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Janus 2002



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Sobre a política externa portuguesa

Diogo Freitas do Amaral *

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Se descontarmos as desorientações e divergências do período revolucionário (1974-76),pode dizer-se que a partir da entrada em vigor da Constituição de 1976 a políticaexterna portuguesa tem sido bastante consensual entre os partidos democráticosportugueses. Mesmo o PCP, que guarda sempre as suas distâncias, tem vindo a aceitara presença de Portugal na União Europeia e na NATO, que assim se tornam nos doisprincipais eixos da acção internacional do Estado português.

Um terceiro eixo é também consensual — a política de amizade e cooperação com o Brasil e os PALOP, agora no quadro institucionalizado da CPLP.

Em quarto lugar, pode apontar-se a prática de relações diplomáticas com praticamente todos os países do mundo — independentemente dos respectivos regimes políticos ou formas de governo —, bem como uma atitude activa e participativa em todas as organizações internacionais de que somos membros, na primeira linha das quais temos colocado (e bem) a ONU.

A resolução final do problema de Timor, após porfiados esforços da diplomacia portuguesa — que secundou eficazmente a luta do próprio povo timorense pela sua independência —, pôs termo ao único contencioso diplomático que Portugal mantinha (com a Indonésia) e permitiu-nos encerrar com êxito uma descolonização que, em regra, nos saiu mal, pecando por tardia e atabalhoada.

 

Excessivo secretismo

Talvez por ser consensual e não suscitar grandes polémicas no debate político nacional, a nossa política externa tem sido conduzida com excessivo secretismo.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros fala pouco e não se explica quase nada; não há, ao contrário de outros tempos, conferências de imprensa regulares; a Assembleia da República não é informada nem ouvida com a frequência utilizada, em regra, na generalidade dos países democráticos; e nas televisões, rádios e jornais os debates sobre política externa são raros e pouco seguidos pela opinião pública.

Mesmo em campanhas eleitorais — legislativas ou presidenciais — os temas internacionais pouco são evocados e raramente despertam o interesse dos eleitores.

Isto é, obviamente, negativo e configura um significativo “défice democrático”. Os governos, em vez de fazerem alguma coisa para colmatar a deficiência, instalam-se no comodismo e aproveitam-se da situação para não terem de prestar contas. O público não reage. O Presidente da República também não. Temos aqui um sintoma de subdesenvolvimento democrático, que importa combater.

 

Portugal na ONU e na UE

Portugal é membro da Organização das Nações Unidas e — uma vez encerrado o problema da descolonização — goza aí do respeito geral, incluindo do bloco afro-asiático que noutros tempos nos era hostil, e mantém hoje as melhores relações com o nosso país.

Uma atitude activa e dinâmica de participação em todas as comissões e grupos de trabalho, muitas vezes com posições próprias e bem defendidas, ampliou o prestígio diplomático de Portugal e permitiu que em 1995-96, pela primeira vez em cinquenta anos, um português fosse eleito Presidente da Assembleia Geral.

Logo a seguir, o nosso país foi eleito para membro não permanente do Conselho de Segurança, para o biénio 1997-98, numa disputa renhida em que conseguimos vencer a Austrália, país que goza de grande audiência e prestígio na ONU.

Os dois anos do nosso mandato decorreram de forma bastante positiva — embora sem nenhum eco, pelas razões já apontadas, na opinião pública portuguesa.

A nossa pertença à União Europeia tem sido francamente positiva para Portugal e tem funcionado, não apenas como fonte de abundantes benesses materiais, mas também como aguilhão para acelerarmos reformas há muito adiadas, para a modernização de legislação antiquada, a fiscalização da qualidade de bens e serviços, etc.

Com a dificuldade crónica que o nosso país sente em se reformar e modernizar sem uma forte pressão exterior, a existência da UE tem sido o grande factor do desenvolvimento de Portugal nos últimos quinze anos. E os resultados estão à vista: o país está outro.

A diplomacia portuguesa tem-se ajustado bem ao novo enquadramento institucional em que tem de se mover e, nas negociações mais importantes ou mais difíceis, Portugal tem-se saído bem, de um modo geral, tendo em conta os múltiplos condicionalismos que rodeiam a nossa intervenção.

 

A questão da NATO

O mesmo não se pode dizer, em minha opinião, da participação de Portugal na NATO.

Com a queda do muro de Berlim, o desmoronamento do bloco soviético e a extinção do Pacto de Varsóvia, muitas vozes se levantaram a defender a dissolução da NATO, que perdera a sua principal razão de ser. O problema nunca foi debatido no parlamento português. Aceitámos, pois, embora sem sabermos muito bem para quê, a continuação da NATO.

Colocou-se, depois, a questão do alargamento a Leste, com a inclusão na NATO de vários países que haviam sido membros do Pacto de Varsóvia — a começar pela Polónia, pela Hungria e pela República Checa. O tema foi debatido à exaustão por toda a parte.

Em Portugal, porém, o parlamento continuou à margem do debate.

