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Política externa: breve reflexão

Mário Soares *

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O Anuário JANUS, publicação universitária de excepcional qualidade, que muitoaprecio, pediu-me para escrever sobre as “alternativas à actual política externaportuguesa”. Um desafio difícil.

Começo por me interrogar sobre a existência de alternativas à política externa portuguesa, tal como tem vindo a ser definida desde o I Governo Provisório, saído da Revolução dos Cravos, com os enriquecimentos e as sucessivas adaptações decorrentes nas diversas conjunturas internacionais. Deve reconhecer-se, verdadeiramente, que não há.

As opções resultaram do próprio sentido da Revolução de Abril: paz; descolonização; relações com todos os países do Mundo; cooperação leal com as Nações Unidas e com as suas Agências especializadas; inserção na CEE e, depois, na UE; presença de Portugal na Aliança Atlântica (NATO); participação na OSCE; cooperação especial com os países de língua oficial portuguesa (CPLP); acompanhamento da Comunidade Ibero-Americana, tendo em atenção especial o Brasil; defesa da língua portuguesa; valorização da presença e da memória de Portugal no Mundo, nomeadamente através da dinamização das comunidades emigrantes portuguesas; defesa de uma política externa transparente — de paz, de segurança colectiva e de defesa dos direitos humanos.

Não havendo alternativas às opções feitas, haverá seguramente muito trabalho inovador a realizar — imaginativo, coordenado, persistente — para imprimir maior rigor, coerência e eficácia à política externa portuguesa e a tornar conhecida pela nossa própria opinião pública. Sente-se a necessidade de gerir melhor os recursos humanos e materiais existentes, evitando desperdícios e sobreposições e tendo uma maior atenção à relação gastos/resultados; de atribuir maior consistência e dinamismo às diversas “frentes” externas em que se actua, definindo claramente prioridades, uma vez que os recursos são limitados; de defender os grandes valores que dimanam da Constituição da República e do humanismo universalista português. A nossa política externa deve saber ter Causas e defendê-las. A título de exemplo, citarei o mar e os Oceanos que deveriam ser uma delas, de modo a atrair para Portugal a sede das respectivas organizações internacionais (como esteve quase a conseguir-se). Era o que decorria do esforço notável da Expo/98 e do Relatório apresentado às Nações Unidas pela Comissão Mundial Independente para os Oceanos, que teve sede em Lisboa. Infelizmente não se deu suficiente atenção e continuidade ao projecto.

Portugal é hoje um país democrático, prestigiado, inserido na UE — um espaço de paz, de liberdade, de desenvolvimento sustentado e de solidariedade — e tem laços afectivos e interesses em África, na América Latina e noutros pontos do Mundo, donde resulta que a sua política externa deve ser participada, criativa e aberta — não rotineira e seguidista das grandes potências — porque só assim poderá pôr em relevo a “excepcionalidade” portuguesa, o nosso maior capital.

Para um país de reduzida dimensão, como Portugal, que regressou às suas fronteiras europeias depois de um longo passado colonial, com uma gloriosa história multissecular de descobertas, conquistas e ocupações, com uma língua hoje falada por 200 milhões de seres humanos — a terceira língua europeia mais falada no Mundo — e uma importante diáspora espalhada pelos cinco continentes, que nos cumpre defender e que, felizmente, continua afectiva e estreitamente ligada à mãe-Pátria, a afirmação de uma política externa coerente, aberta à mudança do tempo, dinâmica e progressista é extremamente importante.

 

As coordenadas do presente

Entretanto, com o processo de internacionalização das economias, dos conhecimentos e da informação, surgiu o que se chama a globalização, que está a transformar as sociedades, inelutavelmente. É um fenómeno inteiramente novo, com aspectos positivos e negativos, estes últimos, essencialmente, nos países mais pobres, com a concentração da riqueza, por forma nunca vista, em cada vez menos mãos e a generalização da pobreza, mas também do acesso (ou não) à informação, aos conhecimentos e às tecnologias. Outro aspecto é a rapidez com que se mobilizam os fluxos de capitais passando além das fronteiras nacionais bem como os circuitos de informação. A globalização transformou o Mundo numa “aldeia global”, dando aos homens a consciência de um destino comum e de que enfrentam desafios que ultrapassam de longe as fronteiras nacionais.

