Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2002 > Índice de artigos > A política externa portuguesa > Grandes orientações > [Mediterrâneo e Médio Oriente no quadro da política externa portuguesa]  
- JANUS 2002 -

Janus 2002



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Mediterrâneo e Médio Oriente no quadro da política externa portuguesa

Joaquim Trigo de Negreiros *

separador

Exceptuando o caso de Marrocos, a dimensão do diálogo político bilateral entrePortugal e os diversos países da Margem Sul do Mediterrâneo é pouco significativa.O diálogo político mais substancial faz-se no âmbito dos diversos processos derelacionamento multilateral que envolvem Estados membros da União Europeia eagrupamentos diferenciados de Estados da região. E é no contexto da aproximaçãode natureza multilateral que a diplomacia portuguesa tem vindo a procurar formasde contribuição autónoma, tendo em vista a salvaguarda dos interesses nacionaisna orientação das agendas dos vários processos em curso.

Entre os diversos fora de diálogo euro-mediterrânico, destaca-se claramente o chamado Processo de Barcelona, lançado em 1995. Desde logo porque se trata do único processo de parceria multilateral em que a União Europeia se faz representar no seu todo. Para além disso, é também o espaço de diálogo que conta com uma participação mais alargada de países da margem sul do Mediterrâneo — apenas a Líbia e a Mauritânia estão ausentes. Embora o Processo de Barcelona partilhe com os demais espaços institucionalizados de diálogo político euro-mediterrânico uma agenda omnipresente em que se articulam as preocupações de carácter securitário dominantes entre os parceiros do Norte e a aspiração ao acesso a instrumentos de apoio económico por parte da generalidade dos vizinhos do Sul, a composição alargada desta modalidade de parceria cria alguns obstáculos que não encontramos em contextos alternativos mais restritos, que abordaremos mais adiante.

O obstáculo mais sério prende-se com a presença de Israel e da Autoridade Palestiniana, que torna inevitável a “importação” das dificuldades que têm marcado o processo de paz no Médio Oriente. Contaminado pelas tensões israelo-árabes, o diálogo político no espaço alargado do Processo de Barcelona ressente-se dos frequentes bloqueamentos daí resultantes. A tendência para a reprodução de discursos antagónicos sobre o processo de paz produz alinhamentos e clivagens que comprometem a obtenção de consensos, o que, naturalmente, limita a produtividade política global do grande instrumento de parceria euro-mediterrânica. É esta situação, de resto, que explica a sobrevivência ou até mesmo a ressurreição de outros fora de diálogo que, de outro modo, já teriam sido provavelmente absorvidos pelo Processo de Barcelona. É também esta situação que justifica uma progressiva “especialização” do Processo de Barcelona no sector da cooperação financeira entre as duas margens do Mediterrâneo, com viabilidade assegurada pelo envolvimento dos mais prósperos países membros da União Europeia.

A propósito deste último aspecto, registe-se que a percepção dos responsáveis político-diplomáticos portugueses contraria a ideia generalizada segundo a qual seria possível detectar, no âmbito da União Europeia, duas sensibilidades distintas face à aproximação euro-mediterrânica. De acordo com esse paradigma, os países do Sul da Europa – Portugal, Espanha, França e Itália e, de um modo muito particular, a Grécia — distinguir-se-iam claramente dos seus parceiros do Norte e do Centro da Europa no que diz respeito à importância a conceder ao relacionamento com a outra margem do Mediterrâneo.

O entendimento que hoje prevalece em Lisboa não confirma uma diferenciação clara desse tipo. Ainda que não partilhem com os seus parceiros do Sul as motivações resultantes da proximidade geográfica, alguns países do Norte da Europa têm outras razões para revelar sensibilidade à problemática mediterrânica, relacionadas sobretudo com a presença de importantes comunidades imigrantes magrebinas ou turcas nessa zona do continente europeu.

O panorama que se desenha é, portanto, o de uma progressiva orientação do Processo de Barcelona para a cooperação euro-mediterrânica de natureza financeira, resultante da conjugação de dois factores de sinal contrário: a contaminação do diálogo de carácter mais eminentemente político pelos ecos das dificuldades no processo de paz no Médio Oriente, por um lado, e a disponibilidade dos mais prósperos países membros da UE para viabilizar uma vocação da parceria económico-financeira, por outro. Do ponto de vista da projecção de Portugal na região, trata-se de uma situação que se pode revelar potencialmente positiva. Conscientes da diluição do peso específico português num espaço tão alargado como é o Processo de Barcelona, os responsáveis pela orientação de Lisboa apostam claramente na (re)vitalização dos instrumentos de diálogo político multilateral euro-mediterrânico cuja dimensão mais limitada proporciona uma maior visibilidade à contribuição portuguesa.

A aposta de Lisboa nessa direcção tem-se concentrado em dois alvos preferenciais: o Fórum do Mediterrâneo e o Processo de Cooperação no Mediterrâneo Ocidental, mais conhecido como Diálogo 5+5. Dado que o protagonismo da diplomacia portuguesa na reactivação do Diálogo 5+5 é abordado num texto autónomo, deter-nos-emos na orientação de Lisboa face à evolução do Fórum para o Mediterrâneo. Criado no final de 1991 na sequência de uma iniciativa egípcia, o Fórum integra, para além do Egipto, os cinco países do Sul da União Europeia, os países do Magrebe com excepção da Líbia e ainda Malta e a Turquia. O facto de Israel e da Autoridade Palestiniana não integrarem o elenco dos membros do Fórum permite-lhe funcionar como sede de um diálogo político mais fecundo. Os responsáveis portugueses estão claramente empenhados na plena realização dessa potencialidade, tendo recentemente sugerido um modelo substancialmente renovado para as reuniões anuais desta modalidade de relacionamento euro-mediterrânico.