Veio, em terceiro lugar, o cinquentenário da Organização, na Primavera de 1999, e com ele uma cimeira solene em Washington, que se permitiu — sem poderes para tanto — alterar o chamado “conceito estratégico” da NATO, conferindo à Organização natureza diferente da que tinha tido até então e autorizando-a a efectuar intervenções militares em áreas e circunstâncias que o tratado constitutivo da Organização não permitia (ver informação complementar). De novo, a Assembleia da República foi mantida à margem do acontecimento e não teve a oportunidade de aprovar ou não, para ratificação, as importantes e controversas alterações ao tratado em vigor.

Portugal participou, com forças militares e/ou de polícia, na Bósnia e no Kosovo — sem que se tenha sequer esboçado um princípio de justificação para a nossa presença. Dizer apenas, como então foi dito, que Portugal tinha de participar porque, “sendo membro da NATO, tinha de ser solidário com a Organização” — foi um erro político e jurídico. A única situação em que os Estados Membros da NATO têm a obrigação de participar em acções militares conjuntas é a de um país membro ser objecto de agressão e solicitar a ajuda solidária de todos para se defender. Ora, nem na Bósnia nem no Kosovo se estava perante agressões de terceiros a países membros da NATO. Portugal não estava, pois, obrigado a participar. Interveio porque quis. Devia ter explicado porquê.

A participação portuguesa na NATO tornou-se, assim, mal justificada e envolta num secretismo que não tem qualquer razão de ser. Há aqui, também, manifestamente, um “défice democrático”. O Presidente da República devia pronunciar-se sobre o assunto.

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“Seguidismo” face aos EUA e a nova situação

O papel que temos desempenhado em relação à NATO tem muito a ver com o “seguidismo” que infelizmente tem caracterizado os últimos anos da política europeia face aos Estados Unidos da América.

O desaparecimento da ameaça soviética, por um lado, e o reforço da identidade europeia, por outro, deviam ter conduzido a Europa a uma política mais independente em relação aos EUA. Mas a globalização, a hegemonia política, económica e militar da América e a substituição das grandes lideranças europeias (Giscard-Schmidt e Miterrand-Kohl) por personalidades de segunda e terceira categoria fizeram com que a Europa se tornasse cada vez mais dependente e “seguidista” face à “hiperpotência” mundial.

Tudo isto foi, ainda assim, mais ou menos aceitável enquanto a administração Clinton praticou uma política internacional baseada na consulta permanente aos seus aliados europeus e acentuadamente marcada pelo multilateralismo.

Com o primeiro semestre da administração Bush, porém, tudo começou a mudar para pior — menor atenção aos aliados, unilateralismo diplomático, atitude confrontacional em relação aos grandes consensos internacionais, recusa de ratificação de um número crescente de tratados e convenções assinados pelos representantes dos EUA.

Esta nova política externa norte-americana causou justificadas preocupações no resto do mundo e, particularmente, na Europa.

Foi assim que, em sondagem publicada no International Herald Tribune, de 16 de Agosto de 2001, e realizada na Grã-Bretanha, na Itália, na Alemanha e na França, só 16 a 29% da população aprovava a forma como o Presidente Bush vinha conduzindo a sua política internacional, situando-se as rejeições entre os 46 e os 65%. Em comparação, o Presidente Clinton tinha tido de 66 a 86% de aprovações, e apenas 9 a 16% de rejeições.

Com os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 contra Washington e Nova Iorque, tudo mudou. Não só se produziu, espontaneamente, uma enorme onda de solidariedade e simpatia para com os Estados Unidos e o povo americano — tanto na Europa como no resto do mundo —, mas gerou-se um novo consenso, que vai muito para além da NATO e inclui a própria Rússia, em torno da grande prioridade do ataque ao terrorismo internacional.

O ponto mais delicado vai ser o das relações com o mundo árabe. A guerra contra o terrorismo, legítima e necessária, não pode ser vista nem transformada numa nova Cruzada do Ocidente e da Cristandade contra o Islão. Daí a importância de essa guerra ser feita em coligação com os países árabes moderados e de ser, ela própria, uma guerra inteligente e selectiva, que não traga para a rua as massas islâmicas em revolta, as quais depressa poderiam derrubar os governos moderados e substituí-los por governos radicais.

Neste contexto, o Presidente Bush e a sua administração têm sabido ouvir — pela primeira vez — as vozes de prudência e moderação que a União Europeia tem sabido, oportunamente, levantar.

É importante que assim continue a ser: a Aliança Atlântica tem de ser uma parceria entre iguais, e não um instrumento político americano acolitado pelo seguidismo europeu.

Parece-me indispensável que, sem prejuízo da solidariedade na guerra ao terrorismo, a União Europeia afirme, desenvolva e reforce uma identidade própria; rejeite qualquer seguidismo em relação aos EUA; e construa a sua própria PESC (Política Externa e de Segurança Comum), servida por forças armadas europeias.