As sociedades e os seus valores tradicionais estão em transformação acelerada — com tudo o que isso implica, quanto à mudança de mentalidades e à crise dos valores de civilização — atingindo e condicionando tanto os Estados desenvolvidos como os mais atrasados. A “mediatização” da política e das instituições é um fenómeno universal. A crise das ideologias e das instituições tem, igualmente, a ver com isso. É nesse contexto que a União Europeia — grande potência emergente, única eventual rival dos Estados Unidos — está a procurar adaptar-se, com as dificuldades e contradições que são conhecidas, ao novo mundo em gestação neste início do séc. XXI.

Portugal, membro de pleno direito da União Europeia — um dos centros de maior desenvolvimento mundial — tem de aprender a inserir-se com inteligência na União, tirando partido dessa situação de privilégio e aí mantendo uma presença activa, interveniente e perfeitamente adaptada ao mundo de hoje. É aí que uma política externa inovadora, imaginativa e altamente participada deve procurar abrir caminho, tendo em conta a estimulante concorrência dos Estados nossos parceiros.

Somos um país pequeno, de escassos recursos. Mas éramos muito menos quando demos “novos mundos ao Mundo”. Não temos razões para ter complexos. Temos uma língua que se fala nos cinco continentes. Temos uma identidade cultural e uma coesão nacional que podemos considerar invejáveis. Somos uma das mais velhas nações europeias, no interior das mesmas fronteiras europeias, sem problemas regionais, linguísticos ou religiosos. Temos uma história que merece o respeito do Mundo e nos torna conhecidos nos lugares mais distantes. Fomos protagonistas, nos tempos modernos, de uma revolução de sucesso.

Velhos colonizadores, soubemos estreitar relações afectivas especiais com os povos que colonizámos e aos quais depois reconhecemos a independência.

O exemplo de Timor é, nesse aspecto, perfeitamente paradigmático e causou o espanto do Mundo.

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A política externa portuguesa tem de saber tirar partido de tudo isso e de ser capaz de projectar uma imagem de Portugal, na Europa e no Mundo, de um país coeso, com ideias próprias, moderno, interveniente, defensor das grandes Causas Humanas.

Não devemos fazer uma política chamada de Estado procurando imitar as grandes potências — sem ter os recursos delas — e, para tanto, negando o universalismo, a democracia e o respeito pelos direitos humanos que são valores essenciais da nossa cultura e da nossa maneira de estar. Este é um ponto importante que não devemos esquecer, nomeadamente nas relações com países nossos irmãos, como Angola ou Moçambique, em que as relações entre os Povos contam mais do que os interesses dos Estados.

No interior da União Europeia devemos lutar pelos princípios e valores que orientam a nossa política externa, defendendo obviamente os interesses nacionais mas sem nunca esquecer os interesses da União, no seu conjunto, que são igualmente nossos. Devemos preparar os nossos concidadãos para o exercício de uma verdadeira cidadania europeia — a par da cidadania portuguesa — sem esquecer os desafios do século que começa, comuns a todos os homens onde quer que nasçam ou vivam: a defesa do Planeta, nossa “casa comum”; o aprofundamento da democracia, como valor universal; a solidariedade entre os homens, portadores de um destino comum; a igualdade entre homens e mulheres; e a igualdade de oportunidades, à partida, independentemente das condições sociais, num mundo que devemos lutar para que seja mais justo e mais fraterno.

Dir-me-ão os políticos ditos “realistas” que são palavras e propostas utópicas, que nada têm a ver com as realidades da política, onde só contam as relações de força. Não é assim. Hittler perguntava, desdenhoso, quantas divisões militares tinha o Vaticano e parecia, nessa época, estar cheio de razão. O Vaticano, no plano militar, não contava nada. Mas Hittler passou, deixando um rasto de violência e de sangue atrás de si. E uma má memória. O Vaticano continua a ser uma referência para os católicos e não só para os católicos. O que faz avançar o Mundo são as ideias e aqueles que se batem por elas, desinteressadamente.

De resto, alguém já disse um dia que “não há nada mais realista do que a utopia”. Não é um paradoxo!

Num mundo onde dizem que as ideologias morreram, chegando a prever o fim da história, aqui estou eu, modestamente, assumindo-me como alguém que acredita que é possível transformar o mundo para melhor — e que vale a pena lutar por essa causa humanista com as armas da razão, do exemplo e da persuasão. Esse será o caminho mais “rentável” e “realista”, assim julgo, para o exercício de uma política externa actual e bem sucedida, participada e entendida pelos cidadãos, para um país pequeno e com as tradições de Portugal.

 

Informação complementar

Possibilidades e limites das instituições

A política externa deve estar estreitamente ligada à política de Defesa Nacional, em termos de subordinação a um conceito estratégico global comum, para Portugal, que integre e coordene a acção dos dois departamentos ministeriais. Para além disso, em áreas específicas, que são comuns, deve cooperar estreitamente com o Planeamento, as Finanças, a Economia (e, especialmente, o Comércio Externo), a Cultura, a Ciência e o Ambiente. Para evitar a dispersão de esforços, com impulsos que às vezes até podem ser contraditórios e a duplicação inconveniente de recursos.

Em democracia, a política externa tem que ser fundamentalmente entendida nos seus objectivos, quer dizer, vivida pelos cidadãos – que serão sempre o seu suporte mais eficaz — devendo, por isso, ser objecto de uma informação regular (em especial, aos agentes económicos), discutida com frequência na Assembleia da República, o centro da representação nacional, no Conselho de Ministros, explicada às Regiões e Autarquias, cujos representantes, frequentemente, são obrigados a tomar iniciativas relevantes de política externa (tantas vezes descoordenadamente). Deve ainda ser dotada dos meios e recursos necessários, humanos e materiais — como grande prioridade nacional que é — para que se possa exigir, dos seus agentes, a postura e o trabalho que lhes cumpre realizar, ao serviço de Portugal.

Nesse aspecto, penso que os quadros do Ministério (apesar de terem aumentado muito desde o 25 de Abril) não são ainda suficientes para as necessidades e, sobretudo, julgo (espero não estar em erro) que não lhes são dadas condições para adquirir uma formação moderna, actualizada, democrática, isenta e suficientemente informada.

É habitual ouvir dizer que as centenas de telegramas que o Ministério recebe semanalmente, das embaixadas e consulados, não são sujeitos a uma triagem criteriosa e, frequentemente, nem sequer são respondidos.

O conhecimento, quanto ao detalhe da acção do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros e quanto às orientações em concreto que dele emanam, é igualmente insuficientíssimo. Que orientações têm, em concreto, os nossos diplomatas para a sua actuação nos países em que representam Portugal? Sentem-se os Ministros e Secretários de Estado, quando se deslocam a países estrangeiros, obrigados a informá-los sobre os contactos e negociações que estabeleceram? Como é, por outro lado, apreciada e julgada — e por quem? — a actuação profissional dos diplomatas e valorizada para efeitos de promoção ou para a escolha dos postos que, no futuro, lhes serão atribuídos? Parece haver, em tudo isso (se não erro) uma larga margem de sigilo instalado e de arbítrio.

Se passarmos, porém, da formação dos diplomatas, aos briefings dados (ou que o deviam ser) aos deputados, membros do governo, altos funcionários da administração pública, autarcas, agentes económicos e culturais, que se deslocam ao estrangeiro, em missões do ou que têm relação com o Estado Português, talvez suceda que o défice de informação e de coordenação seja ainda maior. Devemos habituarmo-nos a cruzar a informação nos dois sentidos e a aproveitá-la para a elaboração prática das políticas.

Por mim, fiz a dolorosa experiência, como deputado europeu, de durante a presidência portuguesa da União nunca me ter sido dada qualquer orientação ou informação — nem aos meus colegas — sobre a política portuguesa na União (Pergunto-me se haverá uma, articulada ao pormenor?). Aliás, pude constatar que alguns dos nossos colegas deputados de outros países membros, recebiam regularmente relatórios de informação, descendo aos detalhes mais concretos que interessavam à defesa dos interesses de cada país, mesmo quando representavam partidos de Oposição.

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* Mário Soares

Ex-Presidente da República. Presidente da Fundação Mário Soares. Deputado ao Parlamento Europeu.

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