto ou médio prazo do terreno australiano; daí que a partir de 1977 a triangulação Timor-Portugal-Austrália tenha ganho vigor. Quanto à Austrália e de acordo com Wise, é em Sydney que a comunidade timorense está mais representada (concentra cerca de 1⁄3 da população), seguindo-se Melbourne (Victoria), depois Darwin e Perth e ainda Brisbane com menor peso. Do total dos residentes em Sydney no ano de 1991, 53% tinham idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos; 20% entre os 45 e os 64; 4,5% com mais de 65. Os níveis escolares frequentados eram extremamente baixos (88,6% não possuía mais do que a escolaridade obrigatória) e no domínio profissional, destacavam-se as profissões de média ou escassa qualificação. A taxa de desemprego no interior da comunidade rondava os 23%.
Comunidade timorense em Portugal Segundo a ETRA (East Timor Relief Association), de 1975 até 1999 passaram por Portugal cerca de 10.000 timorenses. A rotatividade distingue-se como propriedade singular de um agregado em permanente reciclagem, dada a chegada de novos representantes e a partida dos já instalados rumo a Timor Leste ou outros destinos. Em todo o caso, o somatório de timorenses residentes no país tem-se mostrado estável ao longo dos tempos, oscilando num intervalo balizado pelas 1500 e as 2000, 2500 presenças. 1773 é o valor registado pelo recenseamento levado a cabo pelo CCT (Centro para a Cidadania Timorense) e cujo relatório, apresentado em Março de 2000, nos permite conhecer em linhas gerais o perfil de timorenses residentes em Portugal em 1999 (os resultados abrangeram 76,4% dos indivíduos recenseados). Não tendo sido registadas discrepâncias significativas em termos de género (538 mulheres e 566 homens com idade superior a 16 anos), relativamente à composição etária sobressaiu a predominância jovem. Do total, um terço dos inquiridos estuda e quase metade encontra-se no activo. Destaque-se a realização de cursos de formação profissional por 36% dos interpelados (alguns possuem mais do que um em distintas áreas), registo que indicia a valorização de vertentes profissionalizantes e especializadas, bem como o desejo de incrementar o nível de conhecimentos num curto espaço de tempo (dos domínios privilegiados destaque-se a informática e electrónica; línguas; construção civil; comunicação e administração). Debruçando-nos em torno da distribuição geográfica pelo país observa-se uma concentração inequívoca (já antes notada por Viegas) na região de Lisboa e Vale do Tejo. Quanto aos períodos de emigração para Portugal confirma-se o que acima assinalámos: 8% dos inquiridos saíram de Timor Leste antes de 1974 e os restantes fizeram-no nos anos seguintes, sobretudo na fase que mediou a guerra civil e a invasão indonésia, por um lado, e os Acordos de Nova Iorque em 1991, por outro. Para finalizar, assinale-se que 84% dos timorenses abordados demonstraram intenção de regressar a Timor Leste, 60% dos quais pretende fazê-lo nos próximos cinco anos — a larga maioria (72%) perspectiva instalar-se em Díli, local de habitação anterior à partida para Portugal (para 37%), ou onde a proximidade face aos seus parentes ficará garantida. Tal opção é motivada pela finalidade de reencontrar familiares (75%) ou colaborar na reconstrução do território (23%). A relativa secundarização deste último propósito face ao primeiro poderá dever-se ao facto de o regresso a Timor ser temporário para 45,6% dos interessados em voltar à sua terra natal (intenção idêntica à dos conterrâneos radicados na Austrália, segundo Wise), resumindo-se provavelmente a visitas de curta ou média duração que não envolverão estes timorenses no desenvolvimento político, socioeconómico do novo país. Num continuum marcado por dois extremos — a instalação irreversível nas sociedades hospedeiras ou o regresso irrevogável a Timor Leste — jogam-se inúmeras possibilidades como as estadias intercaladas em ambas as sociedades ou as deslocações prolongadas à terra natal. É provável que a hipótese de uma reinstalação definitiva dependa sobremaneira do futuro político do território, da melhoria das condições socioeconómicas vigentes ou de possíveis oportunidades profissionais disponíveis, processo cuja evolução só poderá avaliar-se a longo prazo. Nessa altura dissipar-se-ão as presentes dúvidas sobre um regresso definitivo adiado ou mitificado…
Informação complementar Reconstruir Timor Leste: um desafio aos timorenses regressados Se o papel desempenhado pelos timorenses na diáspora foi fundamental na congregação de apoios governamentais e não governamentais para os diversificados problemas enfrentados em Timor Leste, crescem as expectativas em torno daquilo que poderão concretizar no futuro caso regressem à sua pátria. Para além do evidente enriquecimento da identidade timorense — já de si sincrética em virtude da amálgama linguística, religiosa e valorativa que singulariza aquele complexo universo cultural, sincretismo continuamente alimentado através da pluralidade de influências decorrentes da coabitação e interface há muito promovidos entre a população local e os agentes externos presentes (desde a colonização portuguesa, passando pela longa ocupação indonésia, ao mais recente contacto com os representantes da UNTAET, a par de tantos outros) — espera-se que a participação dos migrantes regressados na complexa tarefa de reconstrução do novo Estado seja acentuada. As qualificações escolares e técnico-profissionais por alguns adquiridas no estrangeiro poderão ajudar a colmatar a aguçada carência de “competências” académicas e laborais sentida no país e canalizar-se para o desenvolvimento do território. O que Timor Leste mais necessita neste momento é de minorar a sua dependência face ao exterior, organizar-se internamente e emancipar-se por meio de uma gestão eficiente e eficaz dos recursos disponíveis. Eficácia que será tanto mais bem conseguida quanto maior o número de agentes envolvidos e empenhados nessa tarefa. ETRA http://www.etra.zip.com.au Telma Viegas, Migrações e Associativismo de Migrantes: Estudo do Caso Timorense, ed. Universidade Aberta e Fund. Oriente, Lisboa 1998.Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Caracterização da comunidade timorense residente em Portugal Caracterização da comunidade timorense residente em Portugal (1999)
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