Não quer isto dizer que a Europa deva deixar de ser uma entidade política com fortes laços de amizade, cooperação e comércio com a América. Mas há que caminhar para uma aliança entre iguais: a Europa, como sempre preconizou o General De Gaulle, deve ser capaz de dizer “não” aos Estados Unidos quando as suas posições não coincidam com as deles; e deve obrigá-los a negociar, equitativamente, sempre que se trate de articular interesses comuns, sem se sujeitar por sistema ao diktat do parceiro mais forte.

Portugal precisa, hoje mais do que nunca, de políticos e diplomatas que saibam encarnar uma nova vontade política europeia, e contribuir para que ela triunfe em Bruxelas, donde tem andado muito arredada.

 

Informação complementar

O novo “conceito estratégico” da NATO

Aprovado em Washington, em 23 e 24 de Abril de 1999, o novo “conceito estratégico” da NATO reafirma princípios e normas constantes do Tratado do Atlântico Norte, assinado em 4 de Abril de 1949, em Washington. Mas, sem formalmente lhe modificar uma vírgula, introduz alterações substanciais ao tratado inicial.

Afirma-se, com efeito, no novo documento, que “aos perigos da guerra fria sucederam-se (...) novas oportunidades e novos riscos (nº 3); que “a Aliança não só assegura a defesa dos seus membros como contribui para a paz e a estabilidade na região” (euro-atlântica) (nº 6); que a NATO, para além de “exercer dissuasão e defesa contra qualquer ameaça de agressão a qualquer Estado membro”, deve também “estar pronta, caso a caso e por consenso (...), a contribuir para a prevenção eficaz de conflitos, e a envolver-se activamente na gestão de crises, inclusive em operações de reacção a crises” (nº 10); estas operações poderão ir para lá das previstas no artigo 5º do Tratado de Washington (nº 31); as crises a prevenir e/ou a resolver são as que resultam da “incerteza e instabilidade na área euro-atlântica e à sua volta”, bem como as “crises regionais na periferia da Aliança” (nº 20); na verdade, os interesses da NATO podem ser afectados, não apenas por actos de agressão aos países membros, mas também por “outros riscos duma natureza mais alargada, incluindo os actos de terrorismo, a sabotagem e o crime organizado, e pela ruptura do fluxo de recursos vitais” (petróleo, gás, etc.), bem como pela “deslocação sem controlo de grande número de pessoas” (refugiados) (nº 24); tudo isto implica que a NATO deve poder “contribuir para a prevenção de conflitos e a gestão de crises através de operações de reacção às crises não do artigo 5º” (nº 29), “por vezes sem aviso [prévio], afastadas das suas bases nacionais e, inclusivamente, fora do território dos Aliados” (nº 52).

O documento reporta-se à Carta das Nações Unidas para a “resolução pacífica dos litígios” (nº 11), mas não para a intervenção militar fora do artigo 5º do Tratado. (Este artigo é o que prevê a defesa colectiva, por parte de todos os membros da Aliança, contra a agressão a qualquer país membro).

Três diferenças, pelo menos, é possível detectar neste texto em relação ao Tratado de 1949:

1. Em primeiro lugar, a NATO deixa de se considerar como uma organização meramente defensiva, que só podia agir perante uma agressão (ou ameaça iminente de agressão) a um Estado membro, e passa a qualificar-se como organização dotada de poderes militares de iniciativa, destinados a punir terceiros países que violem o Direito Internacional ou ponham em risco interesses vitais da NATO;

2. Em segundo lugar, verifica-se um alargamento (potencialmente ilimitado) da área geográfica de intervenção da NATO: esta só podia agir na Europa, para defesa dos países membros; agora poderá agir onde quer que ela própria decida intervir, mesmo que seja out of area;

3. Em terceiro lugar, a NATO era uma “organização regional” para efeitos do capítulo VIII da Carta das Nações Unidas, pelo que só podia intervir militarmente nos termos da própria Carta, ou seja, segundo o artigo 51º desta, quer (1) no exercício do direito de legítima defesa, quer (2) nos termos autorizados ou delegados pelo Conselho de Segurança. Agora, esta limitação desaparece: a NATO arroga-se o direito de intervir militarmente onde, quando e como o entender necessário, sem sujeição às deliberações do Conselho de Segurança da ONU (assim aconteceu já com os bombardeamentos sobre a Jugoslávia).

Há aqui uma mudança de natureza da NATO — em vez de organização defensiva do Ocidente contra a ameaça soviética, é agora uma polícia mundial do Ocidente sobre qualquer ponto do mundo onde os interesses ocidentais possam ser ameaçados. Mas há aqui também uma clara e frontal violação da Carta das Nações Unidas. E há ainda, no plano interno, uma flagrante inconstitucionalidade, na medida em que o Governo se permite assinar alterações a um tratado internacional em vigor sem as submeter à aprovação parlamentar e à ratificação presidencial. Curiosamente, nem o Presidente da República nem a Assembleia da República protestaram, em defesa das suas competências constitucionais.

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* Diogo Freitas do Amaral

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa. Director e Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

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