Topo Seta de topo

A intenção de Lisboa é transformar este espaço de diálogo político num “clube de reflexão”, concebido a partir do modelo já testado nos encontros globais que têm lugar na cidade suíça de Davos. A proposta portuguesa tem por objectivo assegurar a sobrevivência do Fórum, impedindo a sua diluição no Processo de Barcelona. Mas, ao sugerir o novo modelo, Lisboa teve a preocupação de evitar que a proposta pudesse ser interpretada como uma tentativa de transformar o Fórum num “rival” da parceria mediterrânica mais abrangente, apresentando-a sempre como uma forma de rentabilizar politicamente a complementaridade em relação ao Processo de Barcelona. Nessa perspectiva, o Fórum renovado serviria de “fonte alimentadora” do Processo de Barcelona, fornecendo a este espaço mais alargado os resultados de uma reflexão política que, dados os constrangimentos que já referimos, não é possível ali levar a cabo. Portugal, que no ano 2000 assumiu a presidência política rotativa do Fórum do Mediterrâneo — a sétima reunião ministerial anual realizou-se na Madeira, em Março daquele ano — demonstrou todo o seu empenho político na consagração do novo modelo para a parceria ao oferecer-se para receber, em 2003, os participantes do Fórum numa reunião já formatada a partir do modelo inspirador de Davos.

O facto de a diplomacia portuguesa valorizar os espaços multilaterais de contacto político não contaminados pelo processo de paz no Médio Oriente não a dispensa de abordar esse tema particularmente sensível. Não é possível a qualquer país ter uma palavra a dizer no espaço mediterrânico ignorando o assunto. Embora as posições de Lisboa nesta matéria nem sempre tenham muita visibilidade, o facto é que a atitude portuguesa se demarca do seguidismo europeu que prevalece noutros dossiers da política externa nacional. Partilhando com outros parceiros da UE uma frustração face ao fraco protagonismo europeu no processo de paz — que se revela sobretudo quando comparado com a importante intervenção norte-americana —, Lisboa tem insistido num diagnóstico incómodo para outros Estados membros.

Na perspectiva portuguesa, uma contribuição mais consistente da União tem sido prejudicada pela falta de coerência no julgamento político das violações e dos incumprimentos que, de parte a parte, têm impedido avanços. Lisboa argumenta que o contraste entre as hesitações da União Europeia quando se trata de condenar atitudes da Autoridade Palestiniana e a presteza com que os Quinze apontam o dedo acusatório a Israel explica o desgaste no relacionamento com as autoridades israelitas, que por sua vez afecta a credibilidade europeia junto à própria Autoridade Palestiniana e compromete uma intervenção mais determinante no processo de paz. Recordando que se trata de uma perspectiva crítica adoptada por quem está livre dos constrangimentos que condicionam as posições de outros Estados membros nesta questão — em Portugal não há importantes comunidades de origem árabe ou judaica, por exemplo —, a diplomacia portuguesa defende que só com a adopção de uma orientação política mais consistente será possível os Quinze assegurarem a autoridade indispensável para o desempenho de um papel activo como elemento “facilitador” num processo tão delicado e complexo.

 

Informação complementar

Quando 5+5 não é igual a 10

O Processo de Cooperação do Mediterrâneo Ocidental é a mais antiga das parcerias euro-mediterrânicas. Lançado em 1990 por um conjunto de países da Europa meridional (Portugal, Espanha, França e Itália) e pelos Estados integrantes da União do Magrebe Árabe (Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia), recebeu posteriormente a adesão de Malta, adoptando a configuração que justifica o nome pelo qual este espaço de diálogo político ficou conhecido: “5+5”.

Quando dava mostras de alguma vitalidade, o processo foi bloqueado na sequência do atentado de Lockerbie. As consequências políticas da implicação líbia no atentado inviabilizaram o diálogo e o processo “5+5” foi suspenso. Recentemente, em função do esboço de desanuviamento e aproximação em relação à Líbia — um país, recorde-se, ausente das demais modalidades de parceria euro-mediterrânica — criaram-se as condições para o relançamento do Processo de Cooperação do Mediterrâneo Ocidental. E Portugal, motivado pela perspectiva de ver ressuscitado um espaço de diálogo político multilateral onde a sua voz se ouve mais distintamente do que no abrangente Processo de Barcelona, assumiu claramente essa causa, adiantando inclusivamente uma proposta de alteração de nomenclatura: em vez de “5+5”, porque não falar num diálogo “a 10”?

A sugestão é sustentada pela ideia de uma identidade própria do Mediterrâneo Ocidental, que o distinguiria das regiões limítrofes e que congregaria os países que dele fazem parte, independentemente da margem em que se situam. A presença de traços identitários autónomos, a par da identificação de uma problemática própria do Mediterrâneo Ocidental, são, de resto, razões avançadas para justificar o relançamento do processo. O nome é que continuará o mesmo: a designação “diálogo a 10” não foi adoptada, mantendo-se a fórmula “5+5”. O que significa que o Mediterrâneo, para além de constituir a ponte que todas as parcerias políticas pretendem consolidar, continua a ser uma fronteira entre dois mundos.

separador

* Joaquim Trigo de Negreiros

Licenciado em Comunicação Social pela Universidade Católica do Rio de Janeiro. Redactor do jornal PÚBLICO até Outubro de 1999. Professor de Jornalismo na ESCS.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Processo de cooperação do Mediterrâneo Ocidental

Link em nova janela Processo de Barcelona

Link em nova janela Fórum do Mediterrâneo

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2003)
_____________

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores